Acórdão nº 845/17.2T9BGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Julho de 2020

Data13 Julho 2020

Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO: ▪ No âmbito do Processo nº 845/17.2T9BGC, do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança – Juízo Local Criminal de Bragança, no dia 26.09.2019, pela Exma. Juiz de Instrução Criminal foi proferida a decisão instrutória que aqui se transcreve (referência 22140938): «DESPACHO LIMINAR Não se conformando com a acusação particular, que o Ministério Público acompanha, a arguida requereu a abertura da instrução, invocando sumariamente a atipicidade dos factos que lhe são imputados na referida acusação, bem como alegando outros.

Cumpre proferir despacho liminar, sendo certo que o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução (artigo 287º, n.º3 do Cód. Proc. Penal).

*O tribunal é competente.

O requerimento é tempestivo (artigo 113º do CPP).

A requerente tem legitimidade (artigo 287º, n.º 1, al. b), do CPP).

Importa, agora, apreciar a admissibilidade legal da instrução.

* O RAI pode ser rejeitado “Inadmissibilidade legal da instrução”, conceito este que o legislador não define.

No fundamento de rejeição “inadmissibilidade legal da instrução” (parte final do n.º 3 do artigo 287.º do CPP) cabem as seguintes situações: - Quando se trate de processo especiais (art. 286.º, n.º3, do CPP); - Incumprimento do disposto no artigo 287º, nº 2, do CPP.

Seguimos o entendimento de que, apesar de a lei indicar alguns casos em que se verifica formalmente essa situação, não significa que tal conceito (“inadmissibilidade legal da instrução”) deva ser interpretado de forma restrita ou que tenha de ser restringido a uma visão formal.

Adoptamos antes uma interpretação do conceito de “inadmissibilidade legal da instrução” abrangente, que atente à filosofia subjacente a essa fase preliminar e, por isso, englobe igualmente os casos em que o alegado no requerimento de abertura de instrução não satisfaz as finalidades da instrução, como sucede, por exemplo, quando o RAI é inepto (seja apresentado pelo assistente, seja apresentado pelo arguido).

É o que sucede no caso em que o arguido, para além de não ter alegado factos e/ou razões que mostrassem que a acusação fora mal deduzida, esqueceu que a instrução não é um pré-julgamento.

In casu, a arguida não nega a prática dos factos que lhe são imputados, antes alega outros, que temporalmente se diz terem ocorrido antes do crime que lhe foi imputado, o que apenas confirma a acusação particular.

Ou seja, o requerimento de abertura de instrução resume-se a uma mera versão ou contraversão factual (contestação motivada), bem como à alegação de factualidade exógena ou exterior.

Em abstracto, tais factos são inócuos, não tendo idoneidade para abalar os pressupostos do crime que lhe é imputado.

Por meio deste requerimento não se consegue, nem se permite, demonstrar ou concluir, pelo desacerto da decisão de acusar. Quando muito pretende-se contestar os factos vertidos na acusação. Mas nunca poderá ser (ou ter aptidão para constituir) um requerimento idóneo à abertura da fase da instrução.

De facto, um requerimento com um conteúdo deste género é um requerimento que surge totalmente ao arrepio das finalidades legais da instrução, que está em contradição insuperável com as mesmas e, por isso, é imprestável para realizar a actividade típica e única da instrução.

Ora, não faz qualquer sentido admitir um requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido cujo conteúdo dê azo á prática de actos inúteis, designadamente, a um simulacro de julgamento, o que violaria desde logo os princípios da celeridade processual, da proibição da prática de actos inúteis e, por último, acentuar-se-á o princípio da auto responsabilização do sujeito processual arguido.

Relembramos as premonitórias palavras do Sr. Prof. Figueiredo Dias, e que aqui me permito transcrever: “Continuo todavia a prever o dia em que a instrução será eliminada como fase processual autónoma; (...). Uma tal eliminação será consequência, por uma parte, de o modelo preconizado pelo CPP para esta fase — como simples comprovação por um juiz de instrução da decisão do MP de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito — não ter podido ser até hoje cumprido pela praxis; antes ter sido frequentemente desvirtuado em direcção a um simulacro de julgamento, antecipado e provisório, inadmissível à luz dos princípios gerais e de um mínimo de eficiência, jurídica e socialmente exigível, do processo penal. Distorção que persistiu mesmo depois que a revisão de 1998 tentou, timidamente embora, atalhar a esta perversão. E sem que possa prever-se com fundamento, como também opinou Nuno Brandão, que as alterações agora introduzidas façam esperar que a situação se modifique.” (in DIAS, Jorge de Figueiredo, «Sobre a Revisão de 2007 do Código de Processo Penal Português», Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 18, N.°’. 2 e 3, Abril-Setembro 2008, Coimbra Editora, pág. 376).

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, ao abrigo do disposto no art. 287.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, quer porque a instrução é inadmissível, quer por o RAI padece de ineptidão para os fins da instrução - atentas as disposições conjugadas dos arts. 286.º, nº 1 e 287.º, n.ºs 2 e 3 ambos do CPP – o Tribunal decide rejeitar tal requerimento.

Sem custas.

Notifique.

Após trânsito, remeta os autos á distribuição.” ▬ ▪ Inconformada com tal decisão da Mma. Juiz de Instrução, dela veio a arguida E. R.

interpor o presente recurso, que contém motivação e culmina com as seguintes conclusões – transcrição - e petitório (ref. 1460207): 1. Pelo douto despacho proferido nestes autos em 26 de Setembro de 2019 foi decidido que, “(...) Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, ao abrigo do disposto no art. 287º, n.ºs 2 e 3, do CPP, quer porque a instrução é inadmissível, quer por o RAI padece (sic) de ineptidão para os fins da instrução – atentas as disposições conjugadas dos art.ºs 286º, n.º 1 e 287º, n.ºs 2 e 3 ambos do CPP – o Tribunal decide rejeitar tal requerimento. (...)”; 2. Surpreende, desde logo, que o douto despacho em crise, no seu dispositivo, misture de forma manifesta o que pertence à decisão propriamente dita com aquilo que mais propriamente corresponde aos seus fundamentos; 3. Depois, surpreende igualmente que ali se aluda a dois fundamentos supostamente distintos para a rejeição - “(...) quer porque a instrução é inadmissível, quer por o RAI padece (sic) de ineptidão para os fins da instrução (...)”, sublinhados nossos -, quando, umas escassas linhas atrás, o tribunal a quo considerara integrado no fundamento de rejeição identificado como “inadmissibilidade legal da instrução” a ineptidão do RAI; 4. Admitindo nós que o Tribunal a quo se equivocou, pois, para além de não conhecermos doutrina, jurisprudência ou norma legal que preveja a ineptidão como fundamento específico e concreto de rejeição de RAI, aquele...

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