Acórdão nº 1953/19.0T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ ALBERTO MARTINS MOREIRA DIAS
Data da Resolução08 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

  1. RELATÓRIO.

Recorrentes: J. F., M. C. e S. C..

Recorrido: Banco ..., S.A.

J. F., residente na Rua …, Guimarães, instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra Banco ..., S. A., com sede na Rua …, Lisboa, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 131.050,27, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Para tanto alega, em síntese, que em 19.03.2014, realizou um investimento, através do Banco Réu, no montante de USD 200.000,00, que aplicou em 200 obrigações da empresa X, S.A.; A X encontra-se em processo de recuperação judicial, que corre termos no Tribunal da Comarca do Rio de Janeiro; O plano de recuperação foi votado e aprovado em assembleia geral de credores em 19 e 20.12.2017 e foi homologado em 08.01.2018; O prazo para que os credores individualizassem os seus créditos terminou em 08.03.2018; Ficou determinado que os credores que reclamaram e individualizaram os seus créditos receberiam metade do capital no prazo de seis anos, acrescido de juros de 6% ao ano, ao contrário dos credores que não reclamaram e individualizaram os seus créditos, que ficaram sujeitos às decisões e votações do T.

, concretamente a um período de 20 (vinte) anos de carência para reaver o capital e sem quaisquer juros; Acontece que o Banco Réu nunca o informou do referido processo de recuperação judicial da X, SA, seus procedimentos e prazos para agir, o que fez com que não tenha individualizado o seu crédito, sendo considerado um credor geral; O Banco Réu participou ativamente na votação e aprovação do plano de recuperação, sendo exigível que o tivesse informado dos procedimentos a tomar; Por força da atuação do Réu, restou um prejuízo para a Autora de € 89.007,57, o que corresponde a metade do capital investido, a multiplicar por 6%/ano, que teria recuperado se tivesse reclamado e individualizado o seu crédito; Pela perda de chance em reclamar e individualizar o seu crédito, provocada pela conduta do Réu, sofreu ansiedade, angústia e instabilidade psicológica.

O Réu contestou defendendo por exceção e por impugnação.

Invocou a exceção da ilegitimidade ativa, por preterição de litisconsórcio necessário ativo, decorrente do Autor ter proposto a ação desacompanhado da mulher e da filha, que também são titulares das obrigações: Invocou a exceção perentória da caducidade do direito de ação, por aplicação do disposto no artigo 243º/b), Código dos Valores Mobiliários; Impugnou parte dos factos alegados pelo Autor sustentando que transmitiu a informação necessária ao Autor para tomada de decisão sobre a ordem de compra das obrigações; na qualidade de guardador dos títulos ou intermediário, não está obrigado a prestar informações relativas ao risco de insolvência da emitente; o Autor tinha conhecimento de que a X, estava em processo de recuperação, impendendo sobre si o ónus de reclamar os seus direitos; sendo a assessoria jurídica um ato próprio da profissão de advogado, estava-lhe vedado a realização desse tipo de aconselhamento, tendo indicado ao Autor que recorresse a serviços jurídicos, por comunicação de 23.04.2018; o Autor teve conhecimento das vicissitudes do processo de insolvência, por força da sua divulgação nos meios de comunicação social, sendo que a falta de individualização do crédito deveu-se a culpa do mesmo, que não procurou aconselhamento jurídico; não há dano, uma vez que o Autor irá receber a totalidade do seu crédito, embora num prazo mais alargado; se o Autor tivesse recebido metade do capital investido, por ter procedido à reclamação e individualização do seu crédito, não iria obter maior retorno do que se recebesse o crédito no termo do período de carência de 20 anos.

O Autor respondeu concluindo pela improcedência da exceção perentória da caducidade invocada pelo Réu, sustentando que a norma do artigo 243º/b) do CMV, respeita a deficiências na informação publicitária, não sendo inaplicável ao presente caso, uma vez que a causa de pedir que fundamenta a ação consiste na violação dos deveres de informação por parte do Banco Réu enquanto guardador de títulos. Para além disso, sustentou que a comunicação de 23.04.2018, alegadamente remetida, constitui uma carta-tipo com considerandos gerais, que é ausente de informação completa, tempestiva, clara e objetiva.

M. C. e S. C. deduziram incidente de intervenção principal espontânea, com vista a suprimirem a ilegitimidade ativa do Autor para desacompanhado das mesmas instaurar a presente ação, alegando serem também titulares das obrigações objeto dos presentes autos e declarando fazerem seus os articulados apresentados pelo Autor.

Observado o contraditório, dispensou-se a realização de audiência prévia, proferiu-se despacho saneador, admitiu-se a intervenção espontânea de M. C. e de S. C., declarou-se (por via implícita) encontrar-se prejudicado o conhecimento da exceção dilatória da ilegitimidade ativa invocada pelo Réu, relegou-se expressamente, para sentença final, o conhecimento da exceção perentória da caducidade, fixou-se o valor da causa, o objeto do litígio e os temas de prova e conheceu-se dos requerimentos probatórios apresentados pelas partes, designando-se data para a realização da audiência final.

Realizada audiência final, proferiu-se sentença julgando a ação totalmente improcedente e absolvendo o Réu do pedido, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva: “Em face do exposto, julgo a presente ação totalmente improcedente, absolvendo o Banco ..., SA, do pedido.

As custas da presente ação são da responsabilidade do Autor e Intervenientes, por força do seu decaimento (cfr. artigo 527º/1/2, do CPCiv)”.

Inconformados com o assim decidido, o Autor e as intervenientes interpuseram o presente recurso de apelação, em que formulam as seguintes conclusões: 1º- A sentença, dá como provado que se o recorrente tivesse tido conhecimento do aludido em f), teria procedido à individualização do seu crédito e, recebendo metade do capital investido na compra das obrigações mais os juros, tê-lo-ia reinvestido em valores mobiliários e que o facto de não ter tido conhecimento e de não poder reaver o capital no prazo de 6 (seis) anos ou de poder ficar sem o mesmo pelo prazo de vinte anos geraram grande ansiedade e perturbação no autor, veja-se pontos j) e k) da sentença.

  1. - Ficou provado que o Banco enviou aos recorrentes a comunicação que consta de fls. 44, datada de 23.04.2018, m) da sentença, sendo que a própria decisão recorrida a páginas 16 reconhece que o envio da carta nada diz sobre a possibilidade dos recorrentes optarem pela reestruturação do crédito e obter o seu pagamento num período de carência mais curto.

  2. - Por conseguinte, da factualidade dada como provada nos pontos e), f), g), h), i), j), k), l) e m) da sentença, resulta cristalino que os factos constantes dos pontos q), r) e s) dos factos não provados, estão em contradição e deveriam ter sido dados como provados.

  3. - Ainda que, os factos constantes dos pontos q), r) e s), sejam julgados não provados, ou seja, que a data da homologação do plano de recuperação não tivesse sido 08 de janeiro de 2018, que o prazo para os credores individualizassem os seus créditos não tivesse terminado em 08 de março de 2018, 5º- o que não se concede e apenas por mera hipótese de raciocínio e dever de patrocínio se equaciona, os factos julgados provados nos pontos e), f), g), h), i), j), k), l) e m) da sentença, deveriam levar à condenação do recorrido, atento que são demonstrativos de que ficou consignado no plano de recuperação que os credores que reclamaram e individualizaram os seus créditos recebem metade do capital no prazo de seis anos, acrescido de juros, depois de um período de carência de seis anos e que o recorrido não informou os recorrentes do prazo em que os mesmos poderiam ter ido reclamar créditos ao processo de recuperação judicial da X,S.A.

  4. - O recorrido nunca refutou que participou na votação e aprovação do plano apresentado no processo de recuperação da X, S.A., e que a data da homologação do plano de recuperação foi 08 de janeiro de 2018 e que o prazo para que os credores individualizassem os seus créditos terminou em 08 de março de 2018.

  5. - O recorrido apenas colocou em causa que não tinha a obrigação de informar.

    8ª- Das declarações de parte do recorrente J. F., acima transcritas, sobressai a exatidão, clareza e razão de ao explicar em pormenor que a data da homologação do plano de recuperação ocorreu em 08 de janeiro de 2018 e que o prazo para que os credores individualizassem os seus créditos terminou em 08 de março de 2018 9ª- Pelo que, resulta seguro que, os factos constantes das alíneas q) e r) dos factos não provados, deveriam ter sido dado como provados.

  6. -A decisão recorrida valorou positivamente as declarações de parte do recorrente J. F., pelo que assumem valor probatório e deveriam ter levado o Tribunal “a quo” a decidir como provado que do plano de recuperação ocorreu em 08 de janeiro de 2018 e que o prazo para que os credores individualizassem os seus créditos terminou em 08 de março de 2018.

  7. - Ademais, tratando-se de factos públicos, notórios e que são do conhecimento geral, deveria, por si só, levar o tribunal recorrido a efetuar um juízo de prognose no sentido de julgar provados esses mesmos factos, isto é, dar como provados na sentença os factos das referidas alíneas q) e r), nos termos do artigo 412º, nº1 do Código de Processo Civil.

  8. - Não se compreende o alcance e sentido que o Tribunal “a quo” pretende com o facto constante do ponto s) da factualidade dada como não provada.

  9. - Aliás, no ponto i) da decisão recorrida, consta provado que os recorrentes não foram informados até 08/03/2018 pelo recorrido de que deveria ter individualizado o seu crédito ou da existência de prazo para o efeito.

  10. - Salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo”, confunde e extravasa a causa de pedir desta ação.

  11. - Com a instauração da...

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