Acórdão nº 708/19.7T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução09 de Junho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório M. L.

, instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra M. J.

e F. F.

, todos devidamente identificados nos autos, pedindo seja declarada a resolução do contrato de arrendamento identificado na petição inicial, com consequente condenação dos réus a despejar de imediato o prédio arrendado, deixando-o livre e devoluto de pessoas e bens, bem como a pagarem à autora a parte das rendas vencidas e não pagas, desde julho de 2018 até à data da petição inicial, bem como as rendas vincendas até ao momento da restituição do arrendado.

Alega para o efeito, e em síntese, que por contrato celebrado a 1 de janeiro de 1966, A. F., seu marido e entretanto falecido, cedeu o gozo do imóvel situado na Rua ...

, em Guimarães, a L. M., para sua habitação, pelo período de 1 ano, contra o pagamento de uma renda mensal de 1.200$00, pagamento esse a ser realizado no 1.º dia do mês a que respeitasse no domicílio do senhorio; a autora detém o cargo de cabeça de casal da herança aberta e indivisa por óbito do seu referido marido, sendo a ré e seu marido, ora réu, os atuais arrendatários do imóvel; em abril de 2018, fruto de sucessivas atualizações, a renda mensal cifrava-se em €258,29; por carta registada rececionada pelos réus em 18-04-2018 comunicou-lhes a sua intenção de submeter o contrato de arrendamento ao NRAU, pelo que o valor da renda passaria a ser de €684,79/mês e a duração do contrato passaria a ser de 1 ano, sendo que, alega, os demandados não deram qualquer resposta à carta remetida, concluindo pela sua aceitação da mesma; sustenta que não obstante a verificada transição, os demandados nunca pagaram a renda pelo valor resultante da comunicada atualização, mantendo-se a pagá-la pelo valor de €258,29 o que configura fundamento de resolução do contrato de arrendamento.

Os réus foram regularmente citados, após o que a 1.ª ré apresentou contestação, reconhecendo a posição de arrendatária, em virtude do óbito do primitivo locatário, bem como a remessa da carta registada a que se alude na petição inicial relativa à transição do contrato de arrendamento para o NRAU mas excecionando que tal transição se tenha verificado, já que, correspondendo o locado à casa de morada de família do casal, a demandante deveria ter remetido duas comunicações, uma para cada um dos cônjuges, ora réus, e não somente uma única; não tendo cumprido tal ónus, a comunicação singular rececionada não observou a forma legal pelo que é ineficaz, do que resulta que a renda que tem vindo a ser paga pelos réus é a devida.

Foi cumprido o contraditório relativamente à exceção deduzida na contestação, mediante a apresentação de articulado autónomo.

Os autos prosseguiram com a realização da audiência prévia, após o que foi proferido saneador-sentença, por se considerar que o estado dos autos permitia o imediato conhecimento do mérito da causa, nomeadamente da exceção deduzida, a qual se transcreve na parte dispositiva: «(…) Pelo exposto, o Tribunal decide julgar a presente acção improcedente por provada, e consequentemente absolve os RR. do pedido contra eles formulado.

Custas pela A.

Registe e notifique».

Inconformados, os autores apresentaram-se a recorrer, pugnando no sentido da revogação da sentença, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «I. Por força do disposto no art. 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, o juiz tem um verdadeiro dever de conhecer de todas as questões que lhe são submetidas pelas partes, sendo que a violação deste dever constitui causa de nulidade da sentença, por omissão de pronúncia – cfr. art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.

  1. No caso dos autos, atento o alegado pela Autora, ora Recorrente, em sede de resposta às exceções aduzidas na contestação pelos Réus, incumbia ao Tribunal a quo pronunciar-se cerca da eventual existência de uma situação de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

  2. Sucede, todavia, que tal questão não foi apreciada na sentença sindicada, em total violação dos princípios do contraditório e da igualdade processual das partes, estipulados, respetivamente, nos artigos 3.º, número 3 e 4.º, ambos do Código de Processo Civil, sendo certo que esta se revelava determinante para o desfecho dos autos IV. Assim, a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art. 608.º e 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.

  3. Sem prescindir, salvo o muito e devido respeito, considera a Recorrente que andou mal o Tribunal recorrido na interpretação que deu ao disposto nos artigos 10.º, números 1 e 2, alínea a), 12.º, número 1 e 30.º do NRAU, através da qual concluiu que a comunicação efetuada pela Autora é ineficaz, porquanto deveria ter remetido separadamente uma carta para cada um dos cônjuges, ora Recorridos.

  4. É que, no entendimento do ilustre Juiz a quo, para a comunicação produzir os seus efeitos, deveria o senhorio, no caso a Recorrente, remeter a cada um dos cônjuges individualmente uma comunicação, a informar da transição do contrato de arrendamento para o NRAU, sendo que o aviso de receção de cada uma das cartas teria obrigatoriamente de ser assinado pelo respetivo destinatário, sob pena de a comunicação se considerar ineficaz.

  5. Ora, vistas assim as coisas, se as cartas continuassem a ser sucessivamente subscritas por pessoa que não o efetivo destinatário, a comunicação de transição nunca se consideraria validamente efetuada, vinculando-se, assim, eternamente o senhorio a uma situação por si indesejada.

  6. Sendo certo que não se depreende os objetivos inerentes àquele entendimento, alerte-se para o facto de essa solução poder criar situações conflituantes, pois que ao remeter duas comunicações individuais a cada um dos cônjuges, parece que aos dois será conferido direito de resposta, ainda que apenas um seja o efetivo arrendatário – como sucede nestes autos.

  7. Se a intenção do legislador foi a de que ambos os cônjuges tenham conhecimento efetivo da intenção do senhorio de transitar o contrato de arrendamento para o NRAU, considerando que aqueles vivem na designada comunhão de mesa, habitação e leito, afigura-se que uma comunicação dirigida a ambos os cônjuges cumpre perfeitamente essa função.

  8. Mas mais, não se pode sequer olvidar que é a própria Recorrida arrendatária que confirma a receção da carta remetida pela Recorrente a comunicar a referida transição do contrato para o NRAU, pelo que só em total abuso de direito e violação do dever de boa fé se poderá considerar que tal comunicação não foi regularmente efetuada.

  9. tudo isto com a agravante de que a Ré ao rececionar a carta dirigida a si e ao seu marido nem sequer se dignou responder à mesma, conformando-se com o meio e o teor da comunicação efetuada, apesar de ser a cônjuge arrendatária.

  10. Face ao exposto, ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 12.º, número 1 e 30.º, número 1, ambos do NRAU».

    Foi apresentada resposta na qual se sustentou a improcedência do recurso interposto e a consequente manutenção do decidido.

    O recurso foi então admitido pelo Tribunal recorrido como apelação, subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

    II.

    Delimitação do objeto do recurso Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) -, o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões: A) Da nulidade da decisão recorrida; B) Validade e eficácia da comunicação relativa à transição do contrato de arrendamento para o NRAU e atualização da renda enviada pela apelante aos réus e a consequência daí decorrente para o mérito da ação.

    Corridos os vistos, cumpre decidir.

  11. Fundamentação 1.

    Os factos 1.1.Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na decisão recorrida: a) Por documento escrito A. F. declarou ceder a L. M., para sua habitação, o gozo do imóvel situado na Rua ...

    , em Guimarães, pelo prazo de 1 ano, a começar em 01.01.1966, e contra o pagamento de uma renda anual de 14.400$00, a liquidar em duodécimos de 1.200$00 no 1.º dia do mês a que respeitassem na casa do senhorio; b) O imóvel identificado em a) integra actualmente a herança líquida e indivisa aberta por óbito de A. M., de que a A. é cabeça-de-casal; c) Por óbito do L. M. o direito de gozo foi transmitido para a sua filha, aqui R.; d) O imóvel referido em a) constitui a casa de morada de família dos RR.; e) Em Abril de 2018, fruto de sucessivas actualizações, o valor dos duodécimos mencionados em a) era de €258,29; f) Com data de 12.04.2018 e endereçada a ambos os RR., a A. remeteu-lhes uma (única) carta registada, com AR; g) Lê-se na carta referida em f): “Vem na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de seu marido A. M. (...) comunicar-lhes, nos termos e para os efeitos no art. 30.º do NRAU (...) que o contrato de arrendamento fica submetido ao NRAU bem como que - O valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis é de €123.261,01, conforme caderneta predial que se junta, - O valor da renda passa para o montante mensal de €684,79 (...) o que corresponde a 1/15 do valor patrimonial do locado.

    - O contrato de arrendamento para fins habitacionais passa a ter a duração certa de um ano a contar da presente data.

    Mais informo V. Exas. de que dispõem de trinta dias, a contar da recepção da presente carta, para se opor à presente comunicação, através dos meios previstos no art. 31.º do NRAU, sendo que a falta de resposta por parte de V. Exas. no referido prazo vale como aceitação da renda, bem como do tipo e da duração do contrato constante da presente comunicação, ficando o mesmo...

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