Acórdão nº 53/17.2JABRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelTERESA COIMBRA
Data da Resolução13 de Julho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Juiz Desembargadora Relatora: Maria Teresa Coimbra.

Juiz Desembargadora Adjunta: Cândida Martinho.

Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

No processo comum com intervenção do tribunal coletivo que, com o nº 53/17.2JABRG, corre termos pelo juízo central criminal de Guimarães foi decidido: (transcrição) I. Condenar o arguido J. F., pela prática, em autoria material e em concurso efectivo e real, de: a) um crime de abuso sexual de crianças, de trato sucessivo, p. e p. pelos artigos 14.º, nº1, 26.º e 171.º, nºs 1 e 2, do Código Penal (na redacção introduzida pela Lei nº59/07, de 4.09), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; b) um crime de actos sexuais com adolescentes agravado, de trato sucessivo, p. e p. pelos artigos 14.º, nº1, 26.º, 173.º, nºs 1 e 2, e 177.º, nº1, al. a), do Código Penal (na redacção introduzida pela Lei nº103/15, de 24.08), na pena de 1 (um ) ano de prisão; e c) em cúmulo jurídico, ao abrigo dos artigos 30.º, nº1, e 77.º do Código Penal, na pena única de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão, cuja execução se suspende, nos termos conjugados dos artigos 50.º, nºs 1 a 5, 53.º, nºs 1 e 4, e 54.º, nºs 1 a 4, do Código Penal (na redacção introduzida pela Lei nº103/15, de 24.08), pelo período de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses, mediante regime de prova, contemplando o plano de reinserção social a frequência de um programa de reabilitação para agressores sexuais de crianças e jovens.

  1. Condenar o arguido a pagar à vítima A. R., a título de indemnização pelos danos por esta sofridos, a quantia de 5.000 € (cinco mil euros), acrescida dos respectivos juros de mora, calculados à taxa legal dos juros civis em vigor em cada momento, vencidos e vincendos desde a data desta decisão até integral pagamento.

  2. Custas: condena-se o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça devida em 4 UCs (cf. artigo 513.º, nºs 1 a 3, do CPP e artigo 8.º, nº9, do RCP, por referência à tabela III), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia, conforme decisão a fls. 313.

*Notifique, incluindo a vítima (cf. fls. 56-59 e artigo 11.º, nº6, al. c), do EV)” (...) Inconformado com a decisão recorreu o ministério público para este tribunal da relação concluindo o recurso do seguinte modo (transcrição): 1-A nossa discordância reporta-se: - à qualificação jurídico-penal efetuada efetuada pelo tribunal quanto aos crimes de natureza sexual, em trato sucessivo, por entendermos, salvo o devido respeito por opinião contrária, que foi efetuada errada qualificação jurídico-penal quanto aos factos praticados pelo arguido e dados como provados, pugnando-se pela prática de 11 crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artº171º, nºs 1 e 2 do Código Penal e de 15 crimes de atos sexuais com adolescentes agravado, p. e p. pelos artºs 177º, nº1, al.a) do Código Penal; - ainda que se considere correto o enquadramento jurídico-penal efetuado pelo tribunal, designadamente, pela prática de um crime de um crime de abuso sexual de crianças de trato sucessivo p. e p. pelo artº171º, nºs 1 e 2 do Código Penal e de um crime de atos sexuais com adolescentes agravado, de trato sucessivo, p. e p. pelos artºs 177º, nº1, al.a) do Código Penal na redação da Lei nº103/15 de 24/08, as penas parcelares aplicadas ao arguido pela prática de tais ilícitos e a pena única deverão ser agravadas por desproporcionais e manifestamente benevolentes face às exigências de prevenção geral e especial e, em consequência, as penas parcelares e pena única deverão ser agravadas.

- Ainda que se considere corretas as penas parcelares e a pena única aplicadas deverá a pena de 4 anos e 4 meses de prisão ser efetiva afastando-se a suspensão da sua execução.

2- Não colocamos em causa a matéria de facto dada como provada que corresponde à prova produzida em audiência de julgamento e que aqui se dá por reproduzida.

3- A nossa discordância prende-se, além do mais, com a qualificação jurídico-penal dos factos provados efetuada pelo tribunal ao considerar verificado o crime de trato sucessivo.

4- Muito embora tenha sido essa a posição da acusação e que atenta a prova produzida em audiência de julgamento foi a mesma matéria imputada aquela que veio a ser dada como provada, porque da integração dos factos no direito o tribunal é sempre soberano e porque na nossa perspetiva um distinto entendimento numa fase anterior ao julgamento não pode implicar que não possa ser defendida integração distinta daquela anteriormente realizada – uma vez que em entendimento contrário seria quanto a nós um entendimento que violaria princípios constitucionais e estatutários básicos com relação à atividade do Ministério Público na representação em julgamento- consideramos que o tribunal errou na qualificação jurídica daqueles factos.

5- Como bem decidiu o tribunal e conforme matéria de facto dada como provada e descrição efetuada na motivação, o arguido cometeu com a frequência de pelo menos uma vez por mês, no período compreendido de Setembro de 2013 a 23.08.2014, pelo menos por 11 vezes, o crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artº171º, nºs 1 e 2 do Código Penal, conforme factos dados como provados sob os nºs 1 a 12 e a partir da data em que a vitima completou 14 anos de idade, a 24.08.2014 e até final do ano de 2015, com a frequência pelo menos de uma vez por mês, o arguido cometeu pelo menos 15 vezes o crime de crime de atos sexuais com adolescentes agravado, p. e p. pelos artºs 177º, nº1, al.a) do Código Penal, conforme factos dados como provados sob os pontos 1, 7, 8, 12, 14.

6- O tribunal apesar de considerar e concretizar que o arguido cometeu pelo menos por 11 vezes o crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artº171º, nºs 1 e 2 do Código Penal e por 15 vezes o crime de crime de atos sexuais com adolescentes agravado, p. e p. pelos artºs 177º, nº1, al.a) do Código Penal, decidiu qualificar estes ilícitos como crimes de trato sucessivo.

7- Pela leitura da matéria de facto dada como provada e supra referida foi possível determinar a prática de vários crimes consumados, nos diversos dias e meses, pelo que, nos presentes autos cada ato constitui um crime, devendo, assim, ser afastado o trato sucessivo.

8- A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem perfilhado de forma unânime o entendimento que afasta a figura do crime exaurido de trato sucessivo, dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, como os dos presentes autos.

9- Como refere o Acórdão do STJ de 13.03.2019, Processo nº3910/16.0/9PRT.P1.S1, 3ª secção: “ O crime de trato sucessivo, englobando embora a realização plúrima do mesmo tipo de crime, ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico, executado de forma essencialmente homogénea, é unificado pela mesma resolução criminosa, bastando para a sua consumação a prática de qualquer das condutas constantes do tipo legal de crime. Mas, se o legislador afastou a continuação criminosa dos crimes que protegem bens eminentemente pessoais (nº3 do artº30º do CP redação de 2010), ainda que esteja em causa, também, bens eminentemente pessoais redundaria numa ficção traduzida num resultado que o legislador, como bem se frisa nos acs. Deste STJ de 14.1.2016, rel. Manuel A. Matos e de 6.4.2016, rel. Santos cabral, atrás sumariados.” 10- Pelo que, deverá ser afastada a figura do trato sucessivo e, em consequência, deverá ser revogado o Acórdão em apreço e condenado o arguido pela prática de 11 crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artº171º, nºs 1 e 2 do Código Penal e pela prática de 15 crimes de atos sexuais com adolescentes agravado, p. e p. pelos artºs 177º, nº1, al.a) do Código Penal.

11- Para determinação da medida da pena tem o Tribunal, como preceitua o artigo 71º, nº 1 e 2, do Código Penal, de atender à culpa do agente e necessidade de prevenção, devendo designadamente atender ao grau de ilicitude dos factos, modo de execução, suas consequências, intensidade do dolo, finalidade e motivos que determinaram a conduta, condições pessoais e situação económica.

12- O arguido começou a abusar da vitima quanto esta tinha 13 anos de idade e apenas cessou os abusos decorridos mais de 2 anos.

13- Em termos de prevenção geral as exigências de prevenção são muito acentuadas, dada a facilidade e quantidade de situações que diariamente aparecem nos tribunais e são noticiadas pela comunicação social, provocando na comunidade sentimento de repulsa e revolta facilmente compreensíveis e que impõem uma resposta eficaz por parte da ordem jurídica; atenta a grande perturbação social suscitada pelo tipo de condutas em causa que envolvem a agressão a bens fundamentais da personalidade de menores e que além do mais abalam em grande medida os sentimentos de coesão social já que estão em causa agressões que ocorrem no seio da família que é o primeiro núcleo de desenvolvimento e socialização da pessoa e que se pretende que funcione como ultimo refugio de carinho e proteção.

14- São muito elevadas, como já referimos, as necessidades de prevenção geral havendo que conceder proteção àqueles que dela mais precisam e necessitam, ou seja, as crianças.

15- As exigências de prevenção especial são também muito elevadas importando ressaltar a ausência de antecedentes criminais e de confissão e arrependimento uma vez que o arguido optou pela faculdade de não prestar declarações.

16- Assim, não existe no caso concreto qualquer fundamento para atenuação da culpa, verificando-se precisamente o contrário, ou seja, uma reiteração criminosa, um aproveitamento do arguido, o que torna a sua conduta ainda mais censurável em termos de reprovação ético-jurídica.

17- A favor do arguido apenas milita a circunstância do mesmo não ter antecedentes criminais, mas sem grande relevância, uma vez que tal mais não traduz do que a conduta exigível a qualquer cidadão.

18- Atentas as circunstâncias supra referidas para a determinação da pena e atenta a pena abstratamente aplicável a cada um dos crimes de...

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