Acórdão nº 4297/18.1T8GMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Junho de 2020
Magistrado Responsável | MARIA JOÃO MATOS |
Data da Resolução | 18 de Junho de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.
*I – RELATÓRIO 1.1.
J. M.
e mulher, M. M.
, residentes no Lugar …, da união de freguesias de … (… e …), em Guimarães, propuseram uma acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra C. S.
, residente na Rua …, n.º .., na freguesia de … (…), em Fafe, pedindo que · fosse declarado nulo e de nenhum efeito (por falta de consciência ou de vontade nas declarações proferidas por eles próprios), ou subsidariamente anulado (por erro na declaração, ou erro essencial, ou reserva mental, deles próprios, e/ou dolo da Ré) o hipotético contrato de arrendamento a prazo certo, subscrito por ambas as aqui partes, em Julho de 2013; · fosse declarada a invalidade e a ineficácia, no que tange a eles próprios, da oposição da Ré à renovação do dito contrato de arrendamento de Julho de 2013 (e consequente pedido dela, de desocupação e entrega do locado dele objecto); · e fosse a Ré condenada a reconhecer a existência, a validade, a eficácia e a vigência do inicial contrato de arrendamento incidente sobre o mesmo prédio, agora de sua propriedade, em que eles próprios sucederam na posição dos primitivos arrendatários.
Alegaram para o efeito, em síntese, ser o prédio que constitui a sua actual residência inicial propriedade dos pais da Ré, que há mais de 64 anos o arrendaram para habitação aos pais do Autor marido, e onde este sempre residiu, inclusivamente depois de casado com a Autora mulher.
Mais alegaram que, tendo falecido os primitivos arrendatários, beneficiaram eles próprios em 1994 da transmissão do contrato de arrendamento a seu favor, vindo em 2008 a Ré a beneficiar ela própria da transmissão mortis causa do prédio dele objecto, com o falecimento dos respectivos pais.
Alegaram ainda os Autores que, pretextando falsamente em 2013 a mera legalização do arrendamento nas finanças, a Ré obteve a assinatura de ambos num documento escrito, que só muito depois constataram consubstanciar novo e distinto contrato de arrendamento, a prazo certo, de que nunca tiveram consciência ou vontade de subscrever; e tendo-se a Ré, em 08 de Fevereiro de 2018, oposto por escrito à sua renovação.
Os Autores arrolaram seis testemunhas.
1.2.
Regularmente citada, a Ré (C. S.) contestou, pedindo que a acção fosse julgada improcedente, por não provada; e deduzindo reconvenção, pedindo que: · fosse ela própria declarada e reconhecida como dona do prédio urbano objecto do contrato de arrendamento em causa nos autos, sendo os Autores condenados a reconhecerem tal direito: · fossem os Autores condenados a restituírem-lhe o dito prédio, devoluto de pessoas e coisas, bem como a absterem-se da prática de quaisquer actos que atentassem contra o seu direito de propriedade; · fossem os Autores condenados a pagarem-lhe uma indemnização pela ocupação ilícita e abusiva do dito prédio, à razão de € 50,00 por mês, desde 30 de Junho de 2018 e até à sua efectiva desocupação.
· Alegou para o efeito, em síntese, ser falsa a quase totalidade dos factos invocados pelos Autores, estando ainda já caduco o direito de pedirem a anulação do contrato de arrendamento, com prazo certo, celebrado no início de Julho de 2013, por vício de vontade, por terem intentado a presente acção muito depois de ter decorrido um ano do conhecimento dos termos em que tinham outorgado o dito acordo.
Já em sede de reconvenção, a Ré invocou o seu direito de propriedade sobre o imóvel em causa, a natureza e os termos do contrato de arrendamento celebrado com os Autores relativo a ele, a válida oposição à sua renovação, a falta de restituição do imóvel no termo do dito acordo, e a possibilidade de o arrendar por € 50.00 por mês.
A Ré arrolou duas testemunhas; e requereu que os Autores prestassem depoimento de parte a toda a matéria da reconvenção.
1.3.
Os Autores replicaram, pedindo que a reconvenção fosse julgada improcedente, sendo eles próprios absolvidos de todos os pedidos reconvencionais.
Impugnaram para o efeito a matéria pertinente à alegada validade e eficácia do contrato de arrendamento assinado em Julho de 2013, bem como da oposição à sua renovação, realizada pela Ré em Fevereiro de 2018, reiterando o que já tinham afirmado na sua petição inicial.
Os Autores aditaram ao seu requerimento probatório inicial o depoimento de parte da Ré à matéria da réplica.
1.4.
Devendo ser ouvida como testemunha I. M., advogada, o Tribunal a quo solicitou ao Conselho Regional ... da Ordem dos Advogados o levantamento de sigilo profissional relativamente à mesma, esclarecendo que o objecto do depoimento pretendido era relativo «às consultas pela mesma efectuadas as autores (…) no âmbito das consultas jurídicas dadas a estes no Gabinete de Consulta Jurídica da Câmara Municipal ... (…), bem como para que seja permitido à Il Advogada consultar os relatórios por si elaborados nas referidas consultas a fim de esclarecer o âmbito destas, mais concretamente para que possa responder aos artigos 23.º a 27.º e 41.º da Réplica».
1.5.
O Conselho Regional ... da Ordem dos Advogados indeferiu o pedido formulado, por entender que «a entidade que vem requerer a dispensa de sigilo não tem legitimidade para o efeito», já que não fora a própria Advogada a requerer a dispensa de sigilo profissional, nem ter sido o incidente processado no Tribunal superior àquele onde fora suscitado.
1.6.
Formulando então a testemunha advogada o pertinente pedido de dispensa de sigilo profissional (por previamente o ter invocado para se recusar a depor), não foi decidido o mesmo até 10 de Julho de 2019 - data agendada para a sua inquirição, derradeira em sede de audiência de julgamento -, pelo que foi proferido despacho suspendendo-a, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Atendendo a que a testemunha que falta ouvir, a Il. Advogada Dr.ª I. M., ainda não obteve resposta do Conselho Regional da Ordem dos Advogados do …, dá-se sem efeito a presente audiência.
Não sendo dispensado o sigilo profissional, será suscitado incidente junto do Tribunal da Relação, pelo que não se designa, por ora, nova data para continuação da audiência de julgamento.
(…)» 1.7.
Vindo a dispensa de sigilo profissional a ser indeferida, foi proferido despacho pelo Tribunal de 1.ª instância, solicitando a este a dispensa de sigilo profissional, quanto à testemunha advogada referida, lendo-se nomeadamente no mesmo: «A testemunha I. M., I. advogada que prestou apoio judiciário na modalidade de consulta jurídica aos Réus, não logrou obter a seu pedido a dispensa de sigilo profissional pela Ordem dos Advogados, nos termos do artigo 92.º, n.º 4 do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Assim, a testemunha invocou validamente o segredo profissional para se recusar depor, declarando que prestou efetivamente consulta jurídica aos Réus, mas não tem acesso aos documentos, que estão na Câmara Municipal – onde é prestado o apoio.
Mantendo-se o interesse em obter o depoimento da testemunha e documentos da consulta jurídica, com vista a apurar da veracidade dos factos alegados pelos Réus, afigura-se-nos que a relevância para a descoberta da verdade em obter o depoimento É superior ao valor de confiança que o sigilo visa proteger, sendo certo que um dos interesses a proteger no sigilo é dos próprios Réus, que pediram a dispensa.
Pelo exposto, determina-se, nos termos e ao abrigo das disposições conjugadas dos artigo 417.º, n.º 3, alínea c) e 497.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, e 135º, do CPP, que se autue por apenso cópia eletrónica da ata, dos articulados oferecidos pelas partes, das pronúncias da O.A. e do presente despacho e se autue por apenso e se remeta o apenso com a indicação incidente para a dispensa do dever do sigilo ao Venerando Tribunal Relação de Guimarães, solicitando-se tal dispensa. Os autos aguardarão a decisão sobre tal incidente e após será designada data para a continuação do julgamento.
Notifique.» 1.8.
Recebidos aqui os autos, foi solicitado ao Conselho Regional ... da Ordem dos Advogados a emissão de parecer sobre o levamento de sigilo profissional em causa, sendo o mesmo proferido, defendendo a recusa de quebra do segredo profissional da testemunha advogada em causa, por nomeadamente não poderem «subsistir dúvidas de que a verdade pode (e deve) ser alcançada sem a quebra do segredo profissional por outros meios, mormente ouvindo os próprios Autores».
1.9.
Notificadas as partes do seu teor, vieram: os Autores, pedir que se determinasse a quebra do segredo profissional, autorizando-se a testemunha a depor e permitindo a junção aos autos de todos os documentos elaborados por ela na sequência das consultas jurídicas que lhes prestou; e a Ré, concordar e subscrever o dito parecer.
*II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR Mercê do exposto, uma única questão foi submetida no presente incidente à apreciação deste Tribunal: · Questão Única - Justifica-se o levantamento do sigilo profissional de advogado, invocado pela testemunha I. M. nos autos principais (nomeadamente, por se verificarem os pressupostos legais que autorizam esse levantamento), por forma a que possa depor em audiência de julgamento ?*III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Com interesse para a apreciação da questão enunciada, encontram-se assentes nos autos os factos elencados em «I - RELATÓRIO» (relativos ao seu processamento), que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
*IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 4.1. Dever de colaboração com a justiça - Recusa legítima 4.1.1.1. Princípio da cooperação Lê-se no art. 417.º, n.º 1 do CPC (como já antes se lia, no art. 519.º, n.º 1 do anterior CPC) que todas «as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, (...) facultando o que lhes for requisitado e praticando o atos que forem determinados».
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