Acórdão nº 2226/17.9T8BCL.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelALDA MARTINS
Data da Resolução22 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães: 1.

Relatório V. S.

intentou acção declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, contra Companhia de Seguros X Portugal, S.A.

e A. F., Sociedade de Construções, Lda.

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Pede a condenação da seguradora a pagar-lhe: a quantia de € 5.207,46 a título de diferenças na indemnização por IT; a quota-parte da pensão anual e vitalícia que vier a ser fixada em resultado do exame por junta médica, com início em 11/01/2018, dia seguinte ao da alta, na proporção de 71,20%; a quantia de € 25,00 a título de despesas com deslocações obrigatórias; juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento.

Pede a condenação da entidade empregadora a pagar-lhe: a quantia de € 4.388,88 a título de diferenças na indemnização por IT; a quota-parte da pensão anual e vitalícia que vier a ser fixada em resultado do exame por junta médica, com início em 11/01/2018, na proporção de 28,80%; juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal desde a data do vencimento de cada uma das prestações, até integral pagamento.

Para tanto alega, em síntese, que, à data dos factos era trabalhador da 2.ª ré e foi vítima de acidente de trabalho no dia 19/12/2016, numa obra sita em França, onde estava destacado, auferindo a retribuição anual ilíquida de € 20.532,68, correspondente ao salário mínimo nacional francês naquela data, que a 2.ª ré apenas fazia constar parcialmente no recibo de remuneração, como “vencimento” no montante de € 530,00 e como “compensação por destacamento” no montante de € 600,00. Demanda a 1.ª ré em função da retribuição anual ilíquida de € 14.620,00 e a 2.ª ré em função do valor restante, uma vez que a responsabilidade pelos riscos emergentes de acidente de trabalho estava transferida, por contrato de seguro, apenas naquela medida.

A ré seguradora contestou, aceitando a responsabilidade pela reparação do acidente do autor até ao limite de € 14.620,00.

A ré empregadora apresentou contestação, alegando que a retribuição do autor era de € 545,00 x 14 + € 600,00 x 12 (compensação por destacamento), pelo que lhe cabe assumir a responsabilidade pelo acidente apenas em função do quantitativo anual de € 210,00, uma vez que não acordou com o autor a submissão ao regime remuneratório francês, o qual, por outro lado, não prevê o pagamento de subsídios de férias e de Natal.

Proferiu-se despacho saneador e condensatório da factualidade assente e controvertida.

Realizou-se a audiência de julgamento, no decurso da qual a empregadora requereu, em 21/02/2020: a junção aos autos dos recibos dos meses de Novembro e Dezembro de 2016 e de Março, Abril e Maio de 2018, assim como dos respectivos comprovativos de pagamento, para prova do que alegou nos arts. 1.º a 7.º da contestação quanto à retribuição que acordou com o autor, e contraprova da versão deste; a junção aos autos de 25 facturas para prova de que a ré tinha (e tem) várias obras em curso em Portugal, como alegou nos arts. 11.º e 13.º da contestação; a inquirição como testemunha de M. P., quanto à aludida matéria atinente à retribuição.

Em 26/02/2020 foi proferido despacho a rejeitar os aludidos meios de prova, por extemporaneidade.

A empregadora interpôs recurso do despacho e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões: «1-O douto despacho proferido assentou, a nosso ver, numa errada interpretação do disposto no artigo 423º do CPC e da amplitude dos poderes conferidos ao Juiz pelos artigos 411º do CPC e do artigo 72º do CPT, indeferindo a junção de documentos (com especial enfoque para os recibos de vencimento juntos como Docs. 1 a 5) e a inquirição de uma testemunha que se apurou no decurso da audiência ter conhecimento de factos relevantes para o desfecho destes autos; 2-Dito despacho de indeferimento foi proferido sem que os demais intervenientes no processo que foram notificados nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 221º do CPC, se tivessem pronunciado contra a requerida junção e/ou inquirição; 3-Pelo menos os 5 primeiros documentos (os originais de todos os recibos de vencimento, sendo que 4 deles estão assinados pelo Autor) são particularmente relevantes em resultado das declarações de parte do Autor e do depoimento da testemunha (seu pai), ambos intervenientes na primeira sessão de audiência de julgamento realizada no dia 11 de Fevereiro de 2020; 4-Igual relevância terá a indicada testemunha, pois foi uma pessoa mencionada pelo Autor e pelo senhor seu pai: afirmaram que foi o Sr. M. P. – precisamente, a testemunha que pretendíamos ouvir – quem incentivou o Autor a pedir trabalho à Ré e terá, igualmente, sido quem o trouxe de volta a Portugal.

5-Importa ressaltar que no requerimento de 21.02.2020, apontamos os aspectos concretos no discurso das pessoas apresentadas em juízo pela parte (o Autor no caso), que, por serem inverídicos, clamam pela admissão de mais prova.

6-As declarações do Autor, sobretudo quando alegou ter sido acordado um vencimento de € 1.500 e quando declarou que foi contratado para trabalhar em França (o que não consta do Contrato de Trabalho e dos cerca de 5 meses em que trabalhou para a Ré, o Autor prestou trabalho durante dois meses em obras em Portugal), estão de tal forma em conflito com a verdade dos factos que exigem que seja permitido às contrapartes aportar ao processo os elementos de que disponham.

7-O mesmo se diga das declarações prestadas pela única testemunha apresentada pelo Autor, o seu pai, o qual, além de afirmar que esteve na sede da Ré no dia do Contrato – o que é rotundamente falso – e de referir o nome da pessoa que terá convencido o Autor a pedir trabalho à Ré, o seu genro Sr. M. P., nada mais soube dizer.

8-Este testemunho [do pai do A.] foi parcial, completamente interessado e tendencioso (a ponto da testemunha levar escrito na mão o nome do legal representante da Ré…); 9-Ora, tanto as fragilidades a que aludimos, como as divergências e até falsidades nos depoimentos prestados na audiência de 11/02/2020 - pelo Autor como pela sua testemunha -, foram apontadas no requerimento de 21.02.2020 como suporte para a admissão da produção dos meios de prova requeridos.

10-A nosso ver, a confirmação da falsidade do que o Autor trouxe aos autos, será inequívoca quando em confronto com prova documental, especialmente se o documento se mostrar assinado pela parte contra quem o mesmo é apresentado; 11-Sem prejuízo do relevo e clareza das declarações de parte da Ré, julgamos que a melhor forma de contrariar as declarações do Autor segundo as quais não aceitou o vencimento que lhe foi pago e reclamou disso junto da Ré, é juntar cópia dos respectivos recibos de vencimento, assinados pelo próprio Autor! 12-Em nossa óptica, atendendo ao critério dos padrões de normal diligência e em face das circunstâncias dos autos, até à produção das declarações prestadas em audiência de julgamento, nada impunha a necessidade de junção dos originais dos recibos de vencimento (aliás, o recibo por assinar junto com a PI como Doc. 2 não foi atacado, tendo, antes o Autor alegado que a ocorrência do acidente no estrangeiro determina por lei a aplicação do vencimento desse estado estrangeiro).

13-Mais, até às referidas declarações produzidas pelo Autor na audiência de julgamento do dia 11/02/2020, nada fazia suspeitar que existisse uma testemunha, o Sr. M. P., com (suposto) conhecimento directo de factos relevantes para estes autos.

14-Da aludida audiência de julgamento resultou, a nosso ver, tanto a necessidade de demonstrar por via documental que o Autor faltou à verdade e não só recebeu o salário que lhe foi pago em conformidade com o que havia sido contratado, como assinou os respectivos recibos, como se apurou o nome da pessoa que poderia trazer mais luz aos autos.

15-O Tribunal a quo indeferiu ambos os pedidos de produção de prova com fundamento apenas na letra dos n.ºs 1 e 2 do artigo 423º do CPC e do artigo 63º do CPT! 16-Porém, o princípio do inquisitório previsto no artigo 411º do CPC consagra que “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que é lhe é lícito conhecer.” – sublinhado nosso.

17-Dito princípio de direito tem, no âmbito do processo de trabalho, uma dimensão reforçada na medida em que o respectivo Código do Processo de Trabalho prevê a possibilidade do Tribunal ampliar a base instrutória (se a houver) se considerar relevante algum facto ainda que não articulado – vide artigo 72º do citado Código e uma das suas “consequências”, a possibilidade de “condenação extra vel ultra petitum” (vide art. 74º do CPT)! 18-A lei processual laboral não contém preceito referente à apresentação ulterior de documentos e da indicação ulterior de testemunha, mas à luz do previsto no artigo 1º, n.º 2, alínea a) do CPT, há que aplicar subsidiariamente os artigos 423º e 526º ambos do CPC.

19-Sublinhamos que até à tomada de declarações do Autor, nunca este tinha posto em causa o Contrato de Trabalho que assinou (e que, aliás, juntou aos autos como Doc. 1), nem o bom cumprimento do pagamento dos salários por parte da sua, à data, entidade patronal… o que fez na referida sessão de julgamento! 20-Cremos, salvo o devido respeito, que é precisamente para situações como as que acabamos de descrever que o nosso Código de Processo Civil prevê, no n.º 3 do art. 423º, que “Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior” – sublinhado nosso.

21-O citado artigo 423º, n.º 3 do CPC prevê que sendo os documentos juntos menos de 20 dias antes da realização da audiência final só podem ser admitidos caso se verifique um dos seguintes fundamentos: i) se a apresentação do...

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