Acórdão nº 539/12.5TABRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Outubro de 2020
Magistrado Responsável | FÁTIMA FURTADO |
Data da Resolução | 12 de Outubro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães Secção Penal I. RELATÓRIO No processo comum coletivo nº 539/12.5TABRG, do Juízo Central Criminal de Braga, da comarca de Braga, que são arguidos V. S., M. A., L. M., L. P., e X Truck & Bus Portugal, todos com os demais sinais dos autos, 1.
em 27-02-2019 o Ministério Público requereu, abrigo do disposto no art.º 356.º, n.º 4,do Código de Processo Penal, a leitura das declarações de A. C., prestadas perante Magistrado do Ministério Público, por o mesmo ter falecido em 11-02-2017 (cf. Ref.ª 162313057), o que foi indeferido por decisão proferida em 18-03-2019 (cf. Ref.ª 162610802), com o seguinte teor: «A Digna Magistrada do Ministério Público requereu a leitura das declarações de A. C. prestadas perante Magistrado do Ministério Público, cujos autos se encontram juntos de fls. 1588 a 1590, 2554 a 2573, 2574 a 2577. Para tanto argumentou que o mesmo faleceu em 11/02/2017 e que a sua leitura está legalmente prevista no artigo 356.º, n.º 4 do Código do Processo Penal.
Notificados para se pronunciarem, todos os arguidos se opuseram à leitura dessas declarações, pelos argumentos cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
Cumpre decidir.
A fls. 8058 dos autos consta que A. C. faleceu em -/02/2017. Durante o inquérito A. C. foi constituído arguido em 03/07/2012, tendo prestado declarações, nessa qualidade, perante Magistrado do Ministério Público, em várias ocasiões, designadamente nos dias 12 de Novembro de 2013 e 14 de Janeiro de 2016, encontrando-se os respectivos autos a fls. 1588 a 1590, 2554 a 2573, 2574 a 2577. Já antes o A. C. tinha sido interrogado pela Polícia Judiciária no dia da sua constituição como arguido e nos dias 4.07.2012; 6.07.2012; 10.07.2012; 9.08.2012; 14.01.2013; 11.03.2013; 28.05.2013; 17.10.2013, todos perante a Polícia Judiciária.
Em 30/12/2016, foi proferido despacho de arquivamento relativamente ao já identificado A. C., tendo sido requerida a abertura de instrução, também nessa parte.
No despacho de recebimento da abertura de instrução, foi proferida decisão, devidamente transitada em julgado, em que se declara que o A. C. não perdeu a sua condição de arguido – fls.6238 (despacho de 21/03/2017).
Na data do seu óbito ainda não tinha sido proferida decisão instrutória, tendo o procedimento criminal contra A. C. sido extinto pelo seu falecimento – despacho de fls.6238 (despacho de 21/03/2017). Ou seja, na data da sua morte A. C. ainda era arguido nestes autos. Não obstante, foi indicado para ser ouvido como testemunha.
O nosso legislador distingue as diversas posições processuais que as partes podem ocupar nos procedimentos criminais, atribuindo direito e deveres diferenciados.
Assim e nos termos do art.º 61.º do CPP são os seguintes os direitos e deveres do arguido: 1 - O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de: a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito; b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte; c) Ser informado dos factos que lhe são imputados antes de prestar declarações perante qualquer entidade; d) Não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar; e) Constituir advogado ou solicitar a nomeação de um defensor; f) Ser assistido por defensor em todos os actos processuais em que participar e, quando detido, comunicar, mesmo em privado, com ele; g) Intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurarem necessárias; h) Ser informado, pela autoridade judiciária ou pelo órgão de polícia criminal perante os quais seja obrigado a comparecer, dos direitos que lhe assistem; i) Recorrer, nos termos da lei, das decisões que lhe forem desfavoráveis.
2 - A comunicação em privado referida na alínea f) do número anterior ocorre à vista quando assim o impuserem razões de segurança, mas em condições de não ser ouvida pelo encarregado da vigilância.
3 - Recaem em especial sobre o arguido os deveres de: a) Comparecer perante o juiz, o Ministério Público ou os órgãos de polícia criminal sempre que a lei o exigir e para tal tiver sido devidamente convocado; b) Responder com verdade às perguntas feitas por entidade competente sobre a sua identidade; c) Prestar termo de identidade e residência logo que assuma a qualidade de arguido; d) Sujeitar-se a diligências de prova e a medidas de coacção e garantia patrimonial especificadas na lei e ordenadas e efectuadas por entidade competente.
Por sua vez, o art.º 132.º, do C.P.P, com o título direito e deveres da testemunha dispõe o seguinte: 1 - Salvo quando a lei dispuser de forma diferente, incumbem à testemunha os deveres de: a) Se apresentar, no tempo e no lugar devidos, à autoridade por quem tiver sido legitimamente convocada ou notificada, mantendo-se à sua disposição até ser por ela desobrigada; b) Prestar juramento, quando ouvida por autoridade judiciária; c) Obedecer às indicações que legitimamente lhe forem dadas quanto à forma de prestar depoimento; d) Responder com verdade às perguntas que lhe forem dirigidas.
2 - A testemunha não é obrigada a responder a perguntas quando alegar que das respostas resulta a sua responsabilização penal.
3 - Para o efeito de ser notificada, a testemunha pode indicar a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha.
4 - Sempre que deva prestar depoimento, ainda que no decurso de acto vedado ao público, a testemunha pode fazer-se acompanhar de advogado, que a informa, quando entender necessário, dos direitos que lhe assistem, sem intervir na inquirição.
5 - Não pode acompanhar testemunha, nos termos do número anterior, o advogado que seja defensor de arguido no processo.
Da leitura destes dois preceitos legais, resulta evidente que são bastante diferentes os direitos e deveres processuais dos arguidos e das testemunhas, sendo que um deles, que interessa de sobremaneira ao caso em apreço, consiste na obrigatoriedade das testemunhas responderem com verdade às perguntas que lhe forem dirigidas e consequente responsabilização criminal pelo seu incumprimento, o mesmo não se passando com os arguidos, pois que apenas têm de responder com verdade às perguntas que lhe forem dirigidas sobre a sua identidade. Ou seja e de modo resumido e simplista, os arguidos podem mentir, faculdade que está vedada às testemunhas.
Por causa do seu diferente estatuto e posição processual, o legislador diferenciou a leitura ou reprodução de autos e declarações em sede de audiência de discussão e julgamento, consoante estejamos perante as declarações de uma testemunha ou declarações do arguido.
O artigo 356.º prevê o seguinte: Reprodução ou leitura permitidas de autos e declarações 1 - Só é permitida a leitura em audiência de autos: a) Relativos a actos processuais levados a cabo nos termos dos artigos 318.º, 319.º e 320.º; ou b) De instrução ou de inquérito que não contenham declarações do arguido, do assistente, das partes civis ou de testemunhas.
2 - A leitura de declarações do assistente, das partes civis e de testemunhas só é permitida tendo sido prestadas perante o juiz nos casos seguintes: a) Se as declarações tiverem sido tomadas nos termos dos artigos 271.º e 294.º; b) Se o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo na sua leitura; c) Tratando-se de declarações obtidas mediante rogatórias ou precatórias legalmente permitidas.
3 - É também permitida a reprodução ou leitura de declarações anteriormente prestadas perante autoridade judiciária: a) Na parte necessária ao avivamento da memória de quem declarar na audiência que já não recorda certos factos; ou b) Quando houver, entre elas e as feitas em audiência, contradições ou discrepâncias.
4 - É permitida a reprodução ou leitura de declarações prestadas perante a autoridade judiciária se os declarantes não tiverem podido comparecer por falecimento, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade duradoira, designadamente se, esgotadas as diligências para apurar o seu paradeiro, não tiver sido possível a sua notificação para comparecimento.
5 - Verificando-se o disposto na alínea b) do n.º 2, a leitura pode ter lugar mesmo que se trate de declarações prestadas perante o Ministério Público ou perante órgãos de polícia criminal.
6 - É proibida, em qualquer caso, a leitura do depoimento prestado em inquérito ou instrução por testemunha que, em audiência, se tenha validamente recusado a depor.
7 - Os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado na sua recolha, não podem ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.
8 - A visualização ou a audição de gravações de actos processuais só é permitida quando o for a leitura do respectivo auto nos termos dos números anteriores.
9 - A permissão de uma leitura, visualização ou audição e a sua justificação legal ficam a constar da acta, sob pena de nulidade.
Já o art.º 357.º, do C.P.P prevê o seguinte: Reprodução ou leitura permitidas de declarações do arguido 1 - A reprodução ou leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido no processo só é permitida: a) A sua própria solicitação e, neste caso, seja qual for a entidade perante a qual tiverem sido prestadas; ou b) Quando tenham sido feitas perante autoridade judiciária com assistência de defensor e o arguido tenha sido informado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 141.º 2 - As declarações anteriormente prestadas pelo arguido reproduzidas ou lidas em audiência não valem como confissão nos termos e para os efeitos do artigo 344.º 3 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 7 a 9 do artigo anterior.
Da análise destes dois preceitos legais, facilmente se...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO