Acórdão nº 654/19.T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Julho de 2020
Magistrado Responsável | MARGARIDA SOUSA |
Data da Resolução | 08 de Julho de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO: A. J. intentou contra M. D., S. R., V. M. e B. D. ação declarativa sob a forma de processo comum na qual pretende ver:
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Decretar-se a ilegalidade e suspensão da eficácia das disposições testamentárias constantes do testamento do pai do Autor, designadamente no que diz respeito aos legados efectuados às Rés, até que seja proferida decisão definitiva sobre o inventário e partilha das heranças de ambos os pais do Autor; B) Declarar-se a nulidade do registo predial promovido pela 2.ª Ré pela Ap. 2481 de 2017.09.20, através da qual foi a mesma responsável pela criação de uma descrição nova, sob o n.º ... da freguesia de ..., o que fez com base na alegação de uma realidade que é falsa, designadamente, de que o referido prédio se encontrava omisso no registo predial, quando tal não correspondia à verdade; C) Reconhecer-se e declarar-se a nulidade do legado outorgado pelo pai do Autor a favor da aqui 1.ª Ré, pelo qual lhe transmitiu o prédio urbano sito no lugar de ..., freguesia e concelho de ..., composto de casa de dois pisos, inscrito na matriz sob o extinto artigo matricial ..., correspondente ao actual artigo matricial ..., descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob a descrição 24 da freguesia de ...; D) Condenar-se a 1.ª Ré a reconhecer a nulidade do legado que lhe foi outorgado pelo pai do Autor, que é também seu pai, e a abster-se de praticar ou promover a prática de quaisquer actos de oneração e/ou de alienação do bem imóvel legado, aí se compreendendo todo e qualquer acto susceptível de alterar o imóvel e/ou diminuir o respectivo valor patrimonial, incluindo a celebração de contratos de qualquer tipo ou natureza que tenham por objecto o mesmo, nomeadamente, vender, arrendar, constituir comodato, usufruto e hipoteca, entre outros; E) Reconhecer-se e declarar-se a nulidade do legado outorgado pelo pai do Autor a favor da aqui 2.ª Ré, pelo qual lhe transmitiu o prédio urbano sito na Travessa ..., freguesia e concelho de ..., composto de casa de morada e rossios, outrora inscrito matriz sob o extinto artigo matricial ..., correspondente ao actual artigo matricial ..., descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob a descrição ... da freguesia de ...; F) Condenar-se a 2.ª Ré a reconhecer a nulidade do legado que lhe foi outorgado pelo pai do Autor, e a abster-se de praticar ou promover a prática de quaisquer actos de oneração e/ou de alienação do bem imóvel legado, aí se compreendendo todo e qualquer acto susceptível de alterar o imóvel e/ou diminuir o respectivo valor patrimonial, incluindo a celebração de contratos de qualquer tipo ou natureza que tenham por objecto o mesmo, nomeadamente, vender, arrendar, constituir comodato, usufruto e hipoteca, entre outros; G) Condenar as Rés a preservarem os imóveis em causa, dos quais são actuais possuidoras, livres de ónus e encargos de qualquer natureza, conforme se encontram na presente data; H) Proibir as Rés de promover quaisquer actos de registo no Registo Predial dos imóveis em causa, com as descrições prediais n.º .. e ..., ambos da freguesia de ..., do Registo Predial de ..., bem assim como dos imóveis descritos junto da mesma Conservatória de Registo Predial de ... sob as descrições ... e ..., ambos da freguesia de ..., os quais igualmente pertencem ao acervo patrimonial da herança deixada pelos seus pais e que, por as mesmas ainda não se encontrarem partilhadas, permanecem indivisas e sem determinação de parte ou direito a favor de quem quer que seja.” No saneador, foi, então, proferida decisão a absolver os Réus da instância relativamente à totalidade dos pedidos deduzidos, com fundamento em ineptidão da petição inicial relativamente a todos eles, nos termos que a seguir se transcrevem: Quanto ao primeiro pedido – o que é formulado sob a letra “A” -, atendendo aos seus termos e intenção, bem se vê que não pode ter lugar em sede de acção declarativa, pois não se destina a definir qualquer direito ou a fixar definitivamente quaisquer termos de uma concreta relação jurídica, assumindo carácter evidentemente provisório e precário. Quando muito tal enunciação petitória encontraria enquadramento legal em sede de providência cautelar não especificada atento o seu evidente propósito cautelar, mas nunca nesta sede.
A forma de processo é o modo específico como o legislador definiu o modelo e os termos dos actos a praticar e dos trâmites a observar pelas partes e pelo tribunal com vista à aquisição adequada dos elementos de facto e de direito que permitem decidir uma determinada pretensão, podendo assim definir-se como a configuração da estrutura de actos e procedimentos a que deve obedecer a preparação e julgamento de determinado litígio.
Na nossa legislação processual civil o autor não tem liberdade para escolher a forma de processo que julgue melhor servir os seus interesses, pelo contrário, se a sua pretensão couber dentro do âmbito de aplicação de determinada forma de processo é essa e apenas essa a que pode seguir a sua acção. No processo declarativo, existe a forma do processo comum, que é única (artigo 548º do Código de Processo Civil) e existem formas de processo especial, que são diversas (artigo 549º do Código de Processo Civil).
O processo especial aplica-se aos casos expressamente designados na lei, enquanto o processo comum se aplica a todos os casos a que não corresponda processo especial (artigo 546º, nº 2, do Código de Processo Civil). Consagra-se, deste modo, o princípio da especialidade das formas processuais. Por esse motivo, para saber qual é a forma do processo adequada à pretensão a deduzir, o caminho passa por determinar se esta se ajusta ao objecto de algum dos processos especiais previstos na lei, cabendo-lhe a forma de processo especial cuja finalidade seja precisamente essa pretensão ou a forma do processo comum se a pretensão não estiver compreendida nas finalidades específicas de nenhum processo especial.
O elemento da acção fundamental para determinar a forma do processo é o pedido. O processo deve seguir a forma em cuja finalidade se integre o pedido formulado pelo autor. O erro na forma de processo é um vício que se encontra definido e regulado na secção das nulidades processuais. Enquanto nulidade possui um regime próprio consagrado no artigo 193.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual o erro na forma de processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.
Trata-se, portanto, em primeiro lugar, de um vício sanável através da prática dos actos necessários à recondução do processo à forma adequada, sanação essa que só será inviável nos casos em que face às especificidades da forma adequada e da forma até aí seguida não seja possível aproveitar os actos já praticados.
Depois, trata-se de um vício que, excepto quando for insanável, não determina a nulidade de todo o processo uma vez que nos termos expressos do nº 1, do artigo 186º, do Código de Processo Civil esta só ocorre quando for inepta a petição inicial.
No nosso caso, a pretensão do Autor tal como surge enunciada sob a letra A do petitório é inaproveitável pois corresponde a uma forma de processo especial, a saber, o procedimento cautelar e, assim sendo, deve ser qualificado como um pedido nulo. Esta consideração individualística do pedido formulado sob a alínea A, conduzindo à ineptidão parcial da petição inicial, com a consequente absolvição dos Réus da instância quanto ao pedido formulado na alínea A do petitório1 (1 No sentido da admissibilidade da figura da ineptidão parcial da petição inicial, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15.12.2016, relatado por Jerónimo Freitas, in www.dgsi.pt.) – cfr. artigo 193º, 186º, 577º e 578º, do Código de Processo Civil.
Em face do exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 193º, 186º, 577º, 578º, 595º, nº 1, alínea a), 278º e 279º, do Código de Processo Civil, julgo verificada a ineptidão da petição inicial relativamente ao pedido formulado sob a alínea A) do petitório, e, consequentemente, absolvo os Réus da instância relativamente a tal pedido.
Na alínea B do petitório, o pedido é formulado do seguinte modo: “declarar-se a nulidade do registo predial promovido pela 2.ª Ré pela Ap. 2481 de 2017.09.20, através da qual foi a mesma responsável pela criação de uma descrição nova, sob o n.º... da freguesia de ..., o que fez com base na alegação de uma realidade que é falsa, designadamente, de que o referido prédio se encontrava omisso no registo predial, quando tal não correspondia à verdade”.
Nos termos do disposto no artigo 16º do Código do Registo Predial, que versa sobre as causas de nulidade do registo, pode ler-se que “o registo é nulo: (…)
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Quando for falso ou tiver sido lavrado com base em títulos falsos; (…) b) Quando tiver sido lavrado com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado; (…) c) Quando enfermar de omissões ou inexactidões de que resulte incerteza acerca dos sujeitos ou do objecto da relação jurídica a que o facto registado se refere; (…) d) Quando tiver sido efectuado por serviço de registo incompetente ou assinado por pessoa sem competência, salvo o disposto no n.º 2 do artigo 369.º do Código Civil e não possa ser confirmado nos termos do disposto no artigo seguinte; (…) e) Quando tiver sido lavrado sem apresentação prévia ou com violação do princípio do trato sucessivo”.
Ora, analisada a causa de pedir que se pretende que sustente este pedido não se vislumbra qualquer facto que possa conduzir à nulidade do registo. Concretizando: inexiste qualquer facto alegado que permita concluir, a ser provado, existir uma violação do princípio do trato sucessivo ou qualquer inexactidão ou omissão que instale a incerteza acerca dos sujeitos ou do objecto da relação jurídica a que o facto registado se refere.
O núcleo da...
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