Acórdão nº 2196/20.5T8VNF-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO MATOS
Data da Resolução08 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.

*ACÓRDÃO I – RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1. c. c.

, residente na Rua …, n.º …, em …, Barcelos, propôs a presente acção especial, contra p. p.

, residente na Rua …, n.º .., em Esposende, pedindo que · fosse declarado o estado de insolvência do Requerido.

Alegou para o efeito, em síntese, que o passivo do Requerido seria manifestamente superior ao seu activo, estando por isso o mesmo impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.

1.1.2.

Pessoal e regularmente citado, o Requerido não deduziu qualquer oposição.

1.1.3.

Foi proferida sentença, em 23 de Março de 2020, declarando a insolvência do Requerido, determinando a imediata apreensão dos seus bens, e fixando em trinta dias o prazo para reclamação de créditos.

1.1.4.

O Ministério Público requereu que lhe fosse aberta vista para se pronunciar logo que fosse junto o relatório do administrador de insolvência, lendo-se nomeadamente no seu requerimento: «(…) Ao abrigo do princípio da cooperação entre magistrados previsto no artº 7º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o signatário informa que é conhecedor que o Tribunal terá transmitido ordens verbais à secção para não abrir vistas ao Ministério Público sem ter subjacente qualquer fundamentação escrita (consubstanciada num despacho ou provimento a demonstrar a legalidade daquelas instruções).

Esta forma de actuação já foi hierarquicamente transmitida para os efeitos tidos por convenientes.

Assim, requer-se que: 1. seja aberta vista ao Ministério Público para se pronunciar logo que junto o relatório a que alude o artº 155º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (como sempre sucedeu e deverá continuar a ocorrer); 2. caso o Tribunal opte por não determinar a abertura de vista ao Ministério Público, tome posição escorada na lei para que nos seja lícito recorrer desse mesmo despacho.

(…)» 1.1.5.

Foi proferido despacho, indeferindo a abertura de vista requerida pelo Ministério Público, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Requerimento de 24-6-2020: Indefiro o requerido pois o MP pronuncia-se quanto ao teor do relatório a juntar pelo administrador enquanto representante de um credor da insolvência e não há fundamento legal para abrir vista a um credor da insolvência face ao princípio da igualdade de tratamento dos credores da insolvência pois todos se pronunciam por requerimento. Já não assim quando se trata de tomar posição quanto representante do Estado. Notifique.

(…)»*1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformado com esta decisão, o Ministério Público interpôs recurso de apelação, pedindo que fosse revogado o despacho recorrido, reconhecendo-se a sua nulidade, por falta de fundamentação, e determinando-se a abertura de vista para que emita pronúncia sobre o relatório do Administrador da Insolvência.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis): 1.

Não se detecta qualquer amparo factual, adjectivo ou substantivo (note-se que não foi feita referência a qualquer normativo legal) para suportar o despacho esquadrinhado que, de uma forma singela, limitou-se a fazer apelo a um equívoco princípio de igualdade de tratamento de credores para não determinar a abertura de “vista” ao magistrado do Ministério Público subscritor das presentes alegações, imprecisamente apodado de “credor da insolvência”; 2.

Esta deliberação é nula por falta de fundamentação nos termos das disposições conjugadas dos arts. 154º, nº 1, e 615º, nº 1, al. b), este aplicável ex vi 613º, nº 3, todas as disposições do Código de Processo Civil; 3.

A mesma nulidade deve ser obrigatoriamente apreciada na primeira instância, conforme preceituado no artº 617º, nº 1, do Código de Processo Civil; 4.

O Ministério Público é uma magistratura autónoma e paralela à judicial e, como tal, a prática de actos processuais pelo seu corpo de magistrados tem a mesma dignidade que a destes, aliás atestada de forma expressiva e unívoca pela lei adjectiva e administrativa (arts. 156º, nºs. 2 e 3, do Código de Processo Civil, e 19º, nº 1, da Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto), não podendo um Procurador da República quando no exercício das funções infra ser equiparado a ilustre causídico em patrocínio de parte interessada; 5.

No Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o Ministério Público tem um poder de iniciativa e intervenção com fundamento normativo próprio, autónomo e independente daquele que respeita aos credores; 6.

Intervém a título principal nas insolvências, e processos afins, na defesa dos interesses colectivos/públicos e, reflexamente, na defesa das entidades (credores) por si representadas; 7.

Tal realidade abrange as tipificadas intervenções processuais (prestações de contas, incidentes de qualificação da insolvência e participação em assembleias de credores, as duas primeiras em “termo de vista” e nunca através de requerimentos), sistemáticas e independentes da representação de credores; 8.

Mas abarca, também e seguramente, todas as outras manifestações processuais que, não estando expressamente previstas, resultam da boa e correcta instrução do processo e da defesa dos interesses públicos (reflexamente dos credores por si representados, quando tal ocorre) que ao Ministério Público está acometida [pronúncia sobre o relatório a que alude o artº 155º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, quando não é realizada a assembleia de credores (1), sobre o cálculo da remuneração variável (2) e sobre o mapa de rateio, logo que junto [3]; 9.

Os actos dos magistrados do Ministério Público são concretizados no âmbito dos “termos de vista” (tal como aqueles dos magistrados judiciais são cristalizados em “termos de conclusão”) que, inclusivamente, abarcam a previsão processual de vistas “de mero expediente”; 10.

A existência da magistratura do Ministério Público está constitucionalmente consagrada, também como garante da legalidade; 11.

Foram violados os arts. 202º, nº 2, e 219º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, 4º (assim agasalhando uma interpretação inconstitucional dos poderes organizacionais dos juízes e comprimindo intoleravelmente a actuação funcional do Ministério Público), als. a), h), j) e m), 9º, al. f), e 96º da Lei nº 68/2019, de 27 de Agosto, 3º, nº 2, da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 2/2020, de 31 de Março, 7º, nº 1, 154º, nº 1, 156º, nºs. 2 e 3, e 615º, nº 1, al. b), este aplicável ex vi artº 613º, nº 3, todos do Código de Processo Civil.

*1.2.2. Contra-alegações Não foram apresentadas contra-alegações.

*II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR 2.1. Objecto do recurso - EM GERAL O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).

*2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pelo Ministério Público, duas questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal: 1.ª - É o despacho recorrido nulo, por o Tribunal a quo por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (subsumindo-se desse modo ao disposto no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC) ? 2.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada...

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