Acórdão nº 372/19.3T8VVD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelAFONSO CABRAL DE ANDRADE
Data da Resolução12 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório R. M.

, solteiro, mecânico, residente na Rua …, Vila Verde, instaurou a presente acção declarativa contra X – Companhia de Seguros de Ramos Reais, SA, pessoa colectiva n.º …, com sede no Edifício …, Rua ….

, em Lisboa, pedindo a condenação da ré ao pagamento da quantia de €12.000,00 (doze mil euros), correspondente ao valor da reparação do veículo automóvel da marca BMW, matrícula BX, quantia acrescida dos juros de mora vencidos desde a citação e dos vincendos até integral e efectivo pagamento, e acrescida da quantia de € 4.000,00 (quatro mil euros), para compensação pelo dano de privação do uso do veículo desde o dia 1 de Fevereiro de 2018 até à presente data, acrescida dos juros de mora vencidos desde a citação e dos vincendos até integral e efectivo pagamento.

Para sustento da sua pretensão, alega, em síntese, que celebrou com a ré um contrato de seguro, do ramo automóvel, tendo por objecto o veículo supra identificado, incluindo danos próprios, com cobertura de furto/roubo, ao qual foi atribuído a apólice n.º 01622583. No dia 6 de Janeiro de 2018 constatou que o veículo fora furtado e, embora mais tarde, tenha sido encontrado, faltavam-lhe várias peças e componentes. Realizada a peritagem, em 22 de Janeiro seguinte a companhia de seguros entendeu tratar-se de uma perda total, uma vez que o valor calculado para reparação, adicionado ao valor do salvado era superior em 120% ao valor venal do veículo.

Em 28 de Janeiro, informou a ré que não aceitava a perda total do veículo, pretendendo a sua reparação, mediante um orçamento apresentado de € 9.589,39 (nove mil, quinhentos e oitenta e nove euros, trinta cêntimos). Porém, a ré propôs a liquidação do montante de € 3.597,00 (três mil, quinhentos e noventa e sete euros), correspondente ao capital seguro deduzido o valor do salvado, o que não pode aceitar porquanto não lhe permite adquirir outro veículo com as mesmas características do seu. Conclui, nesta parte, que a regra contida na alínea c) do art. 41º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, visa somente estabelecer meros parâmetros para a elaboração de uma "proposta razoável" por parte das seguradoras, e não afasta o princípio geral da reconstituição em espécie previsto nos artigos 562.º e 566.º do Código Civil. Como tal, quando o montante estimado para reparação do veículo não é absolutamente desproporcional quando confrontado com o seu valor venal, deve a reparação ser realizada se tal for a vontade do lesado ou deve ser-lhe entregue o montante correspondente para suprimir o dano.

Acrescenta que dispôs de veículo de substituição apenas pelo período de trinta dias, e nessa medida, esteve, desde 30 de Janeiro de 2018 até ao presente, impedido de exercer os seus direitos de propriedade sobre o veículo, vendo-se obrigado a recorrer a outros automóveis cedidos por amigos e familiares para ir trabalhar pois onde reside não passam transportes públicos e deslocar-se de táxi é demasiado dispendioso.

Recorrendo a critérios de equidade, estima que seja de € 10,00 (dez euros) / dia a indemnização devida pela paralisação do veículo, o que perfaz um total de € 4000,00 (quatro mil euros) (400 x €10,00), a que acresce de juros de mora vincendos contados da citação até efectivo e integral cumprimento.

Pese embora as sucessivas interpelações para o efeito, a ré não procedeu à liquidação da quantia em falta, pelo que, nos termos peticionados, pretende a liquidação do montante indemnizatório peticionado.

Citada, a ré apresentou contestação, em síntese, confirmando a celebração do contrato de seguro em causa com a cobertura de furto ou roubo, com o capital seguro, na data do sinistro, de € 11.

395,00 (onze mil, trezentos e noventa e cinco euros). Confirmou, ainda, que, após peritagem, se concluiu pela perda total do veículo, uma vez que o valor da reparação ascendia a € 36.153,07 e o valor do capital seguro, na data do sinistro em apreço, era de € 11.395,00, pelo que, aceitou indemnizar o autor, de acordo com as Condições Contratuais da Apólice, previstas na clausula 38º, alínea c), entregando-lhe a diferença entre o valor do capital seguro e o valor do salvado, calculado em € 7.798,00 (sete mil, setecentos e noventa e oito euros).

Salienta que, nos termos contratualmente previstos, o autor tinha direito ao veículo de substituição desde a data do sinistro até à data em que lhe foi comunicada a situação de perda total e colocado à disposição o montante indemnizatório de € 3.597,00, o que ocorreu, através de carta, datada de 22/01/2018, cessando, nesta data, a obrigação de garantir ao Autor um veículo de substituição.

Sabendo as partes que o contrato de seguro de danos celebrado em 30/12/2014, é regulado pelas estipulações da respectiva apólice, que não sejam proibidas pela lei e, subsidiariamente, pelas disposições do RJCS e, subsidiariamente, pelas disposições da lei comercial e da lei civil (artigo 4.º do RJCS), sabem, do mesmo modo, que a prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro (cfr.

artigo 138.º) e sabem que, por outro lado, nos termos da alínea s), da Cláusula 41ª das Condições Gerais da Apólice, na cobertura facultativa de danos próprios, fica excluído a privação do uso da viatura.

Conclui, face ao exposto, que deve improceder a pretensão do autor.

Foi dispensada a realização de audiência prévia.

Identificou-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.

Realizou-se a audiência de julgamento.

Foi então proferida sentença que culminou com a seguinte decisão: “Nestes termos, e nos melhores de Direito, demonstrado que ficou que a ré, X – Companhia de Seguros de Ramos Reais, SA, está obrigada a entregar ao autor, R. M., a quantia indemnizatória proposta de € 3.597,00 (três mil, quinhentos e noventa e sete euros), julga-se a presente acção improcedente, por não provada, e em consequência, absolve-se a ré dos pedidos formulados pelo autor nos autos.

Inconformado com esta decisão, o autor dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (cfr. artigo 644º,1,a, 645º,1,a, e 647º,1, todos do CPC).

Terminou as suas alegações com as seguintes conclusões: I.

Interpõe-se recurso da decisão proferida pelo Tribunal a quo que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo a Ré do pedido.

II.

Em abono da verdade, se calcorreada e escrutinada a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, a conclusão a alcançar só poderia ser aquela que conduzisse inevitavelmente à procedência total do pedido formulado pelo Recorrente, condenando-se a Ré a liquidar-lhe o montante global de €12.000,00 (doze mil euros).

III.

Por assim ser, nada mais resta ao Autor/Recorrente do que interpor recurso, requerendo-se a reapreciação da prova gravada, e impugnando-se a matéria de facto.

IV.

O tribunal a quo fundamentou a sua decisão com base no art. 38º e 41º do DL nº 291/2007 “o valor da reparação é de € 36.153,07, o qual somado ao valor salvado, de € 7.798,00, é muito superior a 120% do valor do veículo, (36.153,07 +7.798,00= €43.951,07) conforme prevê a al. C do nº 1 do art. 41º do DL nº 291/2007, e é superior à diferença entre o valor venal do veículo e o valor do salvado, (11.395,00-7.798,00= 3.597,00) conforme se estipulou na cláusula 38º. “; “Por esta via, está a ré obrigada a entregar a dita quantia, correspondente ao dano deduzido o valor do salvado, fixado em €7.798,00, o que perfaz a quantia de €3.597,00”.

V.

E baseou a sua fundamentação apenas na aplicação do DL nº 291/2007, bem sabendo que, tal como vem sendo defendido maioritariamente na jurisprudência, os critérios enunciados no art. 41.º do Dec. Lei n.º 291/2007 – dado o mesmo não se aplicar à fase judicial, mas sim na fase extrajudicial no domínio da apresentação aos lesados de uma proposta de regularização do sinistro por parte das seguradoras ou do Fundo de garantia Automóvel, visando a resolução simplificada, rápida e amigável dos litígios entre as seguradoras, os seus segurados e terceiros – não derrogam as normas gerais indemnizatórias previstas nos arts 562.º a 566.º do CC, entre as quais avultam, de um lado, o princípio da reparação in natura e, de outro, o princípio da reparação integral do dano.

VI.

Ora para efeito daquele cálculo utilizou como valor venal do veículo, o valor seguro e não o valor de mercado que é bem superior como ficou demonstrado pelas declarações de parte do Autor e bem assim das testemunhas F. C. e D. C., verificamos que tal facto deveria, efectivamente, ser dado como provado em virtude dos esclarecimentos prestados de forma isenta e credível por aqueles. Declarações do Autor R. M. Depoimento prestado que consta do arquivo (ficheiro 20200624152115_5684093_2870597wma), com início em 24-06-2020 pelas 15:21:09, e termo em 24-06-2020 15:42:26. Depoimento com a duração total de 00:21:16.; Depoimento da testemunha D. C. Depoimento prestado que consta do arquivo (ficheiro 20200624154316_5684093_2870597.wma), com inicio a 24-06-2020 pelas 15:43:11 e termo em 24-06-2020, pelas 15:51:01. Depoimento com a duração total de 00:07:50. Depoimento da testemunha F. C. Depoimento prestado que consta do arquivo (ficheiro 20200624155158_5684093_2870597.wma), com inicio a 24-06-2020 pelas 15:51:54 e termo em 24-06-2020, pelas 16:12:30. Depoimento com a duração total de 00:20:37.

VII.

Aplicando o critério legal enunciado (primado da reparação in natura) a uma situação de indemnização por acidente de viação, o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 4 de Dezembro de 2007 (Processo n.º 06B4219, in www.dgsi.pt), cujo sumário se transcreve, decidiu que à seguradora cumpre a prova da excessiva onerosidade, susceptível de afastar o princípio em causa, e que a mesma tem em conta dois factores: o preço da reparação e o valor, não o venal, mas o patrimonial: “1 - Em matéria da obrigação de indemnização por danos o princípio, a regra...

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