Acórdão nº 250/15.5DBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelTERESA COIMBRA
Data da Resolução13 de Julho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do tribunal da relação de Guimarães.

No processo 250/15.5IDBRG foi proferida sentença que, suprindo o vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão de que enfermava anterior sentença veio, após novo julgamento a condenar: (…) - O arguido J. F. pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal p.p. artigo 105º, nºs 1, 4 e 7 do RGIT aprovado pela Lei 15/2001 de 5.6 na pena de 150 dias de multa à taxa diária de 6€ e ainda no pagamento de 3,5Ucs de taxa de justiça e demais custas do processo.

Inconformado o arguido interpôs recurso, concluindo a sua motivação do seguinte modo (transcrição): 1.ª – Com todo o respeito (que é muito), o Arguido não pode aceitar a decisão de que ora recorre.

  1. – O Tribunal a quo não podia ter dado como provado o vertido no ponto 7, nomeadamente nos subpontos 7.1, 7.2 e 7.3., desde logo, porque tal matéria factual não consta da acusação.

  2. – Verificando-se que, na sentença de que ora se recorre, o Tribunal a quo condenou o ora Recorrente por factos diversos dos descritos na acusação, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º.

  3. – O que inquina a sentença de que ora se recorre de nulidade, conforme determina a alínea b), do n.º 1, do artigo 379.º do CPP. Nulidade da sentença que expressamente se argui.

  4. – Conforme foi reconhecido, pelo Tribunal da Relação de Guimarães, por Acórdão proferido nos presentes autos, na acusação não constavam factos que preenchessem todos os elementos constitutivos do tipo legal de crime de abuso de confiança fiscal de que o Arguido vinha acusado.

  5. – É Jurisprudência pacífica que só se verifica a prática de um crime de abuso de confiança fiscal – no que se refere ao IVA – quando (entre outros pressupostos) o Arguido tenha recebido o IVA antes do termo do prazo legal da respetiva entrega à administração tributária.

  6. – E, com todo o respeito, não se diga que elemento constitutivo do tipo legal de abuso de confiança fiscal previsto no n.º 2, do artigo 105.º do RGIT é o apenas “recebimento” do valor a entregar ao Estado. Pois, se assim fosse, qualquer recebimento bastava para preencher o tipo legal em questão.

  7. – Na acusação in casu, falta a alegação dessa parte imprescindível do elemento do tipo legal, ou seja da anterioridade do recebimento relativamente ao termo legal do referido prazo.

  8. – Aliás, é importante ter em atenção que, perante uma acusação que continha factualidade que, ainda que totalmente dada como provada, não permitia que o Arguido fosse condenado – como aliás veio a acontecer – o Arguido prestou declarações.

  9. – Contudo, depois de o Arguido ter prestado declarações – opção tomada perante aquela acusação manifestamente enferma – o Tribunal a quo veio alterar o conteúdo da acusação, aditando-lhe factos, para que o Arguido possa ser condenado.

  10. – Ora, com todo o respeito, tal não pode ser admitido em qualquer Estado de Direito Democrático em que se respeite o princípio do acusatório, da vinculação temática e se pretenda garantir aos cidadãos o acesso a um processo justo e equitativo.

  11. – Tal atuação viola não só o direito do Arguido a um processo justo e equitativo (conforme previsto no n.º 1, do artigo 6.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem), como inclusive as suas garantias de defesa previstas nos n.ºs 1 e 5, do artigo 32.º, da Constituição da Republica Portuguesa.

  12. – De facto, ao Tribunal, terceiro imparcial, não lhe cabe fazer, completar ou aperfeiçoar a acusação.

  13. – E, com todo o respeito, não se sustente que a alteração ora realizada pelo Tribunal a quo, constitui uma alteração não substancial dos factos.

  14. – Não se podendo concordar com um entendimento no sentido de que a uma acusação que descreve uma conduta não tipificada criminalmente – aliás tendo sido considerada integralmente provada não permitiu condenar o mesmo – possam ser aditados novos factos que transformem essa conduta não tipificada numa conduta tipificada, sem que se considere que tal consubstancia uma alteração substancial dos factos.

  15. – Violações do princípio do acusatório, da vinculação temática e das garantias de defesa do Arguido, bem como inexistência de um processo justo e equitativo, que – por manifestas – devem ser declaradas pelo Tribunal a quem.

  16. – Acresce que, conforme supra exposto, in casu, não só a acusação não contém factos suficientes para preencher o tipo legal de abuso de confiança fiscal, como contém inúmeros erros e contradições, que prejudicam de forma inaceitável as garantias de defesa do Arguido previstas nos n.ºs 1 e 5, do artigo 32.º da CRP.

  17. – Na realidade, as normas contidas nos artigos 358º e 359º do CPP são inconstitucionais quando interpretados no sentido de se não entender como alteração substancial dos factos a consideração, na sentença condenatória, de factos atinentes ao modo de execução do crime, que não se encontravam especificadamente enunciados, descritos ou discriminados na acusação – e sem o aditamento dos quais a factualidade alegada na acusação era atípica – por violação das garantias de defesa do arguido e dos princípios do acusatório e do contraditório, assegurados nos nºs 1 e 5, do artigo 32.º, da Constituição da República.

  18. – Pelo que, ao aditar na sentença de que ora se recorre a matéria factual constante do ponto 7, da matéria de facto dada como provada – que não constava da acusação – considerando que tal constituía uma alteração não substancial dos factos, o Tribunal a quo realizou uma interpretação inconstitucional das referidas normas.

  19. – Sendo tal inconstitucionalidade uma questão que o ora Recorrente suscita, expressamente, no presente recurso.

  20. – Devendo a sentença de que ora se recorre ser declara nula – conforme supra exposto – e substituída por decisão que absolva o Arguido do crime de que vinha acusado.

    Por outro lado, 22.ª – A informação da inspeção tributária de fls. 66 a 71 e respetivos anexos, foram essenciais para que o Tribunal a quo tivesse dado como provada a generalidade da matéria de facto contante da acusação, bem como a aditada pelo próprio Tribunal a quo no ponto 7 da matéria de facto dada como provada.

  21. – Sucede que, a referida informação foi obtida mediante inspeção tributária quando já existia o processo de inquérito.

  22. – E, ainda que se entenda que teria sido antes do início formal do processo de inquérito, verifica-se que o tipo legal que está em causa nos presentes autos é o de abuso de confiança fiscal, que – como é pacífico – se verifica por omissão na data do termo do prazo de entrega do imposto.

  23. – Pelo que, após o termo do prazo de entrega do imposto em falta, a administração tributária – sabendo que não tinha recebido o IVA liquidado dentro do prazo legal – deveria ter constituído Arguido o ora recorrente, antes de praticar atos relacionado com o imposto em falta.

  24. – Perante a não entrega do imposto dentro do prazo legal, a administração tributária não poderia praticar atos tendentes, direta ou indiretamente, à verificação da existência de crime ou não, sem antes constituir o ora Recorrente como Arguido.

  25. – Pois, se assim não for, a administração tributária beneficiaria da ilicitude resultante do postergar da constituição, tempestiva, de cidadãos investigados como Arguidos, cerceando-lhes as suas garantias, nomeadamente as decorrentes do principio nemo tenetur se ipsum accusare.

  26. – Assim, a informação da inspeção tributária e respetivos anexos de de fls. 66 e ss. dos autos constituem prova proibida, conforme previsto no n.º 1 e na alínea a), do n.º 2, do artigo 126.º do CPP.

  27. – Sendo inconstitucional, por violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, ínsito no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República portuguesa, a interpretação normativa dos artigos 61.º, n.º 1, alínea d), 125.º e 126.º, n.º 2, alínea a), todos do Código de Processo Penal, segundo a qual os documentos fiscalmente relevantes obtidos ao abrigo do dever de cooperação previsto no artigo 9.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira e no artigo 59.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária por uma inspeção tributária realizada a um contribuinte, durante a fase de inquérito de um processo criminal – ou após o momento em que o mesmo deveria ter sido constituído Arguido e não foi – pela prática de crime fiscal movido contra o contribuinte inspecionado e sem o prévio conhecimento ou decisão da autoridade judiciária competente, podem ser utilizados como prova no mesmo processo.

  28. – Conforme o Tribunal Constitucional bem decidiu no seu Acórdão n.º 298/2019 (processo n.º 1043/17, acessível in https://www.tribunalconstitucional.pt).

  29. – Pelo que, o Tribunal a quo deveria ter interpretado os artigos 61.º, n.º 1, alínea d), 125.º e 126.º, n.º 2, alínea a), todos do Código de Processo Penal, no sentido de que, a informação da inspeção tributária e respetivos anexos a fls. 66 e ss. dos autos constituem prova proibida.

  30. – Prova que não sendo admissível não poderia ter sustentado a decisão matéria de facto, nem sido confrontada/utilizada durante os depoimentos testemunhais em sede de audiência de julgamento.

  31. – Sendo que, ao não declarar a ilegalidade e inadmissibilidade da informação da inspeção tributária e respetivos anexos de fls. 66 e ss. dos autos, aproveitando tal prova proibida na sentença de que ora se recorre, o Tribunal a quo realizou inconstitucionalmente, por violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, ínsito no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República portuguesa, a interpretação normativa dos artigos 61.º, n.º 1, alínea d), 125.º e 126.º, n.º 2, alínea a), todos do Código de Processo Penal, segundo a qual os documentos fiscalmente relevantes obtidos ao abrigo do dever de cooperação previsto no artigo 9.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira e no artigo 59.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária por uma inspeção tributária realizada a um contribuinte, durante a fase de inquérito de um processo...

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