Acórdão nº 3509/18.6T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Julho de 2020
Magistrado Responsável | JOAQUIM BOAVIDA |
Data da Resolução | 08 de Julho de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães(1): I – RELATÓRIO 1.1. União de Freguesias de X (Y) e W intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra A. R., pedindo que o Réu seja condenado a: «
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Reconhecer a existência do caminho público melhor identificado nos artigos 2º e 9º do presente articulado.
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Reconhecer que tal caminho se encontra sob a administração da Autora e que, em consequência, não detém sobre o Réu sobre o mesmo qualquer direito de propriedade.
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Abster-se da prática de qualquer ato que, por qualquer meio e de qualquer forma, vise impedir, obstar ou dificultar a circulação de pessoas, animais e veículos motorizados ou não, no referido caminho».
Para fundamentar a sua pretensão, alegou que o referido caminho foi sempre utilizado de forma livre por toda a população da freguesia, nele transitando diariamente, e desde tempos imemoriais, pessoas, veículos, motorizados ou não, e animais, sempre na convicção de se estar a utilizar um bem público, sendo ela, demandante, quem há mais de 40 anos procede à manutenção/limpeza do dito caminho.
Mais alega que confrontando o caminho, do norte e do sul, com um prédio rústico propriedade do Réu, este, desde finais do ano de 2017, tem vindo a impedir o trânsito de pessoas e veículos.
*O Réu apresentou contestação, sustentando, por excepção, a caducidade do direito da Autora, face aos termos da transacção celebrada no âmbito do procedimento cautelar em apenso, e a ilegitimidade da demandante, por a mesma acabar por reconhecer que o caminho serve fins privados.
Mais impugnou a factualidade alegada na petição inicial, afirmando que o caminho que a Autora apelida de público corresponde a uma parcela de terreno que é parte integrante de um prédio de que o Réu é proprietário.
Alegou que em 1998, quando a anterior proprietária do seu prédio - uma sociedade comercial de que é sócio-gerente - o adquiriu, o caminho encontrava-se totalmente coberto de mato, silvas e arbustos, completamente oculto e sem que possibilitasse o trânsito fosse de pessoas, animais ou veículos motorizados, tendo sido a dita sociedade quem, em 1999, e no âmbito de obras que realizou na totalidade do prédio, alterou o traçado do caminho e procedeu aos respectivos alargamento e terraplanagem. Acresce que por força desse alargamento viu-se na contingência de ter de edificar dois muros laterais de suporte de terras, cuja construção, por intermitente, se arrastou por cerca de 2 anos, impossibilitando, nesse período, o trânsito de veículos, animais e pessoas em virtude das valas e fundações abertas e dos materiais (pedras, areias, britas, entre outros) amontoados por todo o leito.
Mais alegou que a conduta da Autora destruiu e danificou parte da vedação em rede existente no muro lateral do caminho, destruiu um contentor marítimo e danificou outros objectos, em cuja reposição o Réu gastou € 3.500,00 e causou-lhe transtorno, revolta, desgosto, preocupação e depressão.
Terminou o seu articulado, pedindo: «- Deve ser julgada procedente a exceção perentória de caducidade, e, consequentemente, ser o R. absolvido do pedido; - Deve ser julgada procedente a exceção dilatória de ilegitimidade da A. e da sua falta de interesse em agir, devendo o R. ser absolvido da instância; - Deve a presente ação ser julgada improcedente por não provada, com as legais consequências, devendo a A. ser condenada a reconhecer o direito de propriedade do R. sobre o caminho melhor identificado em 2 da Petição.
- Deve a Reconvenção ser admitida e por via dela ser a A. condenada a pagar ao R. a quantia de € 8.000,00 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, em conformidade com o alegado em 128 a 135 da contestação.
- Para a não configurável hipótese de o R. vir a ser condenado a reconhecer a existência de um caminho público no interior do seu prédio, o que só por mera hipótese académica se concede, deve a A. ser condenada a liquidar ao R. a quantia de € 100.225,00, em consequência do alegado em 136 a 146 da contestação.
- Caso o Tribunal assim não entenda (que a A. deva liquidar ao R. o valor de € 100.225,00), e à cautela, deverá ser reconhecido ao R. o direito de fazer sua a parcela de terreno que afetou ao alargamento do caminho (3 metros de largura) em toda a sua extensão, de fazer seus os muros de suporte de terras, devolvendo o caminho à sua configuração original; - Deve a Ré ser condenada como litigante de má-fé, em multa exemplar e em indemnização a favor do R., esta de valor nunca inferior a € 2.500,00 por a tanto ascenderem as despesas e os danos que desnecessariamente tem de suportar».
*A Autora replicou, pugnando pela improcedência da matéria de excepção arguida pelo Réu, bem como da reconvenção e do pedido de condenação como litigante de má-fé.
*1.2.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho-saneador, que julgou improcedentes as excepções de ilegitimidade e de caducidade, após o que se admitiu a reconvenção, definiu-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
Realizada a audiência de julgamento, proferiu-se sentença a decidir: «- julgar a presente acção improcedente por não provada e consequentemente absolve o R. do pedido contra ele formulado; - em virtude da improcedência da acção principal, julgar prejudicada a apreciação do pedido reconvencional deduzido a título subsidiário; - julgar a acção reconvencional parcialmente procedente por parcialmente provada e consequentemente condenar a A. a reconhecer que o caminho identificado supra em 1.1.f), na parte em que confronta a com o prédio identificado em a)ii, atravessando-o no sentido poente/nascente, é parte integrante do prédio rústico denominado Lugar de ...
, com a área total de 120.660m2, a confrontar do norte com caminho, do nascente com herdeiros de V. A. e outra, do sul com M. C. e outros e do poente com caminho e Manuel, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o art.
...
/19981013 e inscrito na matriz predial rústica sob o art.
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.º, absolvendo-a do mais peticionado; - julgar o pedido de condenação da A. como litigante de má fé improcedente por não provado».
*1.3.
Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes conclusões: «I. A decisão que julgou a ação reconvencional parcialmente procedente por parcialmente provada e consequentemente condenou a A. a reconhecer que o caminho identificado supra em 1.1.f), na parte em que confronta a com o prédio identificado em a)ii, atravessando-o no sentido poente/nascente, é parte integrante do prédio rústico denominado Lugar de ...
, com a área total de 120.660m2, a confrontar do norte com caminho, do nascente com herdeiros de V. A. e outra, do sul com M. C. e outros e do poente com caminho e Manuel, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o art.
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/19981013 e inscrito na matriz predial rústica sob o art.
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.º, é nula, tal como resulta do aludido artigo 615º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil, porquanto a Autora foi condenada num pedido não formulado pelo Réu.
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É que o Réu não deduziu pedido reconvencional a pedir a condenação da Autora a reconhecer que o caminho é parte integrante do identificado prédio rústico, nem o Tribunal admitiu tal pedido.
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A sentença proferida, para além de manifesta violação do caso julgado, uma vez que contraria a decisão que se pronunciou sobre a admissibilidade da reconvenção, constitui a nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
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Sem prescindir, provado que ficou a existência do caminho que, segundo a própria sentença, nem sequer foi posto em causa, o Tribunal afastou, num primeiro momento, o caráter público do mesmo por não ter ficado demonstrada a sua utilização pela generalidade das pessoas nem a satisfação de um interesse público. Porém, admitindo tratar-se de caminho público, o Tribunal concluiu pela sua atual desnecessidade e consequente desafetação tácita do domínio publico.
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Não existem factos provados – nem sequer alegados – dos quais possa resultar a conclusão da desafetação tácita do domínio publico. É que tal não resulta de forma automática da alegada desnecessidade.
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Apesar da decisão assentar, assim, numa construção repleta de manifestas incongruências, obscuridades e contradições, baseada, por um lado, na desafetação tácita do domínio publico e, por outro lado, nos factos provados sob as alíneas j), k), l), m) e n), conclui que o caminho é propriedade do Réu.
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Antes de mais, constata-se que de tal factualidade resulta que as obras realizadas no caminho se reduziram à terraplanagem do mesmo em cerca de 1,5 metros, pois que os muros não foram edificados no caminho, mas a ladear o mesmo. Repita-se e sublinhe-se obras realizadas em 1,5 metros, num caminho com cerca de 596 metros e que atravessa o prédio do Réu numa extensão de cerca de 250 metros.
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A descrita conduta por parte do Réu não é compatível com a atuação socialmente típica que corresponde ao direito de propriedade, verificando-se insuficiência da matéria de facto para sustentar que o Réu atuou por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade sobre o leito do caminho e, por isso, os poderes fáticos que tenha exercido sobre o caminho não podem ser considerados como integrantes do corpus possessório.
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A sentença recorrida viola o disposto no artigo 1287º do Código Civil, para além de constituir nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil.
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E relativamente ao caminho o Tribunal apenas dá como provado que (f) entre a Rua da ...
e a Rua ...
existe um caminho em terra batida com cerca de 596 metros de comprimento e largura não uniforme, mas que na sua maior extensão será de 4 metros, com a configuração assinalada a vermelho no doc. n.º 12 junto com a p.i., a fls. 25v, o qual (g) confronta a norte e a sul com o prédio identificado em a)ii em cerca de 250 m de extensão, atravessando-o no sentido poente/nascente; XI. Da conjugação de tal factualidade não resulta que o caminho faz parte do prédio...
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