Acórdão nº 2892/20.8T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Data da Resolução12 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório X – A. S. & FILHOS, S.A.

, com sede na Rua …, Vila Nova de Famalicão, intentou o procedimento cautelar comum contra BANCO ..., S.A.

, com sede na Praça …, Porto, e Y CONSTRUTORES, S.A.

, com sede na Rua …, Guimarães, pedindo, sem audição das requeridas, que se:

  1. Ordene à 1ª requerida que, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na acção principal de que este procedimento cautelar é dependente, não pague à 2ª requerida nenhuma quantia e por conta da seguinte garantia bancária n.º ..........64, emitido pela 1ª requerida no montante de € 7.802,89; b) Ordene à 2ª requerida que se abstenha de qualquer accionamento ou pedido de pagamento de quaisquer quantias junto do 1º requerido relativas à sobredita garantia bancária; c) Ordene à 1ª requerida não exigir ou não efectuar o reembolso à requerente.

Alegou, para tanto, ter celebrado com a 2ª requerida um contrato sub-empreitada, que a 1ª requerida, a seu pedido, prestou à 2ª requerida a garantia bancária nº ..........64 que ascendia ao valor de € 7.802,89 destinada a garantir o cumprimento integral e atempado de todas as obrigações pecuniárias que para o ordenante (a requerente) emergem.

Mais alegou que executou todos os trabalhos de reparação indispensáveis para assegurar a perfeição e o uso normal da obra nas condições previstas e executou todos os trabalhos de reparação da sua responsabilidade, quando devidamente comunicados, tendo cumprido as suas obrigações no aludido contrato. A 2ª requerida enviou à requerente uma carta datada de 02/06/2020 solicitando o pagamento de uma factura no prazo máximo de 10 dias, sob pena de não o fazendo ser forçada a executar a garantia bancária que cauciona o contrato em apreço. Este accionamento é abusivo, fraudulento e efectuado de má-fé porquanto a requerente não se responsabilizou pelos trabalhos que não realizou, nem a 2ª requerida demonstrou qualquer desconformidade contratual que justifique o accionamento da garantia. Este accionamento causará um prejuízo sério à requerente que terá que reembolsar o banco se a garantia bancária for executada.

*Foi indeferida a pretensão de ver a providência decretada sem audição prévia das requeridas.

*A 2ª requerida deduziu oposição dizendo não existir prova clara, líquida e inequívoca da fraude ou evidente abuso no accionamento da garantia bancária que, de resto, a requerida tem motivos para accionar.

Termina pugnando pelo indeferimento da providência.

*Procedeu-se a audiência, após a qual foi proferida sentença, cuja parte decisória, na parte que interessa, reproduzimos: “Por tudo o exposto, o Tribunal decide julgar improcedente o presente procedimento cautelar e, em consequência indefiro a providência cautelar requerida pela “X – A. S. & FILHOS, S.A.”.” contra “BANCO ..., S.A.” e “Y CONSTRUTORES, S.A.

”.

*Não se conformando com esta sentença veio a Requerente dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “I. No relatório da sentença proferida pelo Tribunal a quo decidiu-se o que se transcreve “(…) Indeferida que foi a pretensão da requerente de ver a providência cautelar decretada sem audição prévia das requeridas, foram estas devidamente citadas. (…)” II. Tendo a Recorrente requerido a medida cautelar, sem audiência das partes contrárias, a citação apenas deveria ser ordenada após trânsito em julgado do despacho de indeferimento, que, para além de ser fundamentado, careceu de notificação à Recorrente, sendo passível de recurso nos termos gerais.

  1. Dúvida não subsiste que se está em face de matéria passível de nulidade, por configurar uma nulidade por omissão de ato.

  2. O articulado de oposição à providência cautelar não foi, porém, notificado “entre mandatários”, nem oficiosamente pela Secretaria (art. 221.º, n.º 1 e 157., n.º 6 º, CPC), à Recorrente.

  3. Não foi concedida oportunidade à Recorrente para, de forma efetiva, exercer o contraditório (art. 3.º, n.º 3 do CPC) quanto aos novos factos e meios de prova juntos com tal articulado.

  4. O que deu dado azo à prevalência apenas da tese unilateral e da 2.ª Requerida e inquinado a decisão nela baseada.

  5. A falta de notificação envolve, ipso facto, um atentado ao direito de defesa a que todo a Requerente tem absoluto e insofismável direito.

  6. Ao não ordenar a notificação, aquando da notificação da data para audiência de julgamento, à Recorrente, dos articulados de oposição e, bem assim dos documentos que a acompanhavam, impediu o Mmº. Juiz de a Recorrente, na prática, exercer o direito ao contraditório que sempre haveria de lhe ser concedido, violando em simultâneo não só as disposições legais como ainda os princípios da cooperação, da igualdade das partes e até o dever de recíproca cooperação (art. 4.º, 6.º, 7.º, n.º 1 e 4 do CPC).

  7. Os poderes de gestão do processo e de direção da audiência (art. 6.º, 150.º e 602.º do CPC), não excluem os de cooperação salutar e de auxílio sério à parte na remoção de obstáculos que se lhe deparem (como no caso) condicionantes do exercício dos seus direitos indeclináveis, sempre em vista da justa composição do litígio ou da justa decisão da causa (art. 7º, nºs 1 e 4, 9.º e 602.º, n.º 1).

  8. O princípio do contraditório, visto como direito de influenciar a decisão, é uma garantia de participação efetiva das partes no desenrolar de todo o litígio, mediante a possibilidade de as mesmas influenciarem em todos as dimensões - factos, provas e direito – a decisão, garantindo-se a ambas condições de igualdade.

  9. O objetivo principal do princípio do contraditório passou a ser a influência positiva, construtiva e ativa na decisão, ou seja, passou a ser visto como o direito de intervir - com argumentos quer factuais, incluindo provas dos factos, quer os jurídicos - para provocar uma decisão favorável.

  10. O princípio do contraditório passou a ter um sentido amplo que abarca quer o direito ao conhecimento e pronuncia sobre todos os elementos suscetíveis de influenciar a decisão carreados para o processo pela parte contrária (contraditório clássico ou horizontal) quer o direito de ambas as partes intervirem para influenciarem a decisão da causa, assim se evitando decisões surpresa (contraditório vertical).

  11. Na jurisprudência constitucional nenhuma prova deve ser aceite na audiência sem que o tribunal assegure uma ampla e efetiva possibilidade do sujeito a quem ela for oposta de se lhe contrapor, isto é, de responder, discutir, contestar e sustentar a valorização que entender merecida.

  12. A oposição ao procedimento cautelar é uma nova fase processual que implica a notificação da Requerente para, primeiro, deles se inteirar com conhecimento pleno, e, depois, em igualdade e não obstante aquilo que inicialmente tenha alegado e as provas que tenha produzido, discutir e contraprovar (pelo menos ao longo da audiência final), a nova factualidade com vista a (pelo menos) pô-la em dúvida ou a afastá-la e a sustentar a preservação ou mesmo a consolidação da já antes sumariamente julgada provada em contrário e a favor da providência requerida.

  13. Nenhuma decisão deve, pois, ser tomada sem que previamente tenha sido dada efetiva possibilidade de influir ativamente na construção da decisão (Cfr. Acórdão do STJ de 04/05/99, processo n.º 99057, www.dgsi.pt.) XVI.Tudo isto, terá confluído essencialmente na violação do contraditório, influenciado o exame e decisão da causa, e, assim, gerado a consequente nulidade processual, bem como da sentença, esta, designadamente, nos termos da alínea d), do nº 1, do artº 615.º do CPC.

  14. Só com a notificação da sentença é que a Recorrente teve conhecimento do indeferimento da pretensão de não audição das Requeridas.

  15. A sanção do esquecimento do ato de tamanha valia é a nulidade.

  16. Esta nulidade tem de ser suscitada pela via recursória e colocada diretamente a este Tribunal da Relação.

  17. Neste entendimento, o Prof. Alberto dos Reis (in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1984, reimpr., pg. 424) ensinava que “A reclamação por nulidade tem cabimento quando as partes ou os funcionários judiciais praticam ou omitem atos que a lei não admite ou prescreve; mas se a nulidade é consequência de decisão do tribunal, se é o tribunal que profere despacho ou acórdão com infração de disposição de lei, a parte prejudicada não deve reagir mediante reclamação por nulidade, mas mediante interposição de recurso. É que, na hipótese, a nulidade está coberta por uma decisão judicial e o que importa é impugnar a decisão contrária à lei; ora as decisões impugnam-se por meio de recursos (…) e não por meio de arguição de nulidade de processo”.

  18. Também o Prof. Manuel de Andrade (in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pg. 183) entendia que “se a nulidade está coberta por uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou, expressa ou implicitamente, a prática de qualquer acto que a lei impõe, o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a interpor e a tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. Trata-se em suma da consagração do brocardo: «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se».” XXII. Igual entendimento perfilham os Profs. Antunes Varela (in Manual de Processo Civil, 1985, pg. 393) e Anselmo de Castro (in Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, 1982, pg. 134). O primeiro, refere que “se entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão”. O segundo, diz que “tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT