Acórdão nº 846/19.6T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelMARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Data da Resolução29 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório H. L. e A. P.

instauraram a presente acção declarativa com processo comum contra J. F. e M. C.

pedindo: a) que seja decretada a cessação do arrendamento por denúncia para habitação própria dos autores e do seu agregado familiar, com a condenação dos réus na entrega imediata do imóvel arrendado, totalmente livre de pessoas e coisas; b) a condenação dos réus no pagamento de uma indemnização pelo incumprimento da sua obrigação, no montante de € 20,00, por cada dia de atraso, até efectiva entrega do arrendado.

Alega, em síntese, que em 01/01/1989, mediante contrato escrito, os autores deram de arrendamento aos réus, por um ano, para habitação própria e permanente destes, o prédio urbano sito na Avenida ..., nº ..., Lugar ..., da freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão. Este contrato foi celebrado pelo prazo de 1 ano e seguintes, com início em 01/01/1989, prorrogando-se por iguais períodos, e nas mesmas condições, enquanto as partes não o denunciassem. Foi convencionada a renda anual de € 688,20, a pagar em duodécimos de € 57,35.

Os autores vivem num imóvel arrendado, mediante contrato de arrendamento a termo certo, pelo qual despendem a renda mensal de € 250,00. Dois dos seus filhos, que se encontravam ausentes, um do país e outro do concelho de Vila Nova de Famalicão, regressaram à casa de morada de família, tornando desapropriado e inadequado para habitação aquele imóvel.

Os autores comunicaram aos réus, mediante cartas registadas com aviso de recepção de 26/07/2018, a sua intenção de denunciar o contrato de arrendamento para a data de 31/01/2019, sendo que esta comunicação foi remetida para o arrendado. Advertiram os réus que, caso não cumprissem com a sua obrigação na data fixada, os autores exigiriam o pagamento de uma indemnização, a título de cláusula penal, por cada dia de atraso, no montante diário de € 20,00, até que se verificasse a efectiva entrega do locado.

Os réus responderam dizendo que não concordavam com os fundamentos invocados e que, por isso, não iriam desocupar o locado na data estipulada.

Os autores não possuem, há mais de um ano, na área de Vila Nova de Famalicão, casa própria que satisfaça as suas necessidades de habitação e do seu agregado familiar que actualmente é composto por eles e três filhos.

*Os réus contestaram dizendo que desde 2013 que os autores, através de várias formas, os pressionam para deixar o arrendado. Os fundamentos invocados na denúncia são falsos. Os réus mantêm-se no arrendado há 30 anos e não se mostram verificados os requisitos previstos no art.º 1102º nº 1 do C.C., pois nada é referido quanto aos descendentes dos autores, o prédio em causa é susceptível de utilização independente, sendo constituído pelo dois fogos, cada um correspondendo a um T2, sendo que um deles corresponde ao arrendado e o outro encontra-se devoluto.

*Os autores responderam dizendo que não é verdade que o prédio arrendado seja susceptível de utilização independente uma vez que o mesmo está descrito no registo predial como uma casa de habitação. A dependência do arrendado que os réus consideram o fogo 2 não tem licença de utilização, nem pode ser habitado de forma independente. Acresce que aquela dependência não é adequada às necessidades dos autores e do seu agregado familiar por ter apenas duas divisões de exíguas dimensões, não tem uma divisão capaz de funcionar como cozinha e o cubículo onde está instalada uma sanita e uma rampa de chuveiro não tem as dimensões normais de uma casa de banho. Por outro lado, tal dependência do arrendado encontra-se completamente degradada.

*Foi dispensada a audiência prévia.

Foi dispensada a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas de prova.

Foram admitidos os requerimentos probatórios e designada data para julgamento.

*Procedeu-se a audiência de julgamento, após a qual foi proferida sentença, cuja parte decisória, na parte que interessa, reproduzimos: “Nestes termos e face ao exposto julgo improcedente a acção e, em consequência, absolvo os Réus do pedido. (…)”*Não se conformando com esta sentença vieram os autores dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “1- Os Recorrentes moveram acção declarativa sob a forma comum contra os ora Recorridos, pedindo que seja decretada a cessação do arrendamento por denúncia para habitação própria deles e do seu agregado familiar, com a condenação dos ora Recorridos na entrega imediata do imóvel arrendado, totalmente livre de pessoas e coisas e ainda que os mesmos fossem condenados ao pagamento de uma indemnização pelo incumprimento da sua obrigação, no montante de 20,00€ (vinte euros) por cada dia de atraso, até efetiva entrega do arrendado.

2- A Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida (pontos 1 a 19 e 33) transcritos no corpo das alegações, que aqui, por brevitatis causa, se dão por integralmente reproduzidos, deu como provados os factos articulados pelos ora Recorrentes com relevância para o êxito da ação.

3- Daí que, os Recorrentes, não invoquem que esta matéria relevante tenha sido mal julgada.

4- O que vêm alegar em sede Recurso é que, seguindo o fio condutor do raciocínio lógico do julgador a quo e olhando para os factos relevantes dados como provados (ut retro),verifica-se existir contradição insanável entre a fundamentação e a decisão (artº 615º nº1, al.c) do CPC), vício que aqui se deixa arguido.

5- Este vício resulta claramente do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos que à dita decisão sejam externos.

6- Nesta conformidade, o Tribunal a quo estabeleceu contradição insanável entre a fundamentação e a decisão recorrida.

7- Aliás, se atentarmos na “Motivação de Facto”, prescrita na alínea c) da sentença recorrida, com maior propriedade se pode afirmar que os factos julgados como provados colidem inconciliavelmente com a decisão recorrida, basta para o efeito atentar nas passagens transcritas no corpo das alegações, que aqui, por brevitatis causa, se dão por integralmente reproduzidas.

8- Salientam ainda os Recorrentes, por merecer o seu acordo, a síntese que o Mmo. Juiz a quo faz na sentença recorrida relativamente à prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, síntese essa que deixaram transcrita no corpo das alegações, e que aqui, por brevitatis causa, se dá por integralmente reproduzida.

9- Desta aludida síntese, extrai-se, com toda a clarividência, a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão recorrida (vício que os Recorrentes sustentam, para além do mais, nas alegações de recurso).

10- Importa ainda asseverar o que o Mmo. Juiz a quo fez consignar, no mesmo segmento “Motivação de Facto” sobre a apreciação crítica da prova produzida, passagem da sentença Recorrida, que também os Recorrentes deixaram transcrita no corpo das alegações e que aqui dão aqui, por brevitatis causa, integralmente reproduzido.

11- Nesta conformidade, entendem os Recorrentes, que o Mmo. Juiz a quo indicou os concretos meios probatórios considerados e quais as razões, objetivas e racionais, pelas quais tais meios obtiveram no seu espírito credibilidade.

12- Com efeito, para este ponto em específico, resulta da decisão recorrida que o Tribunal a quo, por confronto com a prova documental e testemunhal considerou assente o quadro factual relevante alegado pelos ora Recorrentes (vide pontos 1 a 19 e 33 dos factos provados, aqui dados por reproduzidos) o que, por si só, devia conduzir ao êxito da ação, ao contrário do que foi decidido na sentença recorrida.

13- Ou seja, seguindo o fio condutor do raciocínio lógico do julgador a quo, os factos julgados como provados colidem inconciliavelmente com a fundamentação da decisão.

14- Neste conspecto, salvo o devido respeito, o Mmo. Juiz a quo, ao dar como provado o quadro factual relevante articulado pelos ora Recorrentes na P.I. (artigos 1º a 6º, 8º a 13º; 15º a 19º; 22º; 23º; e 25º, que aqui se dão, por brevitatis causa, por integralmente reproduzidos), não podia deixar de julgar procedente a ação, com todas as consequências legais.

15- Efetivamente, existe contradição insanável entre a fundamentação e a decisão recorrida, vício que resulta do texto da decisão Recorrida e, por isso, não poderão Vossas Excelências Venerandos Juízes Desembargadores, deixar de sindicar este alegado vício.

16- Acresce que, a sentença recorrida, salvo o devido respeito, pretende cindir duas realidades que não podem ser dissociadas uma da outra e, ao tentar fazê-lo, entrou em clara contradição com a reforma introduzida pela Lei 31/2012, de 14/08, em vigor desde 12/11/2012.

17- Antes da entrada em vigor da Lei 31/2012, de 14/98, todos os arrendamentos para habitação, celebrados antes da vigência da Lei 6/2006, ao abrigo do regime vinculístico estavam protegidos contra a livre denúncia do senhorio, a partir desta Lei, que em termos substanciais introduz um Novíssimo Regime do Arrendamento Urbano, é atribuído ao senhorio a faculdade de denunciar livremente o contrato.

18- Esta regra apenas é excecionada quando o arrendatário tenha idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau de incapacidade superior a 60% (o que não se verifica, no caso vertente).

19- Claramente, esta nova lei dispõe diretamente sobre o conteúdo da relação jurídica, abstraindo-se dos factos que lhe deram origem.

20- E, nesta conformidade, a Lei 31/2012, de 14/08, aplica-se às relações já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor.

21- Donde haverá que qualificar o contrato de arrendamento em causa como um contrato sem duração limitada, também denominado de contrato vinculístico.

22- No art.º 1102.º (redação da reforma de 2012) determinam-se os requisitos da denúncia para habitação; no art.º 1103.º (redação da reforma de 2012) disciplina-se a efetivação da denúncia.

23- Ora, estes requisitos foram devidamente alegados...

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