Acórdão nº 2953/17.0T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Março de 2020
Magistrado Responsável | ANTERO VEIGA |
Data da Resolução | 19 de Março de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.
J. C., intentou contra X - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., ação especial emergente de acidente de trabalho, invocando que no âmbito de um contrato de emprego-inserção o Autor foi admitido como trabalhador do Município ... em 16 de maio de 2016, com a categoria profissional de assistente operacional e mediante a retribuição mensal, com subsídio de alimentação incluído, de 575,80 €. Prestava a sua atividade para o Município ... na área de Limpeza e Conservação de Espaços Públicos, mais concretamente na recolha de lixo pelas várias freguesias do concelho segundo um mapa previamente elaborado.
No dia 3 de março de 2017, pelas 14.00 horas, na freguesia de …, concelho de …, o Autor foi vítima de um acidente enquanto fazia a recolha de lixo, e do qual resultaram ferimentos graves na sua pessoa, tendo sofrido fratura multiesquilorosa exposta do dedo três da mão esquerda.
A ré seguradora defendeu-se invocando a exceção de incompetência material do tribunal do trabalho.
*Por decisão de 18/9/2019 foi decidido, julgar o tribunal absolutamente incompetente para conhecer da presente ação e absolvo da instância os réus X – Companhia de Seguros, S.A. e Município ....
Inconformado o autor interpôs recurso sustentando: II. A competência de um tribunal é a medida da sua jurisdição, a parte da jurisdição que lei lhe assinala, tratando-se de determinar, quanto à competência em razão da matéria, em que tribunal é que a ação deve ser proposta, se num tribunal comum, se num tribunal de jurisdição especial.
-
É com base na forma como o autor configura a sua ação, na dupla vertente do pedido e da causa de pedir, tendo-se ainda em conta as demais circunstâncias disponíveis pelo Tribunal que relevem sobre a exata configuração da causa, que se afere da determinação do tribunal competente para dela conhecer.
-
Nos presentes autos estamos perante um contrato de trabalho denominado “contrato de emprego-inserção+” celebrado com o Município ..., não restando dúvidas que estamos perante uma verdadeira relação de trabalho.
-
O artigo 11º do Código de Trabalho define contrato de trabalho como aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas. Segundo a respetiva definição legal, o contrato de trabalho reconduz-se a três elementos essenciais: a atividade (manual ou intelectual), a retribuição e a subordinação jurídica.
-
Do contrato junto aos autos resulta, de forma clara e inequívoca, que o Recorrente se obrigou a prestar a sua atividade para o Município ... e, em contrapartida, teria direito, entre outros, e conforme resulta da cláusula 3ª: “a) Uma bolsa de ocupação mensal, de montante igual ao valor do Indexante dos Apoios Sociais; b) Um subsídio de alimentação referente a cada dia de atividade, de valor correspondente ao atribuído à generalidade dos trabalhadores do primeiro outorgante ou, na sua falta, ao atribuído aos trabalhadores que exerçam funções públicas; c) O pagamento das despesas de transporte, entre a residência habitual e o local de atividade, se não for assegurado o transporte até ao local de execução do projeto; d) Um seguro que cubra os riscos que possam ocorrer durante e por causa do exercício das atividades integradas no projeto de trabalho socialmente necessário”.
-
O réu Município “compromete-se a respeitar as condições de higiene e segurança no trabalho a que estiver obrigado nos termos legais e convencionais do setor de atividade em que se integra” e na sequência desta obrigação cria as condições para que o trabalhador beneficie de “um seguro que cubra os riscos que possam ocorrer durante e por causa do exercício das atividades integradas no projeto de trabalho socialmente necessário”, tendo o Município, em cumprimento dessa obrigação outorgado com a Ré X um contrato para a transferência de responsabilidade civil por acidente.
-
O trabalho desenvolvido pelo Recorrente é prestado no concelho de “… e realizar-se-á de acordo com o horário que legal e convencionalmente está em vigor para o setor de atividade onde se insere o projeto da medida contrato emprego-inserção+ e conforme acordado entre as partes no presente contrato, ou seja, entre as 9h00m e às 17h00m”.
-
A atividade prosseguida pelo trabalhador está ainda sujeita a controlo de assiduidade, nos termos da cláusula 5ª que disciplina as faltas e os seus efeitos.
-
Para caracterizar a relação de trabalho emergente do referido contrato, releva também a circunstância de o Município, enquanto destinatário do trabalho prestado pelo trabalhador, ser responsável parcialmente pelo pagamento da bolsa a que o trabalhador tem direito, nos termos do artigo 13º, nº 3 e nº 5, da Portaria nº 128/2009, de 30 de janeiro.
-
A atividade desenvolvida pelo Autor ao abrigo do referido contrato era levada a cabo num regime de subordinação, estando o Recorrente dependente das diretrizes dadas pelo Município ... no que concerne à atividade que devia desenvolver, vigorando assim entre as partes uma verdadeira relação de trabalho subordinado (o Município enquanto destinatário da atividade prosseguida pelo trabalhador define e enquadra o trabalho a prestar e controla a sua prestação efetiva).
-
As funções do Recorrente eram desempenhadas nos termos de um contrato de inserção-emprego celebrado com o Município ... que enquadrava e dirigia o trabalho prestado pelo sinistrado e que assumia a responsabilidade pelo pagamento de parte da contrapartida paga ao sinistrado pelo trabalho desempenhado.
-
Na vigência do referido contrato o Recorrente, quando prestava a sua atividade para o Município, foi vítima de um acidente enquanto fazia a recolha de lixo, e do qual resultaram os ferimentos melhor descritos no relatório médico junto aos autos.
-
O referido acidente ocorreu dentro do horário normal de trabalho do Autor e no exercício das suas funções ao serviço do Município ..., de que resultaram danos de natureza patrimonial e não patrimonial.
-
Assim, nos termos do artº 3º da Lei nº 98/2009, o acidente em causa será considerado como um acidente de trabalho, atento o disposto no artº 8º, nº 1, da referida Lei, o qual prescreve que: “é acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução da capacidade de ganho ou a morte”.
-
O conceito de acidente de trabalho sempre enquadra os acidentes sofridos na execução de trabalhos espontaneamente prestados, conforme decorre da alínea b), do nº 1, do artigo 9º daquela Lei.
-
A relação de trabalho que ligava o sinistrado ao Município não integra um vínculo de trabalho em funções públicas, tal como ele hoje decorre da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de junho.
-
Considerando a relação laboral existente entre o Autor e o Réu/Interveniente Município ... compre ao Tribunal de Trabalho apreciar da violação da mesma, atenta a ocorrência do acidente de trabalho melhor descrito nos autos.
-
Mesmo e apesar do Autor, à data do acidente ser beneficiário do Rendimento Social de Inserção, o acidente por si sofrido enquanto exercia funções para o Município ..., deve ser considerado como acidente de trabalho, nos termos dos artigos 8º e 9º da Lei nº 98/2009, de 4/09, neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal dos Conflitos 053/17, de 25/01/2018 e o Acórdão do Tribunal dos Conflitos 015/17, de 19/10/2017.
-
Assim, pelo exposto, a competência para apreciar a presente causa recai, nos termos do artº 126º, nº 1, al. c) da LOFTJ aos juízos do Trabalho, neste caso onde atualmente tramita a presente ação.
-
O Recorrente J. C. intentou ação de processo comum, em 11/12/2017, nos juízos cíveis do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, a qual correu assim inicialmente os seus termos pelo Juízo Local Cível de …, Juiz 3, sob o nº 2953/17.0T8BCL (continuando a manter o mesmo número – o processo foi remetido dos juízos cíveis para os juízos do trabalho) contra X – Companhia de Seguros, S. A., que em tempo oportuno apresentou a competente contestação.
-
Em 28 de Junho de 2018 foi proferido despacho saneador que, oficiosamente, decidiu julgar por verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta e consequentemente declarou a instância Local Cível de … materialmente incompetente, absolvendo a Ré da instância (sendo competente o Juízo do Trabalho – …, do Tribunal da Comarca de Braga).
-
Transitado em julgado o respetivo despacho, foram os autos remetidos ao Juízo do Trabalho de …, do Tribunal da Comarca de Braga, e distribuídos ao Juiz 2 (onde tramita atualmente).
-
Ora, do acervo fáctico descrito na petição inicial, respetivos enquadramentos jurídicos e normativos e aos pedidos formulados pelo autor, conclui-se qua a apreciação e a decisão do caso sub iudice competirá ao Juízo de Trabalho territorialmente competente, ou seja, ao Juízo de Trabalho de … onde atualmente tramita seus termos.
-
Assim, por decisão proferida em 28/06/2018, o Mmº. Juiz, titular do Juiz 3, do Juízo Local Cível de …, do Tribunal da Comarca de Braga, declarou-se incompetente em razão matéria por entender que competente para conhecer da questão em apreço é o Juízo de Trabalho de …, onde tramita atualmente.
-
Por decisão proferida em 18/09/2019, foi declara por este Juízo do Trabalho de … – Juiz 2 – a incompetência, entendo que tal competência para apreciação e decisão do acidente em apreço cabe na competência residual da jurisdição cível.
-
Os presentes autos foram remetidos da jurisdição cível para este Juízo do Trabalho, pelo que, e salvo o devido respeito, caberia a este Juízo do Trabalho remeter os presentes novamente à jurisdição cível para posterior tramitação ou remeter os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Guimarães para dirimir o presente conflito de competências, nos termos do disposto no art. 111º...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO