Acórdão nº 239/19.5T8PRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelEDUARDO AZEVEDO
Data da Resolução08 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães E. C. intentou ação com processo comum contra X, Detergentes Químicos …, Lda, J. P. e seu cônjuge M. P..

Pediu: “1) Julgar-se nula e de nenhum efeito a escritura de compra e venda datada de 30.05.2018 e, consequentemente, nulo e de nenhum efeito o negócio de compra e venda celebrado entre I. e II. RR. titulado pela mesma escritura, relativa ao prédio identificado no artº 1º da P.I.; 2) Ordenar-se o cancelamento na Conservatória do Registo Predial de … do registo de inscrição feito pelos II. RR. com base na mencionada escritura; (…); subsidiariamente, ser: 4) declarada a ineficácia do contrato de compre e venda celebrado entre os RR. restituindo-se o imóvel alienado ao património do I Réu.

5) Ordenar-se o cancelamento na Conservatória do Registo Predial de … do registo de inscrição feito pelos II. RR. com base na mencionada escritura;”.

Alegou, em síntese: em 30.05.2018 foi celebrada escritura de compra e venda de prédio misto entre a R e o 2º R; a 1ª R tinha-lhe criado expectativas que lhe vendia o prédio; essa escritura radica na falsidade da certidão emitida pela Câmara Municipal de …, na parte em que declara que a parte urbana foi edificada anteriormente ao ano de 1951; a escritura pública de compra e venda teria de ser instruída com licença de utilização; e não o tendo sido, o negócio de compra e venda é nulo.

Os 1º e 2ª RR contestaram, além do mais, arguindo a falta de interesse em agir e a litigância de má-fé, pedindo a condenação em multa e indemnização.

O A pronunciou-se, invocando o exercício abusivo de direito e mantendo a sua posição inicial, já que, além do mais, “perante o conflito entre a manutenção dos atos praticados (cuja nulidade é invocada, por se fundarem em documento falso) e a consideração do interesse em agir do A., deverá, a nosso ver, prevalecer o direito do A. em ver tais atos declarados inválidos e ineficazes”.

Na oportunidade da condensação e saneamento foi proferido despacho: “O autor intentou a presente ação contra os réus, tendo em vista que se declare a nulidade da escritura de compra e venda celebrada entre estes, radicada na falsidade da certidão emitida pela Câmara Municipal de …, na parte em que declara que a casa de rés-do-chão e primeiro andar contida no prédio objeto da venda foi edificada anteriormente ao ano de 1951. Entende o autor que, sendo aquela declaração falsa, a escritura pública de compra e venda teria de ser instruída com licença de utilização, nos termos do previsto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 281/99 de 26 de Julho. Não o tendo sido, o negócio de compra e venda é, segundo crê, nulo por ter sido celebrado contra disposição legal de carácter imperativo (artigo 294.º do Código Civil).

O autor justifica a sua iniciativa de propor a presente ação, uma vez que a ré X “foi dando ao A. algumas expectativas” de que lhe venderia o prédio objeto dos autos e, contrariando essas expectativas, a primeira ré vendeu o prédio aos segundos réus.

Os réus arguiram a falta de interesse do autor em agir, uma vez que o mesmo não pode ser considerado interessado para os efeitos previstos no artigo 286.º do Código Civil (“A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado”).

Convidado o autor a pronunciar-se sobre a matéria de exceção invocada na contestação, o autor pugnou pela sua não verificação, reafirmando que o seu interesse em agir, fundado na expectativa que tinha de adquirir da primeira ré o prédio objeto da ação.

Interessado na invocação do vício da nulidade de um negócio jurídico há-de ser o titular de um direito prejudicado na sua consistência jurídica, prática ou económica pelo negócio jurídico nulo, apresentando-se, por conseguinte, o seu interesse na declaração de nulidade como direto e não reflexo ou indireto (neste sentido, veja-se Antunes e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, pág. 263, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, 2.ª reimpressão, Coimbra Editora, p. 620, e LEBRE DE FREITAS - O conceito de interessado no artigo 286º do Código Civil e sua legitimidade processual, in Estudos em Memória do Professor Doutor José Dias Marques, 2007, p. 384).

Significa então que não basta ao autor apresentar um interesse vago, devendo alegar ser titular de relação jurídica que, de algum modo, possa ser afetada pelos efeitos que o negócio jurídico em crise tendia a produzir.

Ora, o autor não alegou ser titular de qualquer direito afetado pelo negócio jurídico em causa.

Alega o autor que a ré X lhe foi dando algumas expectativas de que lhe venderia o prédio objeto dos autos e, contrariando essas expectativas, vendeu-o aos segundos réus.

Ora, a existência de alguma expectativa de compra do prédio não corresponde à titularidade de qualquer direito de compra ou mesmo sequer à existência de qualquer expectativa de compra juridicamente fundada.

A declaração de nulidade do negócio jurídico de compra e venda em nada mudaria a posição do autor, que nunca poderia exigir da primeira ré a venda a si do prédio. Quer isto dizer que a celebração do contrato de compra e venda pela primeira ré aos segundos não consubstanciou a violação de qualquer direito ou interesse legítimo juridicamente fundado do autor, não servindo a presente ação para obter a reposição de qualquer direito ou interesse jurídico do autor violado pela X.

E se assim é, o autor carece de interesse em agir, exceção dilatória inominada que impede este Tribunal de conhecer o mérito da causa.

Atentas as considerações e os fundamentos expostos e, bem assim, o disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, n.º 2, 577.º e 578.º do Código de Processo Civil, julgo verificada a exceção dilatória inominada de falta processual de interesse em agir do autor e, em consequência, absolvo os réus da instância.

Custas processuais pelo autor, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

*Apesar de os réus terem sido absolvidos da instância, subsiste para decidir a questão de saber se o autor atuou como litigante de má fé, motivo pelo qual deverá esta ação prosseguir apenas com esse objetivo.”.

O A recorreu e concluiu: “1. Têm legitimidade ativa para propor ações de nulidade, ao abrigo do art.º 286º do Código Civil, quaisquer interessados e não apenas as pessoas diretamente interessadas.

  1. Por "qualquer interessado" entende-se não apenas a pessoa diretamente afetada pelo registo, mas ainda todo aquele que revele possuir um interesse meramente indireto ou mediato.

  2. A disciplina do regime geral estabelecido no Código Civil Código Civil quanto à legitimidade ativa consubstancia interesse em agir como um titular de qualquer relação que possa ser afetada na sua consistência, jurídica ou prática, pelo negócio inválido, independentemente de ser direta ou indiretamente afetado, o que aliás se reflete transversalmente na Doutrina citada.

  3. Até porque o regime da nulidade é estabelecido em casos de violação de regras imperativas, de interesse público, que são do conhecimento oficioso, não sendo, portanto, de exigir, sob pena de frustração dessa sua natureza, requisitos...

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