Acórdão nº 1243/19.9T8FAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução29 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório O Ministério Público instaurou, no Juízo Local Cível de Fafe, ação especial para acompanhamento de maior, em relação ao requerido A. F.

, casado, nascido a ..

-03-1940, alegando, no essencial, que o mesmo padece de doença de Parkinson associada a lesão do sistema nervoso, problemas que condicionam a sua capacidade funcional para a realização de atividades diárias, carecendo de apoio permanente de terceiros.

Conclui que o requerido está incapacitado de sobreviver sem o acompanhamento permanente de terceiros, necessitando de quem legalmente o represente e cuide da sua pessoa e bens. Requer se decrete o acompanhamento do requerido, por razões de saúde.

Mais requereu a nomeação de S. F., filho do beneficiário, para acompanhante do requerido.

Recebida a petição, foi tentada a citação pessoal do requerido, a qual não se mostrou possível em virtude da constatada incapacidade de o mesmo a receber, após o que veio a ser nomeado defensor ao requerido.

O requerido foi, então, submetido a exame pericial, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 899.º do Código de Processo Civil (CPC), com os resultados que constam do relatório junto ao processo.

Foi designada data para audição do requerido/beneficiário, o qual não logrou responder às questões colocadas, após o que foram solicitados alguns esclarecimentos ao acompanhante indicado na petição inicial - S. F., filho do requerido - no âmbito da referida diligência.

O processo foi com termo de vista ao Ministério Público que se pronunciou, mediante promoção datada de 1-07-2020, no sentido do decretamento do acompanhamento requerido, mais promovendo a nomeação da pessoa já indicada na petição inicial como acompanhante do beneficiário bem como a designação para o conselho de família de outros dois filhos do beneficiário, no caso, A. R. e A. C.

.

Após contraditório, veio S. F. requerer a sua nomeação para acompanhante do beneficiário no âmbito da medida de acompanhamento a decretar, bem como a dispensa de constituição do conselho de família, sustentando, em síntese, ser ele a pessoa mais próxima do beneficiário, sendo também o único responsável pelas decisões da sua vida e sustentando que os outros filhos do beneficiário, que foram indicados para integrarem o conselho de família, muito embora residentes em Fafe, estão ausentes da vida do beneficiário, fazendo visitas esporádicas e sendo informados telefonicamente pelo irmão S. F. sobre o estado de saúde de seu pai, tendo já manifestado que não dispunham de tempo para assumir quaisquer responsabilidades quanto ao beneficiário. Conclui que a constituição do conselho de família só irá protelar a resolução de muitas questões da vida do beneficiário, sobretudo no que diz respeito à sua saúde, porquanto o acompanhante estará sempre dependente do consentimento e da anuência dos seus irmãos que nunca estão disponíveis, o que poderá prejudicar gravemente o beneficiário.

Perante o requerimento apresentado por S. F. foram os autos novamente ao Ministério Público para se pronunciar sobre se mantinha a pretensão de ser constituído conselho de família, o que veio a reiterar por promoção datada de 14-07-2020, devidamente notificada ao beneficiário e aos filhos que foram indicados para integrarem o conselho de família.

Na sequência da notificação efetuada veio A. R., filho do requerido, pronunciar-se favoravelmente à constituição do conselho de família, manifestando interesse e disponibilidade total para fazer parte da sua composição, pois, contrariamente ao que foi alegado pelo irmão S. F., sempre acompanhou, como acompanha, o estado de saúde do pai, visitando o requerido todos os fins de semana até à proibição de visitas devido ao surto COVID-19. Alega que desconhecia a existência do processo de acompanhamento relativamente ao requerido e que só teve conhecimento do mesmo através da notificação do tribunal. Refere que os problemas de maior relevância do requerido foram sempre tratados após reunião entre os irmãos, sustentando que a mãe, E. C., casada com o requerido, encontra-se atualmente bem de saúde, tendo apenas pequenos problemas de saúde devido à sua idade, pelo que deverá a mesma integrar o conselho de família ou até mesmo ser designada para acompanhante do requerido, dado que é sua esposa.

Após foi proferida sentença, a 11-08-2010, na qual se decidiu decretar a medida de acompanhamento de representação geral a favor do requerido A. F., fixando em 31 de janeiro de 2019 a data a partir da qual tal medida se tornou necessária e designando para exercer o cargo de acompanhante do requerido a sua esposa E. C., mais decidindo que o requerido não poderá testar, votar e consentir ou recusar tratamento; praticar negócios da vida corrente.

Foram ainda nomeados S. F. e A. R., ambos filhos do requerido, para vogais do conselho de família, consignando-se, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 900.º, n.º 3, do CPC, não ser conhecida a existência de testamento vital ou procuração para cuidados de saúde.

Inconformado, veio o beneficiário A. F., através da sua Defensora, interpor recurso da decisão, pugnando no sentido da revogação da sentença na parte em que designou como acompanhante do beneficiário a sua esposa E. C. e designou os membros do conselho de família, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1- Discorda o apelante do decidido na douta sentença ora recorrida, por entender, salvo o devido respeito, que existem nos autos todos os elementos de prova que permitiriam ao Mmº Juiz a quo, responder diferentemente a determinados pontos da matéria factual, e, outrossim, decidir para exercer o cargo de acompanhante do requerido, o seu filho S. F., dispensando a Constituição do Conselho de Família nos termos do art.145º, nº2 b) e nº4 do CC, tudo conforme havia sido requerido, na ação especial de acompanhamento intentada pelo Ministério Público.

  1. Da impugnação da matéria de facto: 1- O apelante discorda do tratamento fáctico-jurídico dado pelo Tribunal a quo, pois no seu entender, para além da factualidade dada como provada, deveriam ainda ser acrescentados outros factos provados, nas redações adiante propostas, que se afiguram cruciais para a boa decisão da causa e justa composição do litígio.

    2- Reapreciada a prova produzida, nomeadamente da audição do filho do requerido, S. F., conjugado com as regras da experiência comum, verifica-se existir fundamento para alterar a decisão proferida pelo Tribunal recorrido sobre a matéria de facto, não se concordando com a argumentação expedida, a qual não está em consonância com os meios probatórios produzidos.

    3- O processo de convicção, com o devido respeito, afigura-se-nos ilógico e irracional, violando as regras da experiência comum na apreciação da prova.

    4- Com efeito, na audição do beneficiário, foi também ouvido o seu filho S. F., responsável pela participação administrativa do presente processo, e requerido pelo Ministério Público, para ser nomeado como acompanhante do beneficiário na ação principal, tendo o mesmo demonstrado um conhecimento pessoal e direto sobre os factos.

    5- Neste depoimento nenhuma estranheza se pode vislumbrar, já que ao ouvir a respetiva gravação, facilmente se apercebe da sua frontalidade, certeza, convicção, sem titubeações ou hiatos.

    6- Ora, o Mmº Juiz a quo, na sua motivação, fundamentou a escolha do cargo de acompanhante na esposa do beneficiário, pelo facto de ser a primeira escolha do legislador, sendo certo que, foi também a pessoa que o requerido, quando capaz, escolheu como companheira para a vida e sobre quem incumbe um dever de assistência e cooperação para com o requerido, admitindo além do mais, que não ficou alegada/demonstrada qualquer razão que leve a preterição de tal escolha legal, e concluindo que, ficou demonstrado nos autos que está instalado um certo litígio entre os filhos do requerido, o que desaconselha que algum deles seja nomeado como seu acompanhante.

    7- Salvo o devido respeito por opinião em contrário, não podemos concordar com tal entendimento, pois não é isso que resulta da prova produzida.

    8- De facto, em instâncias do Sr. Procurador, o filho do beneficiário, S. F., foi questionado sobre a sua mãe, tendo afiançado ao Tribunal que, a mesma padece de limitações físicas e mentais, sendo uma pessoa também com outras doenças, tais como diabetes e asma. (Extrato de depoimento S. F. [5:29 a 6:31]); 9- É inequívoco que, a esposa do requerido não se encontra capacitada para exercer o cargo de acompanhante, pois as limitações de que a mesma padece, obstam a que a mesma possa assegurar o bem-estar do beneficiário, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres.

    10- Sendo certo que, o Digníssimo Procurador do Ministério Público, não questionou a bondade da informação transmitida pelo filho do beneficiário sobre o estado de saúde da sua mãe, nem o Mmº Juiz, tendo a oportunidade de o fazer, também o questionou nesse sentido, nem requereu oficiosamente prova, nomeadamente, que fosse remetido aos autos, atestado médico da aludida senhora para confirmar a veracidade do sobredito, o que denota que os mesmos acreditaram na versão trazida aos autos pelo filho, e daí que tal factualidade deva ser dada como provada.

    11- Assim, deveria ser acrescentada à factualidade dada como provada o seguinte facto: “A esposa do requerido, não possui capacidade para exercer o cargo de acompanhante deste, uma vez que sofre de várias doenças, possuindo muitas limitações físicas e psíquicas que a impedem de cumprir tais deveres com cuidado e diligência”.

    12- Acresce que, o requerido/recorrente também não se pode conformar com a douta conclusão do Tribunal a quo, quando refere que ficou demonstrado nos autos a existência de um certo litígio entre os filhos do requerido.

    13- Antes pelo contrário, resultou do depoimento do filho S. F., que os seus irmãos visitavam menos vezes o seu...

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