Acórdão nº 4606/17.9T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelRAQUEL BATISTA TAVARES
Data da Resolução12 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório M. J.

, casado, residente na Avenida …, Braga, intentou a presente acção declarativa com processo comum contra X, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede na Avenida …, Lisboa, pedindo a condenação da Ré: a) no pagamento da quantia de €180.810,00 (cento e oitenta mil, oitocentos e dez euros), relativa aos prejuízos sofridos em resultado do acidente dos autos, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação (compatível com o mecanismo da correcção monetária da obrigação de indemnizar) e, b) tudo para além dos tratamentos fisiátricos, médicos, medicamentosos, de psicólogos, de psiquiatras, de ortopedistas, de neurocirurgia, próteses auditivas, etc, até final da sua vida, o que terão que ser ministrados pela demandada, ou c) por ela suportados, e por estes danos não poderem ser determinados ou quantificados nesta data, requer seja a sua liquidação remetida para execução de sentença.

Alega, para tanto e em síntese que - no dia 19 de Setembro de 2014, pelas 09:50 horas, na Estrada Nacional 103, ao Km. 45,450, mais precisamente na rotunda, em ...

, deste concelho de Braga, ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes o ciclomotor com a matrícula GS, propriedade do demandante e por ele tripulado, e o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula GQ; - como consequência do acidente, sofreu lesões e apresenta sequelas a que corresponde uma incapacidade permanente geral de 42,66 pontos; - sofreu danos não patrimoniais e patrimoniais, encontrando-se totalmente impossibilitado para o exercício da sua profissão; - irá necessitar de tratamentos fisiátricos, médicos, medicamentosos, de psicólogos, de psiquiatras, de ortopedistas, de neurocirurgia, até final da sua vida, bem como de próteses auditivas.

Regularmente citada, a Ré veio contestar impugnando parcialmente o alegado, e invocando que, à indemnização que vier a ser fixada, deverão ser deduzidas as quantias já pagas pela ré por conta dessa indemnização. Conclui que a acção deverá ser julgada de acordo com a prova que vier a produzir-se.

Foi realizada audiência prévia, proferido despacho saneador e despacho a fixar o objecto do processo e a enunciar os temas da prova.

Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “4. Por todo o exposto: Julga-se parcialmente procedente a presente acção e, consequentemente, 4.1. Condena-se a ré a pagar ao autor a quantia de € 121.860,00 (cento e vinte e um mil oitocentos e sessenta euros) a título de indemnização, sendo € 61.860,00 (sessenta e um mil oitocentos e sessenta euros) por danos patrimoniais e € 60.000,00 (sessenta mil euros) por danos não patrimoniais; 4.1.1. Condena-se a ré a pagar ao autor juros sobre a quantia de € 120.000,00, à taxa legal de 4%, contados a partir da presente data até efectivo pagamento; 4.1.2. Condena-se a ré a pagar ao autor juros de mora calculados à taxa legal, devidos desde a citação, sobre o montante de € 1.860,00, até efectivo pagamento.

4.2. Condena-se ainda a ré a pagar ao autor o montante correspondente às despesas futuras com consultas periódicas de neurologia e psiquiatria, de ajudas medicamentosas, designadamente de antidepressivos, bem como de próteses auditivas, a liquidar ulteriormente nos termos do art. 609º/2 do Código de Processo Civil.

4.3. Absolve-se quanto ao mais a ré dos pedidos formulados.

4.4. As custas ficam a cargo do autor e da ré, na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário (art. 527º do Código de Processo Civil).

Notifique”.

Inconformado, apelou o Autor da sentença concluindo as suas alegações da seguinte forma: “III - CONCLUSÕES: 1. O recorrente não pode conformar-se com a sentença proferida pelo tribunal da 1ª instância, que declarou a acção parcialmente procedente, motivo pelo qual interpõe o presente recurso, que versa sobre matéria de facto e de direito.

  1. DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: 2. Lê-se no art. 662º, nº 1 do C.P.C., que a “Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

    3. Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do art. 607º, nº 4 do C.P.C., aqui aplicável ex vi do art. 663º, nº 2 do mesmo diploma).

    4. Dito isto, a douta sentença deu como não provado: “- que perdeu a “sensibilidade fina”, e não consegue desenvolver e/ou realizar tarefas que exijam especial sensibilidade, destreza, perícia, como coser, fazer as costuras de um banco de automóvel; - que tem enganos repetidos, destruindo sucessivas vezes o trabalho para voltar a realizá-lo, - que está totalmente incapaz para o exercício da actividade de estofador;” 5. O A. considera incorrectamente julgados e, por esse motivo, impugna a decisão proferida quanto aos pontos mencionados supra da matéria de facto dada como não provada.

    6. Quanto a esta matéria depuseram as testemunhas E A. (esposa), A. F. (filha), P. S. (vizinho) e M. M. (vizinha).

    7. Importa atentar no depoimento da testemunha E A., esposa do Autor (com a duração de 30 minutos e 33 segundos, desde 10:49:18 a 11:19:52) aos 11:56’ e aos 15:17'.

    8. Assim como no dada testemunha A. F., filha do Autor (com a duração de 26 minutos e 51 segundos, desde 11:21:07 a 11:47:59), aos 10:38' e aos 24:00'.

    9. Ainda no depoimento da testemunha P. S., vizinho do Autor (com a duração de 6 minutos e 12 segundos, desde 11:48:48 a 11:55:01) aos 05:24'.

    10. E, por fim, no depoimento da testemunha M. M., vizinha do Autor (com a duração de 14 minutos e 19 segundos, desde 11:55:53 a 12:10:13) aos 03:41', aos 05:20’ e aos 06:30’ 11. Quanto a estes depoimentos, o Tribunal a quo, na sua sentença, afirmou serem “coerentes”, “espontâneos” e “seguros”.

    12. Ora, não se concebe que o tribunal a quo tenha considerado a prova testemunhal “coerente”, “segura” e “espontânea” para a prova de alguns factos e já não o tenha feito para a prova de outros.

    13. Para alicerçar a sua decisão, o tribunal menciona que “o facto alegado de que o autor não mais conseguiu trabalhar é infirmado pelos depoimentos das testemunhas, as quais afirmaram que o autor trabalhou, embora sem brio e qualidade”.

    14. Efectivamente o Autor tentou regressar ao trabalho, pois de outra forma dificilmente se teria apercebido de que já não o conseguiria fazer.

    15. Como se retira da prova testemunhal, o autor perdeu a coordenação nas mãos, a destreza, o que não lhe permite realizar o seu trabalho.

    16. Não apresentando um trabalho com as mínimas “condições” (como referiu a sua esposa e as demais testemunhas), o Autor para além da sua capacidade de trabalho, perdeu também toda a sua clientela.

    17. Assim, não só pelo facto de não ter a quem prestar serviços, mas fruto da falta de qualidades motoras do autor, este encontra-se, efectivamente sem qualquer capacidade para trabalhar, não o fazendo agora e não o fará no futuro. Não pode nem consegue.

    18. Assim, perdeu toda a sua capacidade de ganho.

    19. Não se está perante uma redução da capacidade de trabalho e, consequentemente, de ganho, não se está perante o exercício da sua actividade profissional habitual ainda que com esforços acrescidos, está-se, isso sim, perante uma incapacidade total e absoluta para a profissão habitual e, como tal, perante uma perda absoluta da sua capacidade de ganho.

    20. Assim, a incapacidade de que o recorrente padece é absoluta para toda e qualquer profissão.

    21. Tendo em conta o depoimento “coerente”, “seguro” e “espontâneo” da prova testemunhal, devem os factos dados como não provados: “- que perdeu a “sensibilidade fina”, e não consegue desenvolver e/ou realizar tarefas que exijam especial sensibilidade, destreza, perícia, como coser, fazer as costuras de um banco de automóvel; - que tem enganos repetidos, destruindo sucessivas vezes o trabalho para voltar a realizá-lo, - que está totalmente incapaz para o exercício da actividade de estofador;” ser dados como provados, e em consequência, ser o facto 2.28 dado como provado pelo Tribunal a quo, ser dado como não provado.

  2. DOS QUANTUNS INDEMNIZATÓRIOS: QUANTO À PERDA DE CAPACIDADE DE GANHO: 22. Tendo em conta a incapacidade absoluta do A. para trabalhar e se tivermos em conta que o limite de idade activa está fixada nos 70 anos idade, que a longevidade, de acordo com os últimos estudos do INE, se cifra nos 80 anos de idade, que o comum dos portugueses trabalha para além da idade da reforma, que, tal como é realçado nos Acórdãos do STJ de 16/03/99, in CJ, Ano VII, Tomo I, maxime a fls. 169, bem como de 15/02/1998, Ano VI, Tomo III, pág. 155 a 159), não é razoável ficcionar que finda a vida activa do lesado a vida física desaparece com ela todas as necessidades, pelo que sem embargo de se aceitar que aos 65 anos termine a vida laboral activa, deverá considerar-se que hoje corresponde à esperança de vida dos portugueses do sexo masculino (superior a 70 anos), que, se é certo que, em teoria, se poderá dizer que o rendimento do trabalho cessará com o termo da vida activa, com o que a partir daí as pessoas passarão a viver da reforma e de eventuais economias que tenham feito ao longo da vida, não é menos certo que o esforço acrescido no decurso da vida activa despendido pelo lesado não poderá deixar de ser tido em conta para depois do período da vida activa, pois que de certa forma, quer a reforma, quer o aforro, não deixarão de ser produto do trabalho.

    23. Tem-se entendido que a capacidade de trabalho tem um valor monetário, assim, quem vê diminuída a sua capacidade de trabalho por facto imputável a alguém, ou mesmo visto a mesma extinguir-se, tem direito a ser indemnizado pela perda...

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