Acórdão nº 3405/18.7T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelMARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Data da Resolução30 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório S. P.

, residente na Rua …, Apartamento …, nº …, Barcelos, intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra X Seguros, S.A.

, com sede na Avenida …, em Lisboa, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 10.640,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Alega, para o efeito, que celebrou com a ré um contrato de seguro no qual figurava como tomadora e pessoa segura e a ré como seguradora, com condições gerais da apólice nº 1004370930, contrato esse que cobria o risco de furto ou roubo. No dia 21/02/2018, entre as 13h00 e as 21h30, ocorreu um furto na sua residência, tendo os assaltantes levado consigo bens móveis no valor global de € 10.410,00. Além disso causaram danos na sua porta, no valor de € 730,00, acrescidos de IVA.

Apresentou queixa-crime, a qual deu origem aos autos de inquérito nº 78/18.0PABCL (DIAP Barcelos), sendo que os indícios correspondiam à pratica do crime de furto qualificado. Não obstante, a ré recusa-se a assumir todas as responsabilidades que lhe estão adstritas por força do contrato de seguro celebrado.

*A ré contestou impugnando parte da factualidade alegada pela autora e concluiu que o sinistro não está coberto pelo contrato de seguro celebrado entre as partes.

*Foi proferido despacho saneador, foram admitidos os requerimentos probatórios e foi designada data para audiência de julgamento.

*Após audiência de julgamento foi proferida sentença, cuja parte decisória reproduzimos: “Pelo exposto, atentas as considerações expendidas e as normas legais citas, julga-se a presente acção totalmente improcedente, por não provada e, consequentemente, absolve-se a Ré X Seguros, S.A. do pedido contra si formulado pela Autora S. P..

Custas a cargo da Autora, pois deu causa aos presentes autos e neles decaiu – cfr. artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. (…)”*Não se conformando com esta sentença veio a autora dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “a. O objeto do presente recurso prende-se com a apreciação da nulidade que inquina a decisão recorrida, e ainda, na reapreciação da matéria de facto e de direito que considera a aqui Recorrente, incorretamente julgada.

  1. Resulta dessa decisão que o sinistro descrito nos autos não se encontra coberto pelo contrato de seguro porque não ficou demonstrado que o furto foi praticado nas circunstâncias exigidas pela apólice.

  2. A cláusula especial aqui em questão está sujeita ao regime legal imperativo das cláusulas contratuais gerais, de acordo com o artigo 1.º do Decreto-Lei 446/85 de 25 de Outubro.

  3. A cláusula em questão implica um âmbito extremamente restrito das condições em que ocorre o evento de furto ou roubo.

  4. Esta cláusula, à luz do Decreto-Lei mencionado, é claramente nula – por ser proibida – de acordo com os artigos 12.º, 15.º e 16.º do diploma. Isto, pois, são nulas todas as cláusulas proibidas, e são proibidas todas as cláusulas que sejam contrárias à boa-fé – o que é aqui o caso.

  5. Podemos concluir que se violou o regime imperativo das cláusulas contratuais quer pela proibição e nulidade, quer pela falta e incumprimento dos deveres de comunicação e informação, previstos nos artigos 5.º e 6.º.

  6. O vício que inquina esta cláusula é de conhecimento oficioso, como refere o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 27/09/2016 relatado por José Rainho. O Tribunal recorrido não se pronunciou sobre o mesmo, e devia, incorrendo assim a sentença numa nulidade por omissão de pronúncia sobre questões que devesse apreciar, de acordo com o artigo 615.º n.º 1 al. d) do CPC.

  7. Impugnam-se, também, por não se concordar, os factos dados como não provados na decisão recorrida, designadamente: b), c), d), e), f), j), k), l), m), n), o), p), q), r), s), t), u), w) e y).

  8. Os factos dados como não provados de b) a w), deveriam ter sido dados como provados e consequentemente ter a sentença declarado que aos bens furtados correspondia o valor que lhes foi atribuído pela Recorrente quer no articulado da petição inicial, quer em sede de audiência de julgamento.

  9. O tribunal a quo refere nos factos provados que os bens em questão foram efetivamente furtados, mas que o seu valor não foi passível de ser concretamente determinado. Explica que “no que respeita ao valor dos bens subtraídos, o Tribunal considerou por não provados todos os que foram indicados sem suporte documental que o atestasse (com exceção dos perfumes, cujo preço pesquisou na internet)”.

  10. Poderia então o Tribunal ter pesquisado, de igual forma, diversos bens cujo valor deu como não provado, impunha-se-lhe esta diligência por força do dever de gestão processual que impende sobre o juiz, e que bem o cumpriu em relação aos perfumes da marca Chanel, também furtados.

  11. Portanto, deveriam ter sido estes factos não provados, de b) a w), dados como provados nos termos dos valores que são atribuídos a cada um dos bens na petição inicial, tendo em conta a prova que foi presta em sede documental e pelo depoimento da Requerente.

  12. No que concerne ao ponto y) dos factos não provados, o Tribunal a quo determina que não se encontra provado que foram causados danos na porta de entrada da autora no valor de 730,00 € (setecentos e trinta euros).

  13. E ainda, o ponto 13. dos factos provados, em que o tribunal determina que “o acesso à habitação da autora é feito através de uma porta com uma só folha em estrutura de madeira, que está dotada de uma fechadora se segurança, a qual estava operacional e não apresentava qualquer dano nem vestígio de intrusão.” o. Não pode a recorrente concordar com esta decisão tendo em conta que, fez prova – por declarações de parte – de que resultou do furto dano à fechadura da porta de entrada, que a mesma ficou perra tornando-se extremamente difícil abri-la com a chave, algo que até então se dava com um movimento fluído. Resulta da prova que, a Recorrente teve que proceder à substituição do canhão da porta p. Devia ter o tribunal recorrido decidido no sentido de que ficou provado que o acesso à habitação da autora é feito pela porta de entrada com uma só folha em estrutura de madeira, que está dotada de uma fechadora se segurança, e que a mesma estava danificada, designadamente na sua fechadura, o resultou numa necessidade de substituição da mesma.

  14. Cumpre ainda referir que o Tribunal recorrido não faz constar da matéria de facto provada ou não provada, qualquer referência à existência de vestígios inequívocos da ocorrência do furto. Ainda assim, vem o Tribunal a quo decidir no sentido de que não ficou demonstrado que o furto foi praticado nas circunstâncias exigidas pela apólice de seguro, o que constitui uma nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º n.º 1 al. b).

  15. Pela prova testemunhal e de depoimento de parte, assim como, por tudo aquilo que decorre dos autos, podemos concluir que se fez prova da existência de vestígios inequívocos da ocorrência de furto.

  16. Não obstante tudo aquilo que já foi exposto supra acerca da validade da cláusula em crise, cumpre focar na questão do arrombamento.

  17. Dizer, como decide o tribunal, que a fechadura não apresentava qualquer dano é, de todo, incorreto e incongruente com a matéria fáctica pois, se a fechadura não apresentava qualquer dano porque razão haveria a aqui recorrente de proceder à substituição da mesma? u. Sobre conceitos de arrombamento e escalamento, podemos apenas concluir pelo que resulta dos autos e pelo que surge da jurisprudência e da doutrina que, apesar do devido respeito que é muito, o tribunal a quo ao interpretar o conceito de arrombamento fê-lo de forma bastante restrita, positiva e formalista e sem consideração pela justiça material, olvidando tudo aquilo que temos vindo a assimilar e aprender desde a reforma processual civil de 2012/2013 no sentido de assegurar o fundo sobre a forma.

  18. Por força do artigo 6.º do CPC deveria o Tribunal a quo, interpretar os preceitos normativos de maneira a que se assegure a verdade e a justiça material, prescindindo- se assim de interpretações subsuntivas, positivistas e literais. Não o tendo feito, incorre na violação do dever de gestão processual.

  19. Nos termos previamente expostos, a decisão recorrida ao determinar totalmente improcedente a ação apresentada pela recorrente, incorre na violação dos artigos 5.º, 6.º, 12.º, 15.º e 16.º do Decreto-Lei 446/85 de 25 de Outubro, assim como, do artigo 6.º do Código de Processo Civil.

    Pugna pela revogação da sentença que deve ser substituída por outra que condene a ré nos termos requeridos.

    *Foram apresentadas contra-alegações.

    *O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

    *Foram colhidos os vistos legais.

    Cumpre apreciar e decidir.

    *Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (art. 635º nº 3 e 4 e 639º nº 1 e 3 do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, observado que seja, se necessário, o disposto no art. 3º nº 3 do C.P.C., as questões a decidir são:

    1. Apurar se houve erro na apreciação da matéria de facto; B) E se houve erro na subsunção jurídica.

    *II – Fundamentação Foram considerados provados os seguintes factos: 1 – Entre a autora S. P. e a aé X Seguros, S.A. foi celebrado um contrato de seguro, intitulado “X”, do ramo multirriscos habitação, no qual a primeira figurava como tomadora e pessoa segura, titulado pela apólice nº 1004370930.

    2 – De acordo com o ponto 4, da cláusula 3ª, das Condições Gerais do contrato de seguro titulado pela apólice nº 1004370930, este cobria o risco de furto ou roubo.

    3 – Consta do ponto 4 das condições especiais do contrato de seguro titulado pela apólice nº 1004370930 o seguinte: “4. Furto ou roubo: Para os efeitos desta garantia entende-se por: Furto: A subtracção sob a forma tentada ou consumada dos bens seguros...

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