Acórdão nº 4140/16.6T8GMR.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelESPINHEIRA BALTAR
Data da Resolução16 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães Comissão de Valores Mobiliários (CMVM), Banco de Portugal e Banco ..., réus nos presentes autos, em que são autores J. P. e A. R., não se conformando com a decisão proferida 15 de março de 2018 que ordenou a remessa do processo para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga por ser o competente e não ter havido oposição justificativa nos termos do artigo 92 n.º 2 do CPC, e não ter conhecido das notas discriminativas e justificativas de custas de parte e suas reclamações porque o processo ainda não terminou, sendo o momento oportuno aquando da ida à conta, interpuseram recurso de apelação formulando conclusões: A Recurso da Comissão de Mercados de Valores Mobiliários “I. O despacho ora recorrido datado de 15.03.2018 (ref.ª Citius 157365402) aborda a questão das custas de parte e respectivas reclamações apresentadas, ainda que erradamente nada decida quanto ao assunto, em preterição de uma formalidade processual essencial, já que foi proferido sem que tivesse sido garantido o exercício do direito ao contraditório dos Réus (cfr. artigos 3.º e do CPC e artigo 33.º, nº 1 da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril) quanto à reclamação apresentada pelos Autores em 12.03.2018 (ref.ª Citius 28491977) sobre as custas de parte apresentadas nos autos; II. Ora, a omissão de um ato que a lei prescreve, que in casu consiste em conceder aos Réus a possibilidade de exercerem o contraditório, integra a prática de uma nulidade processual prevista no artigo195.º do CPC que inquina também o despacho ora recorrido, ferindo-o de NULIDADE, o que expressamente se argui.

III. A CMVM apresentou, ao abrigo do artigo 6.º, nº 7 e 14.º, nº 9 do RCP, pedido de dispensa ou redução do pagamento do remanescente da taxa de justiça, inicialmente com a sua contestação e posteriormente por requerimento de 27.04.2017 (ref.ª Citius 25571807), dando sempre conta que não prescindiria de apresentar nota de custas de parte complementar, caso o seu pedido não fosse julgado procedente e o Tribunal a quo nada decidiu quanto ao mesmo, ainda que exista nos autos decisão transitada em julgado e tenha sido instado para o fazer por despacho de 08.06.2017, do Relator do Tribunal da Relação de Guimarães (ref.ª 5036811), o que constitui uma NULIDADE por omissão do dever de pronúncia nos termos conjugados dos artigos 608.º, nº 2, 613.º, nº 3 e 615.º, nº 1, alínea d) do CPC; IV. O Tribunal a quo deveria ter apreciado as notas de custas de parte e respetivas reclamações apresentadas nos autos e não relegado o seu conhecimento para momento futuro (neste ou no Tribunal competente), mesmo que venha a ocorrer a remessa dos autos nos termos do artigo 99.º, nº 2 do CPC, o que se concebe hipoteticamente, mas não se concede, pois, a presente instância extinguiu-se, com o trânsito em julgado da decisão que absolveu os Réus da instância, conforme artigo 277.º, alínea a) do CPC e sempre haverá lugar, no tribunal materialmente competente, ao pagamento da correspondente taxa de justiça.

V. Considerar o processo remetido para a jurisdição administrativa uma continuação deste processo levaria a consequências inaceitáveis, desde logo, a decisão de competência proferida neste Tribunal vincularia o Tribunal administrativo, pois no mesmo processo não se poderá proferir mais que uma decisão, e a jurisdição administrativa deve poder declarar-se incompetente, sob pena de violação do artigo 212.º, nº 3 da CRP, artigo 13.º do CPTA e dos artigos 1.º, nº 1, 2.º e 5.º, nº 1 do ETAF.

VI. Os Autores em 27.02.2018 solicitaram intempestivamente a remessa dos presentes autos ao TAF de Braga, já depois de transcorrido o prazo de 10 dias, contado do trânsito em julgado da decisão singular do Relator do Tribunal da Relação de Guimarães, datada de 04.04.2017, previsto no artigo 99.º, nº 2 do CPC, que ocorreu em 28.04.2017 e não em 26.02.2018 ao contrário do referido pelo Tribunal a quo.

VII. Com efeito, a decisão singular do Juiz Relator do Tribunal da Relação de Guimarães não era por força da lei directamente recorrível, sendo que o pretenso "recurso" interposto pelos Autores foi um ato inexistente, uma abstração e uma ficção, e, de qualquer modo, um recurso interposto já após aquela decisão ter transitado em julgado e, por isto mesmo, julgado inadmissível e insuscetível de convolação em reclamação.

VIII. Considerar como eficaz para efeitos de impedir, rectius, revogar ou anular o trânsito em julgado de uma decisão judicial um recurso não admissível e inexistente enquanto o mesmo não for definitivamente rejeitado é deixar nas mãos dos (pseudo) "Recorrentes" a fixação do momento do trânsito, que com os expedientes (ainda que legítimos) consagrados na lei (recursos para tribunais superiores, reclamações, arguição de nulidades) podem fazer dilatar, apenas pela eficácia da sua vontade, o trânsito de uma decisão para uma temporalidade que a lei e a estabilidade das relações não consente.

IX. A decisão que absolveu os Réus da instância, contrariamente ao referido pelo Tribunal a quo, firmou-se “…de modo inequívoco e inalterável…” a partir do momento em que a decisão singular de 04.04.2017 deixou de ser suscetível de recurso ordinário ou reclamação, nos termos do artigo 628.º do CPC.

X. E isso sucedeu quando deixou de ser possível apresentar recurso ordinário, pois os Autores não apresentaram reclamação prévia ao recurso (cfr. 656.º e 652.º, nº 3 e 5 do CPC), e a partir do momento em que o mesmo já não podia ser convolado em reclamação pelo decurso do prazo geral perentório de 10 dias para o efeito, que os Autores deixaram transcorrer, extinguindo-se o seu direito de o fazer (cfr. artigo 139.º, nº 3 do CPC).

Sem prescindir, XI. A CMVM apresentou, oposição justificada, suficiente e adequada, tal como noutros casos absolutamente semelhantes ao presente e já decididos por tribunais superiores, para obstar ao pedido de remessa dos autos para o TAF de Braga, de acordo com o previsto no artigo 99.º, nº 2 do CPC, alegando, em suma, que a defesa da CMVM foi direcionada para ser apresentada em sede de jurisdição civil, sendo que em sede de jurisdição administrativa, a CMVM teria apresentado uma contestação diferente, quer a nível processual, quer ao nível dos factos, quer ao nível do tratamento do Direito substantivo aplicável.

XII. Com efeito, se a presente ação tivesse sido instaurada no Tribunal Administrativo competente ab initio, a Ré CMVM teria apresentado outra contestação não coincidente com aquela que foi apresentada na presente jurisdição civil e teria feito uso de todos os mecanismos processuais ao seu dispor, invocando, por exemplo, a nulidade do processado (por ineptidão da petição inicial), nos termos do artigo 89.º, nº 4, alínea b) do CPTA (face à forma genérica e indeterminada como o pedido de condenação solidário dos Réus, onde se inclui a CMVM, foi formulado pelos Autores) e, não colocando sequer de parte, a invocação de questões relacionadas com a competência do Tribunal Administrativo para apreciar a presente ação judicial, designadamente, face ao preceituado no artigo 18.º, nº 2 do CPTA, e a questão da inadmissibilidade do litisconsórcio voluntário passivo, atenta a redação do n.º 2 do artigo 4º do ETAF – o que o Tribunal a quo não teve sequer em consideração ao apreciar a oposição da CMVM.

XIII. Por outro lado, a Ré CMVM não prescinde de impugnar na instância própria e em sede de contestação - direta e frontalmente e sem ser com base em meras presunções e juízos hipotéticos – a verificação dos pressupostos legais da responsabilidade civil extracontratual por alegado facto ilícito de gestão pública, tendo por base o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas (regime jurídico que nunca foi sequer invocado pelos Autores na sua petição inicial) e invocando doutrina e jurisprudência que suporte a posição desta Comissão, sendo certo que sobre aquele regime de responsabilidade existe extensa produção doutrinal e jurisprudencial que a CMVM não alegou em sua defesa na jurisdição civil, ao contrário do que não deixará de fazer na jurisdição competente.

XIV. Acresce que vieram, entretanto, ao conhecimento da CMVM determinados factos que são relevantes quer por razões processuais (v.g. eventual suspensão ou extinção da instância), quer para apreciação do mérito da causa e que não foram invocados na contestação apresentada nestes autos e cuja invocação não está garantida pela alegada possibilidade referida pelo Tribunal a quo de os invocar em sede de articulado superveniente, atenta a diferente tramitação processual em sede administrativa e em sede civil (cfr.

85.º-A do CPTA), que poderá colidir com a noção de superveniência (limitada nos termos do artigo 86.º, nº 2 do CPTA); XV. A remessa dos presentes autos ao TAF de Braga, com o aproveitamento dos articulados apresentados, como determinado pelo Tribunal a quo, consubstancia uma efetiva diminuição das garantias de defesa da Ré CMVM, por impedir que esta disponha de todos os meios de defesa ao seu dispor e se pronuncie convenientemente sobre as questões pertinentes em sede de jurisdição administrativa, uma vez que, como já foi referido, face à clara incompetência do presente tribunal, a Ré CMVM organizou e orientou a sua defesa para a exceção que obsta à apreciação do mérito da causa e deixou de alegar questões processuais que só em sede administrativa farão sentido.

XVI. A decisão de remessa do Tribunal a quo limita, assim, injustificadamente o direito de defesa da CMVM, porquanto lhe cerceia a possibilidade (i) de dispor do meio adequado para se pronunciar sobre determinadas questões ligadas à natureza e tramitação da jurisdição administrativa competente e (ii) de apresentar a sua estratégia de defesa como entende adequado.

XVII. A remessa dos autos deve configurar uma possibilidade de aproveitamento dos articulados, mas não pode constituir um obstáculo à defesa dos Réus quando estes manifestam a sua oposição e declaram...

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