Acórdão nº 1478/19.4T8BCL-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelFERNANDA PROENÇA
Data da Resolução08 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório.

J. M., veio interpor acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, no Juízo de Família e Menores de Barcelos - Juiz 1, Comarca de Braga, contra A. C., invocando a separação de facto do casal, e peticionando que seja decretado o divórcio entre autor e ré, determinando-se que os efeitos do divórcio retroajam à data da separação de facto, ocorrida no mês de Novembro de 2017, nos termos do art. 1789º nº 2 do Código Civil.

Frustrada a tentativa de conciliação, foi a ré notificada para contestar a acção.

A ré contestou e deduziu pedido reconvencional, nos seguintes termos: “ deverá a presente reconvenção ser julgada procedente, devendo ser decretado o divórcio entre a aqui Ré e o Autor, com efeitos retroactivos, tanto pessoais como patrimoniais, à data da cessação da co-habitação, entre ambos que deve ser fixada, pelo menos em Novembro de 2017, e em consequência:

  1. Ser atribuído à Ré a título provisório a utilização da casa morada de família; b) Ser atribuído à Ré a título definitivo a utilização da casa morada de família; c) Condenar-se o Autor ao pagamento de uma pensão de alimentos a título provisório à Ré, no valor mensal de pelo menos 150, 00 € (cento e cinquenta euros), d) Condenar-se o Autor ao pagamento de uma pensão de alimentos a título definitivo à Ré, no valor mensal de pelo menos 150, 00 € (cento e cinquenta euros), e) Condenar-se o Autor a pagar à Ré o montante de 5 000,00 € (cinco mil euros) a título de indemnização dos danos não patrimoniais resultantes da dissolução do casamento.” Replicou o autor, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional deduzido.

    Foi proferido a 20/11/2019 o seguinte despacho (no que aos autos interessa): “Da Reconvenção Na sua contestação, a Ré deduziu reconvenção contra o Autor, pedindo que seja decretado o divórcio entre ambos, “com efeitos retroativos, tanto pessoais como patrimoniais, à data da cessação da coabitação, entre ambos que deve ser fixada, pelo menos, em Novembro de 2017”.

    Mais requereu a condenação do Autor numa indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos com a dissolução do casamento, no valor de 5.000€, que lhe seja atribuída a utilização da casa de morada de família, tanto a título provisório, como definitivo, e que o A. Seja condenado a pagar-lhe, tanto a título provisório, como definitivo, a quantia mensal de 150€ a título de alimentos.

    O Autor replicou, pugnando pela improcedência da reconvenção deduzida pela Ré.

    Vejamos então, em primeiro lugar, se a reconvenção é admissível.

    Como é sabido, a Lei nº 61/2008, de 31.10, alterou o CC, tendo vindo consagrar, a par do divórcio por mútuo consentimento, uma nova modalidade de divórcio, o “divórcio sem consentimento de um dos cônjuges” – art.º 1773º do C. Civil -, ou seja, o chamado “divórcio sem culpa”.

    Assim, foi alterada, designadamente, a redação dos art.os 1773º e 1775º.

    Da citada Lei nº 61/2008 resulta que são três as modalidades de divórcio: o divórcio por mútuo consentimento requerido na conservatória do registo civil; o divórcio por mútuo consentimento requerido no Tribunal e o divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges.

    Na primeira modalidade, os cônjuges não só estão de acordo em divorciar-se, como existe acordo quanto aos designados “acordos complementares” a que alude o art.º 1775º e que são: o acordo sobre a regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores, caso não esteja já regulada; o acordo sobre o destino da casa de morada de família se os cônjuges a tiverem; o acordo quanto à prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça e o acordo sobre a relação dos bens comuns, no caso de os cônjuges optarem, desde logo, por procederem à partilha dos bens comuns.

    Na segunda modalidade de divórcio, as partes apenas estão de acordo quanto ao divórcio, não existindo acordo quanto aos “acordos complementares” acima referidos.

    Na terceira modalidade de divórcio, não existe, pura e simplesmente, consenso quanto ao divórcio.

    Como analisa António José Fialho - in “Divórcio”, Centro de Estudos Judiciários, julho de 2014, págs. 64-65-, “ (…) face ao atual quadro legal do divórcio sem consentimento - expurgada a discussão da culpa - parece não fazer sentido a dedução de reconvenção por parte do réu na medida em que, se este manifesta igualmente a vontade em obter o divórcio, estão criadas as condições para a conversão do divórcio em mútuo consentimento já que, mesmo na ausência de consenso quanto às consequências do divórcio, o tribunal sempre teria que fixar tais questões (artigo 1778.º-A do Código Civil).

    Não obstante, existem duas situações em que vislumbramos a importância de um pedido reconvencional: a primeira, se o réu tiver interesse na fixação da data da separação de facto para efeitos patrimoniais e esse pedido não tenha sido formulado pelo autor (artigo 1789.º, n.º 2 do Código Civil) e a segunda, se o réu tiver interesse na obtenção de uma decisão que constitua caso julgado relativamente a uma futura ação de responsabilidade civil por facto ilícito contra o autor (artigos 1792.º, n.º 1 do Código Civil e 619.º, 621.º e 622.º, todos do Código de Processo Civil).” Isto posto e vertendo ao caso em sujeito, tendo a Ré manifestado a pretensão de que seja fixada uma data de separação idêntica àquela que foi indicada pelo A., não vislumbramos utilidade na apreciação da reconvenção, no que concretamente se refere ao corpo do pedido (“devendo ser decretado o divórcio entre a aqui Ré e o Autor, com efeitos retroactivos, tantos pessoais como patrimoniais, à data da cessação da co-habitação entre ambos, que deve ser fixada, pelo menos em Novembro de 2017”).

    Temos, pois, por inadmissível, nessa parte, o pedido reconvencional.

    * * *Do pedido de fixação de alimentos e de utilização da casa de morada de família (a título provisório e definitivo): Na contestação/reconvenção, a R. vem, ademais, pedir que lhe seja atribuída a utilização da casa de morada de família, a título provisório e definitivo, e que sejam lhe sejam fixados alimentos, a título provisório e definitivo.

    Vejamos.

    Nos termos 931º, n.º 7 do CPC, “Em qualquer altura do processo, o juiz, por iniciativa própria ou a requerimento de alguma das partes, e se o considerar conveniente, pode fixar um regime provisório quanto a alimentos, quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos e quanto à utilização da casa de morada da família; para tanto, o juiz pode, previamente, ordenar a realização das diligências que considerar necessárias.”.

    “O art. 931º, nº 7, do CPC consagra tão só uma providência cautelar, de carácter especialíssimo, como preliminar ou incidente enxertado na própria ação de divórcio, com a finalidade de garantir a satisfação das necessidades essenciais de sustento, habitação e vestuário do cônjuge carecido.” – Acórdão da Rel. de Évora de 12.10.2017, em www.dgsi.pt.

    “I - O regime processual previsto no n.º 2 in fine e no n.º 7 do artigo 931.º do CPC constitui incidente na tramitação da acção de divórcio “sem consentimento do outro cônjuge”, tendo natureza provisória, como expressamente resulta das citadas disposições legais: é provisório o acordo obtido quanto ao destino da casa de morada de família [vigorando em regra “durante o período de pendência do processo” – art. 931/2]; é provisório o regime adoptado na decisão do juiz proferida perante a inviabilidade do acordo das partes [como expressamente o define o n.º 7 do art. 931.º].” – Acórdão da Rel. do Porto de 15.06.2015, também em www.dgsi.pt.

    A lei faz depender de critérios de oportunidade e conveniência a fixação, em sede de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, do regime, necessariamente provisório, seja quanto a alimentos entre cônjuges, seja quanto ao destino da casa de morada de família. Está, portanto, afastada, no âmbito do processo de divórcio, a possibilidade de uma decisão com carácter tendencialmente definitivo quanto a esses aspetos.

    Por outro lado, não basta a inexistência de acordo quanto a tais matérias, entre outras, pois que foi justamente a inexistência de acordo que determinou o prosseguimento do processo de divórcio, depois da tentativa de conciliação.

    Aqui chegados, e tendo em atenção a natureza de “providência cautelar, de carácter especialíssimo” que assumem as decisões a tomar nos termos do disposto no art.º 931º, n.º 7 do CPC, exige-se a alegação de factos de onde se conclua pela conveniência da fixação do regime provisório. Essa alegação há de passar necessariamente, pela urgência do decretamento das medidas requeridas; urgência que torne inconveniente que se aguarde pelo desfecho do processo de divórcio e que, em sede própria, sejam definitivamente fixadas as matérias relativas a alimentos entre cônjuges ou a utilização da casa de morada de família, que é o que está em causa nos presentes autos.

    No caso concreto, não vem alegada qualquer urgência. Os factos alegados pela R. para requerer o decretamento das referidas providências são aqueles que alegaria – e alega (cfr. os art.os 47º, 48º e 66º) – para o seu decretamento, a título definitivo, nenhuma razão sendo invocada de onde resulte a necessidade e/ou conveniência do seu decretamento, com caráter provisório. Pelo exposto, considerando não estarem reunidos os requisitos a que se reporta o art.º 931º, n.º 7 do CPC, não temos por admissíveis os pedidos de fixação de alimentos, bem como de atribuição da casa de morada de família formulados pela R., a título provisório.

    O mesmo se diga quanto aos mesmos pedidos, formulados a título definitivo, por ademais, se basearem em factos jurídicos que extravasam os fundamentos, seja da ação, seja da defesa, não estando reunidos os requisitos de admissibilidade da reconvenção previstos no art.º 266º, n.º 2 do CPC.”*Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso a ré, a qual, a terminar as respectivas alegações...

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