Acórdão nº 377/18.1T9BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE BISPO
Data da Resolução13 de Julho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

RELATÓRIO 1.

No encerramento do inquérito com o NUIPC 377/18.1T9BCL, que correu termos pela Procuradoria da República da Comarca de Braga - Departamento de Investigação e Ação Penal - Secção de Barcelos, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido L. M., imputando-lhe a prática de dois crimes de difamação agravada, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos arts. 180º, n.º 1, 183º, n.º 2, 184º, 132º, n.º 2, al. l), 14º, n.º 1, 30º e 26º, todos do Código Penal, e 30º, n.º 1, 31º, n.º 5, 9º, n.º 1, 10º, al. a), e 11º da Lei de Imprensa.

  1. Discordando dessa acusação, o arguido requereu a abertura de instrução, no termo da qual foi proferido despacho a despronunciá-lo e a determinar o arquivamento dos autos.

  2. Inconformado com essa decisão instrutória, recorreu o assistente M. J., formulando no termo da motivação as conclusões que a seguir se reproduzem[1]: «(…) IV. No que respeita ao primeiro artigo da autoria do arguido, publicado a 03 de Janeiro de 2018, no «Jornal X», de uma leitura atenta da crónica, não ficamos com dúvida de que o arguido apelida o Assistente de «pito-mor», «dono da capoeira», menorizando-o, fazendo troça da pessoa do Assistente, socorrendo-se de expressões objetivamente insultuosas e suscetíveis de abalar a honra e a consideração pessoal, política e até familiar do assistente, nada tendo a ver com a discussão política a que pretende disfarçar ao longo de todo o texto.

    V.

    Mas não só, continuando à frente no texto pode ler-se: «o Sr. M. J.

    [referindo-se inequivocamente ao Assistente], tem pelo menos a particularidade individualizante que faz dele permanentemente um alvo de chacota pública pelo menos das pessoas mais informadas. É que é um ignorante. Dizem que quanto mais ignorante mais feliz. Assim sendo, quero querer que o Sr. M. J. deve ser um homem muito feliz (...) Asneira multiplicada! Ignorância estúpida! (...) M. J., o ignorante». Parece que o artigo escrito pelo Arguido nada tem a ver com o confronto de ideias políticas a que alegadamente se pretende referir no corpo do texto, mas sim com o único objetivo de rebaixar e achincalhar o Assistente.

    VI.

    Pois bem, o Arguido aproveitou o pretexto da redação da crónica relativa à crítica das políticas adotadas pelo Assistente como Presidente da Câmara ..., para atacar gratuitamente a honra deste, distorcendo-o com o sentido opinativo que pretende dar ao texto. A crónica acima reproduzida não foi mais do que isso. Um pretexto para achincalhar o Assistente.

    VII.

    Para Costa Andrade, devem-se considerar atípicos os juízos que, como reflexo necessário da crítica objetiva, acabam por atingir a honra do visado, desde que a valoração crítica seja adequada aos pertinentes dados de facto, esclarecendo, no entanto, que se deve excluir a atipicidade relativamente a críticas caluniosas, bem como a outros juízos exclusivamente motivados pelo propósito de rebaixar e humilhar, o que se verifica no caso concreto.

    VIII.

    Adaptado ao caso que nos ocupa, a conduta do Arguido seria atípica se a mesma não ultrapassasse o âmbito da crítica objetiva, isto é, enquanto censura da política tida pelo Assistente num determinado assunto, não se dirigindo diretamente à pessoa do aqui Assistente. Como o fez, os juízos tecidos caem fora da «aticipidade», pelo que não se encontra afastada, no caso concreto, a responsabilidade criminal do crítico, nos autos Arguido. — cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (Proc. 7132/09.8TAVNG-A.P1).

    IX.

    Rodrigues da Costa, distinguindo o «direito de crónica», afim do direito de informação, do «direito de opinião e de crítica», como expressões, todas elas, desdobradas da «liberdade de expressão», defende que o direito à honra e consideração só pode ser sacrificado se, ofendido que seja pelo exercício da liberdade de imprensa, o ato ofensivo tiver sido justificado, o que não acontece no presente caso.

    X.

    O Direito Penal não pode tolerar que, por detrás do escudo da crónica política e protegendo-se com a arma da construção frásica, se esconde aquilo que realmente pretende com o texto: o ataque gratuito e de menorização da reputação pessoal do visado — Cfr. o Acórdão o Tribunal da Relação de Coimbra (Proc. 53/13.OTAGVA.C1).

    XI.

    No caso concreto, entende-se que o texto redigido pelo Arguido extravasa aquilo que se entende por crítica política. Depois de qualificar a política local como «capoeira concelhia», apelidar o Assistente de «pito-mor», «absurdamente ignorante» «ignorante estúpido» «M. J. o ignorante», fica muito além daquilo que se deve entender por liberdade de expressão que a nossa Constituição consagrou. Repita-se: Muito além! XII.

    Por outro lado, para que o direito à honra e consideração seja restringido, importa que a ofensa à honra se revele como meio adequado e razoável de cumprimento da função a que se destina o texto, sendo que o meio utilizado não só não pode ser excessivo, como deve ser o menos pesado possível para a honra do atingido — Cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (Proc. 59/13.OTAGVA.C1).

    XIII.

    Tudo o que se diz sobre o artigo publicado no dia 03 de Janeiro de 2018, aplica-se à crónica publicada no «Jornal X» no dia 23 de Maio de 2018, sob o título «M. J. ou a transparência da mentira», no âmbito do qual apelida o assistente de «pigmeu autoconvencido, ignorante e mentiroso».

    XIV.

    No respeitante à verificação do tipo objetivo de difamação no presente caso, dúvidas não poderão restar que este se encontra preenchido com a imputação de factos, palavras e juízos desonrosos, desonestos e vergonhosos, a par do dolo que também se verifica.

    XV.

    Volvendo ao caso concreto, o arguido, com as referidas crónicas redigidas da forma supra descrita, visou somente o Assistente, à data dos factos, Presidente da Câmara ..., vexando-o, atingindo-o na sua autoestima e imagem pública, tendo agido unicamente com o propósito de provocar naquele mau estar e já não no exercício da liberdade de expressão.

    XVI.

    Pois, tratar o Assistente de «pito-mor», «absurdamente ignorante» «pigmeu auto-convencido» e «mentiroso» extravasa o referido campo de tolerância, atingindo o âmago da honra do visado, aqui Assistente — cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (Proc. 1061/02-1) XVII.

    O arguido ultrapassou, em muito, a abertura da liberdade de expressão, não querendo tecer comentários políticos, mas tão-só emitir juízos sobre o carácter do assistente que têm de ser vistos como uma valoração, designadamente por serem ofensivos da honra e consideração do assistente, o que o arguido fez com dolo e consciência da ilicitude.

    XVIII.

    Com isto, ultrapassou juízos de realidade política para emitir juízos sobre o carácter do assistente.

    XIX.

    Para existir pronúncia não é necessário existir uma certeza da existência da infração, mas tão-só os factos indiciários devem ser suficientes e bastantes, por forma que, logicamente relacionados e conjugados, formem um todo persuasivo de culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade do que lhe é imputado, o que se verifica no caso concreto.

    XX.

    As expressões humilhantes constantes de ambas as crónicas redigidas pelo arguido vão muito além do direito de opinião e do legítimo exercício da liberdade de expressão, atingindo o núcleo essencial do direito à honra e consideração do assistente — cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (Proc. 1073/14.4GBPPNF.P1).

    XXI.

    É evidente que o arguido, com aquelas afirmações sobre ignorância, mentira, pigmeu, etc., pretendeu não emitir um juízo crítico sobre a atuação do Assistente enquanto político, não se podendo entender, como fez a Mma Juíza de Instrução, que o arguido se limitou a emitir uma opinião negativa desprimorosa e negativa sobre o Assistente.

    1. Assim, tratam-se de afirmações excessivas, com dignidade criminal, porquanto objetivamente ofensivas da honra e consideração do aqui Assistente, feitas unicamente com o propósito de achincalhar, humilhar e rebaixar o mesmo.

    2. Por tudo o que se disse, encontram-se indiciariamente demonstrados os pontos 1 a 10 da Acusação Pública, existindo a propalação de factos e formulações de juízos ofensivos da honra do assistente e, em consequência, existe crime.

    XXIV.

    Nos moldes acima descritos se vislumbram as razões pelas quais deveria o arguido ter sido pronunciado pela prática de dois crimes de difamação agravada, pelo que o presente Recurso deve ser procedente, devendo o despacho de não pronúncia ser revogado e substituído por despacho de pronúncia do arguido pela prática de dois crimes de difamação agravada, nos termos e com os efeitos previstos nos artigos 180.°, n.° 1, 183.°, n.° 2, 184.° e 132.°, n.° 2, alínea 1), do Código Penal e 30.°, n.° 1, 31 .°, n.° 5, 9.º, n.° 1, 10.°, al. a) e 11.° da Lei de Imprensa.

    Nestes termos e nos melhores de direito, face a todo o supra aduzido, deve o presente Recurso ser procedente, devendo o despacho de não pronúncia ser revogado e substituído por despacho de pronúncia do arguido pela prática de dois crimes de difamação agravada, com o que se fará a costumeira JUSTIÇA!!!» 4.

    Na sua contramotivação, o Exmo. Procurador da República junto da primeira instância formulou a síntese conclusiva que a seguir se transcreve: «Concluindo, diremos que: A) O epiteto de «pito-mor» lançado sobre o assistente, para o designar enquanto Presidente da Câmara Municipal ..., não pode considerar-se ofensivo, por se tratar de metáfora para designar quem ocupa o topo da hierarquia na referida autarquia; B) A comparação poderia ser feita com outro tipo de animal, ou até com qualquer outro referente, mas nem o tribunal, nem o assistente, podem condicionar a liberdade de criação do autor do texto; C) Os epítetos de «ignorante», «pigmeu autoconvencido» e «mentiroso» carecem de ser contextualizados; D) Assim, lendo a crónica publicada a 03JAN2018, verifica-se que na mesma são invocadas afirmações do assistente que justificam a valoração que delas fez o assistente; E) O...

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