Acórdão nº 119/20.1PBCHV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA TERESA COIMBRA
Data da Resolução09 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I.

No processo especial sumário que, com o nº 119/20.1PBCHV, corre termos no Juízo Local Criminal de Chaves foi decidido (transcrição): a) Condenar o arguido C. J. pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º, nº 1, al. a) e do Código Penal e art. 3º, nº 1, al, b) e 2, do Decreto-Lei nº 2-A/2020, de 20 de Março, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 15,00 (quinze euros), perfazendo o montante global de € 1800,00 (mil e oitocentos euros); b) Condenar, ainda, o arguido nas custas do processo, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça, (artigos 513.º do CPP e 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa ao mesmo), e nos demais encargos do processo nos termos do artigo 514.º do CPP.

*Inconformado com a condenação recorreu o arguido para este tribunal da Relação apresentando no final da motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1.ºVem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos, por se entender que se impõe a modificação da decisão “a quo”, considerando-se que não resultou provada a prática, pelo Arguido, do crime de desobediência, p.p. no artigo 348.º, n.º 1, al. a), do C.P. e art.º 3.º, n.º 1, al. b) e 2, do D.L. n.º 2-A/2020, de 20.03, (entretanto revogado pelo D.L. nº.2-B/2020 de 02.04, por sua vez revogado pelo D.L.nº.2-C/2020 de 17.04) pelo qual foi condenado.

  1. I – Normas Jurídico-Penais que o Recorrente considera incorrectamente aplicadas: Artigo 348.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, em conjugação com o art.º 3.º, n.º 1, al. b) e 2, do DL nº 2-A/2020, de 20-03, (entretanto revogado pelo D.L. nº.2-B/2020 de 02.04, por sua vez revogado pelo D.L.nº.2-C/2020 de 17 de abril ), Despacho de 19.03.2020 da Exma. Delegada Saúde Regional Adjunta do Norte, artigo 1.º, art.º2 nº.2 e art.º 14.º, ambos do C.P., 120.º, n.º 2, al. d), 127.º 168.º, 169.º, 340.º 374.º, 410.º, n.º 2, al. a), b) e c), do C.P.P., 19.º n.º 4 e 8, 27.º e 44.º da C.R.P.

  2. II – Pontos concretos da matéria de facto que o Recorrente considera incorrectamente julgados: Ponto 3, 4, 8, 9, 10 e 12.

  3. III – As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida: Os documentos, depoimento e factos públicos e notórios que infra se discriminam. Porto - Avenida …. – Tel.: … 5.ºA sentença “a quo” enferma dos vícios previstos no art.º 410 nº 2 al. a), b) e c) do CPPenal. Assim, considera o aqui Recorrente que face à prova produzida, os pontos da matéria de facto dada como provada, supra referidos, deveriam ter sido dados como não provados, sendo: 6.ºRelativamente à matéria dada como provada no ponto 3, considera o aqui arguido que da prova produzida não resulta demonstrada a regularidade da notificação de fls. 8, cujo alcance probatório o aqui Recorrente impugna. No Auto de fls. encontra-se anexada a dita notificação, alegadamente recepcionada via e-mail, pelo autuante, que sequer se encontra devidamente certificada por confronto com o respetivo documento original, mostrando-se mesmo ilegível a identificação do autuante, assim como se a tal acto de notificação assistiu alguma testemunha, conforme exigível ut artigo 168.º do C.P.

  4. Sendo certo que, tal documento poderia ter sido valorado ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova (art.º artigo 127º do CPP), embora não equiparável ao do documento original ou autenticado, sempre implicaria a necessária fundamentação nesse sentido, nos termos previstos no artigo 374.º, n.º 2, do C.P.P., sem o que, ocorrenulidade que aqui expressamente se invoca.

  5. Ora, o Tribunal recorrido interpretou aquela notificação como fazendo «fé em juízo», refletindo-se na apreciação probatória como «erro notório na apreciação da prova», com vício de facto previsto no art. 410º, n. 2, al. c) do CPP.

  6. Pelo exposto, o Tribunal “a quo” deveria ter dado como não provado o ponto 3.º dos factos provados, uma vez que não constam dos Autos elementos probatórios suficientes que permitam concluir pelo cumprimento regular da notificação para cumprimento de isolamento profilático. Pandemia e pandemónio não se confundem e o princípio da legalidade não hibernou.

  7. Relativamente ao ponto 4 reiterando o supra exposto, a simples junção aos autos do documento supra referido não se afigura suficiente para assegurar o cumprimento da notificação e advertência legalmente prevista, o que apenas se lograria através da inquirição da testemunha Autuante, que alegadamente notificou e advertiu o aqui Recorrente da obrigatoriedade de isolamento profilático, a fim de se perceber o alcance da notificação efectuada e o que foi transmitido por este ao aqui Recorrente, isto é, do alcance e âmbito da ordem dada. Neste sentido o Ac. TRP de 11-09-2013, 597/11.0EAPRT-A.P1, Relator: Alves Duarte, in www.dgsi.pt.

  8. Nos Autos quanto a tal matéria constam, exclusivamente, as declarações do Arguido, prestadas em sede de audiência de julgamento.

    Assim e no que se refere às declarações do arguido, aos minutos 05:25 “Arguido: Recebemos e se calhar também foi um bocado falta de comunicação, porque a GNR disse que a gente poderia sair para ir às compras.” 12.ºOra aquilo que resulta das declarações do Arguido quanto ao teor daquilo que lhe foi transmitido pelo Sr. Agente autuante, foi que “poderiam ir às compras”. Tal versão não se mostra contraditada por quem seja, nem tão pouco a contradita do Tribunal “a quo”, expressa durante a audiência de julgamento assume qualquer relevância ou valor jurídico.

  9. O Conceito de isolamento profilático, s.m.o. não passa de um simples conceito, que cumpre concretizar, designadamente especificando em que é que consiste, se são permitidas saídas para aquisição de bens alimentares, deslocações a farmácias, etc, o que não encontra apreciação na sentença “a quo”.

  10. Ora na fundamentação da matéria de facto, o Tribunal “a quo” referencia que “Não cuidaram de saber junto das autoridades, mesmo policial, onde poderiam adquirir bens”.

    Tal não corresponde à verdade, como decorre das declarações do arguido, aos minutos 04:00 “Sra. Procuradora: Os senhores tentaram junto da.. das pessoas que moram perto da casa onde vocês arrendaram saber onde é que podiam comprar alimentos? Arguido: A gente falou com a GNR quando eles tiveram la.. Sra. Procuradora: Não, eu estou a perguntar que ali moram. Arguido: Às pessoas não, porque as pessoas.. também não há por ali muitos vizinhos. E a gente não conta..” Também aos minutos 05:30 “Sra. Procuradora: Por isso não tiveram o cuidado de saber ali por perto do sítio onde vocês estavam saber se havia algum local onde pudessem fazer compras? Arguido: A gente na altura perguntou à GNR eles disseram que não havia padeiro por perto e não havia.. nós tentamos nos informar.”, versão esta que não foi cotejada por qualquer meio de prova produzido, cuja inquirição o Tribunal “a quo” podia e devia ter promovido, mesmo com o sumário emprestada nos autos. Tal fundamentação afigura-se no mínimo obscura e contraditória, inquinando a sentença com contradição insanável entre os fundamentos, nos termos previstos no artigo 410.º, n.º 2, al. a) do C.P.P.

  11. Pelo exposto considera o aqui Recorrente que o constante do ponto 4, dos factos provados, também deveria ser dado como não provado.

  12. O mesmo se diga dos pontos 8, 9, e 10, atenta a interdependência e complementaridade entre os mesmos.

    Declarou o arguido, aos minutos 05:25 “Recebemos e se calhar também foi um bocado falta de comunicação, porque a GNR disse que a gente poderia sair para ir às compras.” Mais declarou aos minutos 01:57 “Arguido: Senhor doutor juiz a gente apenas se deslocou para vir às compras, já estava a faltar pão e carne e foi o que a gente fez. A gente também não pode morrer à fome. M. Juiz: Pois não. Mas os senhores não tinham outro sítio para ir às compras? Arguido: A gente não conhece, somos de ..., alugamos ali a casa, a gente não conhece, metemo-nos no carro, viramos à esquerda e fomos andando até encontrar uma coisa aberta.” 17.ºDa prova produzida, s.d.r, não resultou demonstrado que o aqui Recorrente tenha ficado ciente dos deveres e obrigações que sobre si recaiam, designadamente que não pudesse sair da habitação para a aquisição de bens essenciais ou mesmo acompanhar, sem sair da viatura, uma vez que se encontrava a muitos quilómetros da sua residência, isto sem prescindir do invocado vicio de não demonstração da notificação e advertência de que se não cumprisse a ordem incorria na prática do crime de desobediência.” .

  13. No que diz respeito ao elemento subjectivo do tipo, este crime é um crime doloso, o mesmo é dizer que, para a sua verificação se exige o dolo, em qualquer das suas modalidades enunciadas no art.º 14.º, do Código Penal (directo, necessário ou eventual).

    Ora, in casu, considera o aqui Recorrente que o elemento subjetivo do tipo não foi demonstrado, isto é, os factos dados como provados nos pontos 8, 9 e 10 deveriam ter sido dados como não provados.

  14. O mesmo se diga do facto constante do ponto 12 dos factos provados, que não se encontra fundamento válido para fazer parte dos factos provados, ainda que estejamos perante um processo de natureza sumária. O Tribunal “a quo” fundou tal conclusão na mera declaração do Arguido, aos minutos 03:00 “M: Juiz: Quanto é que senhor ganha por mês? Arguido: Nós estamos a trabalhar lá e estamos a ganhar 1.500 euros por mês. M. Juiz: Mas já com os extras? Com o.. horas extras, com os outros valores ou isto é o ordenado base? Arguido: Isso é o ordenado, eles pagam o alojamento e.. pagam as viagens.”, no seguimento do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 21-12-2007, P. 101/12.2PATNV.E1, Relator: Ana Barata Brito, in www.dgsi.pt.

  15. Assim, o ponto 12 dos factos provados deveria ter sido dado como não provado.

  16. Cumpre ainda referir que o Tribunal “a quo” valorou o Auto de notícia por detenção, contudo e s.d.r. não o poderia fazer como fez, uma vez que o Autuante A. B. não foi ouvido em...

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