Acórdão nº 4046/17.1T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução16 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório R. L. instaurou no Juízo Local Cível de Guimarães - Juiz 3 - em 13-07-2017, acção especial de inabilitação por anomalia psíquica relativamente a seu filho J. A.

, solteiro, nascido a ..-08-1999 consigo residente, alegando, no essencial, que o mesmo padece de Síndrome de Hiperatividade e Impulsividade com grave comprometimento do funcionamento social e dos processos de autonomização, manifestando-se a nível comportamental através de alterações dos processos de pensamento, ansiedade, obsessões e compulsões, comportamentos bizarros, com início na infância, encontrando-se profundamente afetado psicologicamente pois vive num mundo de ilusão, não dispondo do discernimento necessário para avaliar o sentido e o alcance do seu consentimento, dos seus atos, decisões e respetivas consequências, estando impedido de ter lucidez e discernimento para reger a sua vida e o seu património, pelo que necessita de quem legalmente o represente e supra a sua incapacidade, que é total, atual e duradoura. Mais requereu a sua nomeação como curadora do requerido e indicou quem considera dever ser nomeado para o conselho de família.

Recebida a petição, procedeu-se à afixação de editais e à publicação de anúncio, tendo sido efetuada a citação pessoal do requerido, com recusa deste em assinar a certidão e a receber os duplicados legais, após o que foi dado cumprimento ao disposto no artigo 231.º, n.º5, do Código de Processo Civil (CPC).

O Tribunal a quo procedeu à nomeação de curador provisório ao requerido, o qual foi citado em representação deste, não tendo apresentado contestação.

O Ministério Público foi citado, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 21.º, n.º1, do CPC, não tendo apresentado contestação.

O requerido foi então submetido a exame pericial (artigo 896.º do CPC, na anterior redação), pela competente delegação do INML, com os resultados que constam do relatório da perícia médico-legal de psiquiatria, junto ao processo e oportunamente notificado à requerente e ao Ministério Público, após o que foi determinado que os autos seguissem a forma comum de processo.

Com a entrada em vigor, em 10-02-2019, da Lei n.º 49/2018, de 14-08, foi determinada a notificação da requerente para indicar nos autos a medida ou medidas de acompanhamento adequadas ao caso concreto, o que veio a fazer, indicando como adequadas as seguintes medidas: «- Representação geral do Requerido; - Administração total do património do Requerido; - Autorização prévia para aquisição de bens móveis sujeitos a registo».

Foi então determinada a realização de nova perícia ao requerido, com o objetivo de determinar qual a afeção de que o requerido padece, quais as suas consequências, a data provável do seu início, os meios de apoio e de tratamento aconselháveis, agora solicitada a outra delegação do INML, com os resultados que constam do relatório da perícia médico-legal - psiquiatria - perícias e exames junto ao processo e oportunamente notificado à requerente e ao Ministério Público, após o que foi o Perito subscritor do relatório pericial notificado para complementar o relatório que apresentou com as indicações previstas no artigo 899.º, n.º1, do CPC, o que veio a fazer.

Foi notificado o … para informar nos autos se se encontra registado nas suas bases de dados testamento vital outorgado pelo requerido e/ou procuração para cuidados de saúde.

Procedeu-se à audição do requerido/beneficiário.

Foram ainda solicitadas informações junto do Lar de … e da … entretanto juntas ao processo.

Por último, teve lugar a inquirição de testemunhas e a tomada de declarações à requerente.

Foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo o beneficiário do pedido.

Inconformada, recorre a requerente, formulando as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. A Recorrente não concorda com a decisão proferida, entendendo que deve ser revogada e substituída por outra que julgue a acção procedente, porquanto o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e valoração da prova produzida e, ao mesmo tempo, uma errada interpretação e aplicação da lei, devendo ser alterada a decisão de mérito proferida.

  1. A Recorrente entende que, em face da prova produzida nos presentes autos, designadamente, aquela que permitiu ao Tribunal de primeira instância formar a sua convicção, impunha-se uma decisão que concluísse pelo decretamento de medidas de acompanhamento ao requerido.

  2. O Tribunal a quo limitou-se a concluir que, «analisada a factualidade apurada não resulta que o beneficiário tenha um verdadeiro problema de saúde, entendido como doença, ou que tenha qualquer comportamento errático ou anómalo. O requerido apresenta uma personalidade narcísica, egoísta e vaidosa, a que seguramente a falta de limites na sua educação não será seguramente alheia.” (…) o certo é que, contudo, lido o relatório pericial e o auto de audição, não se vislumbra que o beneficiário não esteja habilitado para reger a sua pessoa e os seus bens: orienta-se no espaço e no tempo, tem capacidade de compreensão do mundo que o rodeia, conhece o dinheiro e tem noção do seu valor; sabe ler, escrever e calcular.

  3. Salvo o devido respeito por opinião oposta, entende a Recorrente que mal andou o Tribunal a quo ao ter considerado que, in casu, não resulta que o requerido não esteja habilitado para reger a sua pessoa e os seus bens.

  4. Antes de mais, cumpre realçar a conclusão vertida no relatório pericial junto aos autos em 13/12/2018, com a referência 7980351, no qual se diz que «O examinado sofre de perturbação do desenvolvimento intelectual e emocional, associada a alterações psicóticas e de comportamento que comprometem a sua vida de relação e a sua integração social. A doença de que sofre o examinado é uma anomalia psíquica permanente e actual. Do ponto de vista clínico não se pode considerar irreversível, por não estarem esgotados os recursos terapêuticos à luz do conhecimento científico natural. Tal como se encontra nesta altura, o examinado está actualmente incapaz de governar a sua pessoa e bens.

    O início da presente incapacidade deve ser fixado na sua data de nascimento. Atendendo à sua idade jovem, imaturidade e à possibilidade de poder ainda vir a melhorar o seu estado, deverá beneficiar de quem o represente na gestão da sua pessoa e bens, podendo esta medida ser reavaliada num prazo de 5 anos, no sentido de se apreciar a sua evolução.» - nosso relevo.

  5. A Recorrente não percebe os motivos que levaram o Tribunal recorrido a não valorar tal relatório pericial.

  6. Ainda que não seja possível retirar do mesmo o nome concreto da doença de que o requerido padece, do mesmo resulta que o requerido mostra-se “incapaz de efectuar qualquer decisão consciente e esclarecida acerca da sua pessoa ou dos seus bens.”, antes optando por sustentar que“a imaturidade emocional e personalidade egocêntricas e narcísicas são características cada vez mais frequentes nos jovens de hoje em dia, fruto de uma educação protectiva, e não são fundamento de qualquer restrição ao livre exercício de direitos - cf. despacho proferido em 16.01.2019, referência 161554970.

  7. Tal exame pericial permite concluir, sem margem para dúvidas, que o requerido sofre de anomalia psíquica permanente e actual e que, por via disso, encontra-se impossibilitado de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de cumprir os seus deveres.

  8. Por outro lado, a segunda perícia realizada de fls. 131 e seguintes, que serviu para o Tribunal recorrido estribar a sua convicção, concluiu em igual sentido, senão vejamos: «O Examinando apresenta um notório défice de controlo de impulsos no contexto de estruturação disfuncional da personalidade (Perturbação Explosiva da Personalidade) encontrando-se medicado para controlo dos impulsos. Efectivamente, podem-se apontar traços ou características peculiares na Personalidade do examinado. Como é notória no seu percurso de vida, é uma pessoa com dificuldades em lidar com situações de conflitos, com dificuldades no relacionamento interpessoal, algo focalizado na atitude dos outros para consigo de maneira a que muitos dos seus comportamentos e pensamentos são justificados dessa maneira a que muitos dos seus comportamentos e pensamentos são justificados dessa maneira, vitimizando-se e pouca crítica perante os seus comportamentos e rigidez do pensamento. Manteve-se sempre centrado no presente, desvalorizando comportamentos no passado e que levaram à situação actual. Tal situação condiciona uma deterioração da personalidade e da funcionalidade, tornando-o particularmente débil do ponto de vista psíquico.

    A sua deficiência é de natureza psicológica, sendo que a deficiência limita o desempenho do Examinando em termos volitivos e cognitivos, condicionando comportamentos de prodigalidade e provocando uma incapacidade para gerir bens, necessitando de supervisão.» - nosso relevo.

  9. Acresce que, o Sr. Perito subscritor do relatório referido, por esclarecimento apresentado em 28/06/2016, com a referência 8837299, deu conta ao Tribunal recorrido de que “Considera o Perito que o Examinando não tem capacidade para compreender o alcance dos actos de contrair casamento, constituir uma união de facto, de perfilhar ou de adoptar, de se deslocar livremente pelo país ou de testar.” 11. Ora, da prova pericial carreada para os autos resulta evidente que, ao contrário daquilo que consta da decisão sob censura, estamos perante uma anomalia (na formação e manifestação da vontade) que é incapacitante e faz perigar a pessoa do requerido e os seus bens.

  10. E a verdade é que, por motivos que não se compreendem, o Tribunal recorrido ignorou e desconsiderou, em absoluto, o teor desses relatórios periciais, defendendo antes que o requerido apresenta uma personalidade egoísta e vaidosa que se deverá à falta de limites na sua educação.

    ADEMAIS, 13. Consta da declaração emitida pela médica do serviço de Pedopsiquiatria do Hospital …, Dr.ª V...

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