Acórdão nº 2010/19.5T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Julho de 2020
Magistrado Responsável | ALCIDES RODRIGUES |
Data da Resolução | 08 de Julho de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório V. B. instaurou, no Juízo de Família e Menores de Viana do Castelo - Juiz 1 - do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, a presente acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, contra M. L., pedindo que seja decretado o divórcio entre ele e a Ré, com a consequente dissolução do casamento entre ambos celebrado em 15 de agosto de 1992.
Invocou como fundamento da sua pretensão o seu abandono do lar em setembro de 2018, a separação desde então e a intenção de não retorno à vida em comum.
*Procedeu-se à realização da tentativa de conciliação a que alude o art. 931º, n.º 1, do CPC, não tendo sido possível obter a reconciliação dos cônjuges, nem a conversão da ação em divórcio por mútuo consentimento (ref.ª 44158126).
*A Ré apresentou contestação (ref.ª33359693), na qual invocou a excepção de incompetência internacional do Tribunal ou, assim não se entendendo, pugnou pela total improcedência da ação.
Para tanto alegou, em resumo, que o A., português, desde os 16 anos de idade nunca teve residência em Portugal; viveram em França até 2017 e em Espanha, país de que a Ré é nacional, de Julho de 2017 até Setembro de 2018, passando o A. largas temporadas em França nesse período; nesse mês, o tribunal espanhol decretou ordem de afastamento do A. da R.; aquele regressou em Setembro de 2018 a França e aí se encontrando desde então; desde 1992, o A não tem passado mais que dois dias por ano em Portugal, nunca morou no endereço indicado na PI.
*Em resposta à exceção de incompetência internacional do Tribunal, o A. pugnou pela sua improcedência (ref.ª33546130).
*Realizada audiência prévia, foi proferido despacho saneador no qual foi afirmada a validade e a regularidade da instância, relegando-se para final o conhecimento da excepção de incompetência internacional do Tribunal; tendo-se procedido à enunciação dos temas da prova, bem como foram admitidos os meios de prova.
*Procedeu-se a audiência de julgamento.
*Posteriormente, o Mm. Julgador “a quo” proferiu decisão em que julgou verificada a excepção de incompetência internacional do Tribunal, absolvendo da instância a Ré (ref.ª 44948529).
Mais determinou a notificação das partes para, querendo, se pronunciarem sobre eventual litigância de má-fé.
*Após o exercício do contraditório, o Mm. Juiz “a quo”, por decisão datada de 5/03/2020, condenou o A. como litigante de má-fé, numa multa de 4 (quatro) UC`s e no pagamento à Ré de uma indemnização no valor de € 204,00 (ref.ª 45157373).
*Inconformada com estas decisões, delas interpôs recurso o autor V. B. (ref.ª 35193267), formulando, a terminar as respetivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem): «I. Vem o presente recurso interposto da sentença notificada a 07/02/2020 (Ref. CITIUS nº 45009245),que julgou procedente a excepção de incompetência internacional deste Tribunal, e ainda do despacho notificado a 09/03/2020 (ref. CITIUS nº 45157373), que condenou o autor como litigante de má-fé em multa e indemnização a favor da ré-recorrida.
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Para assim concluir, entendeu este Tribunal que “relativamente à localização da vida do autor, constata-se corresponder à verdade o alegado pela Ré, viveram em França, mudaram-se para Espanha, mantendo o autor a vida profissional naquele país e voltando para lá após a separação”; III. No modesto entender do impetrante foram incorretamente julgados, os seguintes pontos, que assim expressamente se impugnam: a) Da matéria dada como Provada: g) Em Setembro de 2018 o autor regressou a França, país onde trabalha b) Da matéria dada como Não Provada: •-Que o autor tenha residência habitual na Rua .... •E aí mora desde Setembro de 2018 e aí tem o centro da sua vida pessoal.
•-E daí só se ausenta por curtos períodos de tempo.
•-Após decadência do estabelecimento em França, A. e R. optaram por nova residência, ele em Portugal e ela em Espanha.
•-Desde Setembro de 2018 o A. nunca mais residiu em França.
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Com efeito, a testemunha P. B. confirmou que o autor vive consigo, onde passou a residir em Santa Marta desde Setembro de 2018, onde permaneceu ininterruptamente nos meses Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro do ano de 2018 e em Janeiro de 2019, foi a França voltando depois para Santa Marta - cfr. depoimento de P. B., na audiência de julgamento de 06/12/2019, com início 10h:10m:58s e termo 10h:30m:20s gravado no sistema informático Habilus Media Studio, concretamente entre os minutos 00:03:51 e 00:14:07.
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A verdade dos factos foi também comprovada pela testemunha M. G., que expressamente referiu que o autor residia em ... e que, quando o pai dele faleceu (02/12/2018) já ele aí vivia – cfr. depoimento de M. G., na audiência de julgamento de 06/12/2019, com início 10h:31m:30s e termo 10h:46m:29s, gravado no sistema informático Habilus Media Studio, concretamente entre os minutos 00:04:18 e 00:11:10.
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A residência do autor é ainda comprovada por um Atestado de Residência, emitido a 27/12/2018 – seis meses antes da propositura da acção -pela Junta de Freguesia de ..., no uso das competências que lhe atribui o art. 16º nº 1, alínea rr) da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro (na sua versão actualizada), e que constitui documento autêntico, que comprova, justamente, que o autor reside na Rua ..., Viana do Castelo.
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Em face do exposto, deveria pois o Tribunal recorrido ter dado como Provado: a) Que o autor tem residência habitual na Rua ....
b) E aí mora desde Setembro de 2018 e aí tem o centro da sua vida pessoal.
c) E daí só se ausenta por curtos períodos de tempo.
d) Após decadência do estabelecimento em França, A. e R. optaram por nova residência, ele em Portugal e ela em Espanha.
e) Desde Setembro de 2018 o A. nunca mais residiu em França.
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E deveria o Tribunal a quo, consequentemente, dado como Não Provado que: •-Em Setembro de 2018 o autor regressou a França, país onde trabalha IX. Ademais, resulta também do art. 3º, nº 1, alínea a) do Regulamento(CE) n.º 2201/2003, de 27 de Novembro, que o Tribunal de Família e Menores de Viana do Castelo e é competente para julgar a presente acção, pois que o autor reside na Rua ..., Viana do Castelo, desde Setembro de 2018 até hoje.
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A este propósito, chama-se à colação, data vénia, o decidido no Acórdão do T.R.L. de 21/12/2015 (João Ramos de Sousa), Processo nº 98/13.1T8PVC-A.L1-1, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário, na parte relevante, ora se transcreve: “1. Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para julgar uma ação de divórcio se o autor tem domicílio em Portugal, ainda que não seja essa a sua residência habitual – arts. 62.a e 72 do CPC.
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Resulta inequívoco que o autor indicou a sua residência na Rua ..., Viana do Castelo, local onde pode ser pessoalmente notificado para comparecer em juízo.
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E não tem qualquer outra residência, seja em Espanha ou Portugal, nem tão pouco a ré a identificou nos autos.
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A presente acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge deu entrada no Tribunal de Família e Menores de Viana do Castelo, no dia 03 de Junho de 2019 ou seja, nove meses depois de o autor-recorrente fixar residência efectiva na Rua ..., Viana do Castelo.
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Reconhecida que seja a competência internacional do Tribunal de Família e Menores de Viana do Castelo para julgar esta causa, em virtude de o autor residir efectivamente na Freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, deverá outrossim ser revogada a condenação do recorrente como litigante de má-fé, constante do despacho de 06/03/2020, que outrossim e expressamente se impugna.
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Ademais, a garantia do acesso ao Direito e aos Tribunais e do correspectivo exercício do contraditório, próprias do Estado de Direito, são incompatíveis a interpretações demasiado apertadas do arts. 452º do CPC, designadamente das alíneas. a) e b) do seu nº 2, donde não pode, sem mais, ser o autor condenado por exercer o seu direito potestativo de acção para, neste caso, exercer o seu direito potestativo a divorciar-se.
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E mesmo que assim não se entendesse, sempre deveria o quantitativo da condenação ser reduzido, por manifestamente exagerado, o que outrossim e a título subsidiário se requer.
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Em suma, a sentença e o despacho revidendos violaram, entre outros, o disposto nos arts. 52º, 55º, 82º e 363º, nº 2 do Código Civil, arts. 62º, alínea a), 72º, 96º, 99º, 542º e 543º do Código de Processo Civil e bem assim o art.3º, nº 1, alínea a) do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de Novembro, pelo que deverão ser revogados por esta Relação.
Nestes termos e melhores de Direito aplicáveis, provendo-se o presente recurso, deverá revogar-se a sentença revidenda, reconhecendo-se a competência internacional do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo de Família e Menores de Viana do Castelo – Juiz 1, para a presente acção de divórcio, e consequentemente revogar-se outrossim o despacho que condenou o recorrente como litigante de má-fé, fazendo-se desta forma a habitual e necessária JUSTIÇA.!».
*Contra-alegou a ré M. L., pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida (ref.ª 35581055).
*O Ministério Público apresentou resposta ao recurso apresentado pelo autor, concluindo pela sua improcedência (ref.ª 7240).
*O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo (ref.ª 45430485).
*Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*II. Questões a decidir.
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, são as seguintes: 1ª- Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
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- Da (in)competência...
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