Acórdão nº 42/17.7T8VVD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelJOAQUIM BOAVIDA
Data da Resolução12 de Março de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO 1.1. J. M.

e mulher, F. R., intentaram acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra R. F.

e mulher, A. M.

, pedindo que o Tribunal: a) Declare que os Autores são os donos e legítimos proprietários do prédio identificado no artigo 1º da petição inicial; b) Declare que os Réus não são proprietários de paredes meeiras com os Autores, relativamente à parede da sua habitação que verte para o terraço dos Réus; c) Condene os Réus a absterem-se de praticar quaisquer actos lesivos da sua propriedade; d) Condene os Réus a pagar os prejuízos que provocaram na propriedade dos Autores, com a sua actuação, no valor de € 1.800,00; e) Condene os Réus a pagar aos Autores uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 5.000,00.

*Os Réus contestaram, impugnando parcialmente a matéria alegada na petição inicial.

*1.2.

Realizada a audiência final, precedida de exame pericial, proferiu-se sentença a julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência, a decidir nos seguintes termos: «a) Declaro que os Autores, J. M. e F. R., são os donos e legítimos proprietários do prédio identificado no ponto 1 dos Factos Provados; b) Condeno os Réus, R. F. e A. M., a absterem-se de praticar quaisquer atos lesivos da propriedade dos Autores; c) Condeno o Réu R. F. a pagar os prejuízos que provocou na propriedade dos Autores, com a sua atuação, no valor de € 1.800,00; d) Condeno o Réu R. F. a pagar aos Autores uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 1.500,00».

*1.3.

Inconformados, os Réus interpuseram recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes conclusões: «1ª) A causalidade a demonstrar entre uma fenda de parede no seu exterior e as manchas de humidade no seu interior, sempre susceptíveis de ocorrer provindas dos cumes de esquina das paredes das casas, não pode prevalecer por meras observações de testemunha(s), uma in casu – v. fundamentação –, mormente quando a localização duma coisa (ditas fendas) não corresponde à outra (humidades no interior) tal como podem e bem observar-se nas fotos dos autos, e mais objectivamente; 2ª) Tampouco pode esse nexo causal, indispensável ao estabelecimento da necessária responsabilidade civil por facto ilícito atinente ao caso, vir a ser estabelecido por regras da experiência para com os escorrimentos ou infiltração de águas pluviais, pois que elas, como é sabido, pouco ou mal funcionam no estabelecimento de causalidades em obra de construção civil, maxime em matéria de infiltrações pluviais no casario em geral, como já é ampla e comummente sabido em geral; 3ª) Ademais, no particular antes pode e deve dizer-se que a localização duma coisa (abertura de fendas) no exterior não corresponde à localização das humidades na parede interior, pois aquelas estão dispostas ao longo da extensão em largura da parede exterior Norte e a nem sequer 2 ms de altura (1,90 diz o auto de inspecção ao local), e não no seu topo e canto nordeste, aonde surge ou donde descaem as manchas de humidade interiores ao quarto de dormir da casa dos AA.; 4ª) Não existem, pois, meios probatórios bastantes nos autos, antes pelo contrário, para neles manter como provado o item 35º da fundamentação da sentença, que deve ser eliminado da sentença; 5ª) Um simples orçamento, sem mais apoio em contraditório ajuizando e sem mais prova testemunhal, de pessoal técnico competente, p.ex., confirmando ou conferindo o valor de obra orçado, não é bastante para a condenação no valor correspondente ao orçado, pois que o dano quer-se e tem de ser real ou mais exacto em si mesmo, em face da obra a efectuar; 6ª) Não pode, assim, manter-se como provado o facto do item 36º da mesma fundamentação sentenciadora, e a eliminar também da mesma; 7ª) E o mero enegrecimento de paredes interiores, sem mais prova de outra qualquer afectação do aposento respectivo na casa de morada dos AA., não é um facto capaz nem suficiente de trazer uma qualquer reparação moral à pessoa dos mesmos; 8ª) Assim, não podem os RR. ser condenados em reparação da dano algum, seja material ou moral, este por motivo do facto levado ao item 37º da fundamentação, senão sob directa e grave violação do disposto nos arts. 483º segs. CCivil Português, maxime no artigo 496º/1 CCivil.

NESTES TERMOS, e demais de direito – v. artigo 662º NCPC, de ordem até oficiosa, Deve prover-se ao recurso, absolvendo-se os RR. da condenação pecuniária em causa (sejam ambas as duas verbas respectivas) - e tudo com as legais consequências».

*Os Autores não apresentaram contra-alegações.

*O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

*Foram colhidos os vistos legais.

** 1.4. QUESTÕES A DECIDIR Em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nºs 2 a 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a área de intervenção do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (1). Tal restrição não opera relativamente às questões de conhecimento oficioso, as quais podem ser decididas com base nos elementos constantes do processo. Em matéria de qualificação jurídica dos factos a Relação não está limitada pela iniciativa das partes – artigo 5º, nº 3, do CPC. Por outro lado, o tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.

Neste enquadramento, constituem questões jurídicas a decidir: i) Erro da decisão sobre a matéria de facto no que respeita aos pontos nºs 35 e 36 dos factos provados; ii) Reapreciação de direito em função da modificação da matéria de facto requerida pelos Recorrentes, o que envolverá apurar: a) Se não se verificam danos patrimoniais ou, existindo, se a sua liquidação deve ser relegada para momento posterior; b) Se “o mero enegrecimento de paredes interiores não é um facto capaz nem suficiente de trazer uma qualquer reparação moral” à pessoa dos Autores.

*** II – FUNDAMENTOS 2.1. Fundamentos de facto A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos: 1- Os Autores têm inscrita em seu nome no registo predial a aquisição da propriedade do prédio urbano composto por casa com dois pavimentos, quintal e anexo, sito no Lugar …, a confrontar de Norte e Poente com R. F., Nascente e Sul com caminho público, com a área coberta de 173 m2 e descoberta de 1.818 m2, inscrito na respectiva matriz sob o artigo … U, anteriormente inscrito na matriz sob o artigo ..

Urbano, e descrito na conservatória do Registo Predial ... sob n.º …/19910731.

2- Por escritura pública outorgada em 26 de Março de 1982 no extinto Cartório Notarial de …, a folhas 30 verso a 32 do Livro de notas para escrituras Diversas n.º 8-B, A. P. e mulher V. S., declararam doar ao Autor, que declarou aceitar, o prédio urbano referido em 1, com reserva de usufruto vitalício e sucessivo, e com a condição de cuidar dos doadores “para os tratar sãos como sãos e doentes como doentes”.

3- A. P. e V. S. faleceram, respectivamente, em - de Dezembro de 2002 e - de Fevereiro de 2008.

4- Os Autores, por si e antecessores, há mais de quarenta e cinco anos usam e fruem o prédio referido em 1, colhendo os frutos e rendimentos, agricultando-o, pagando os respectivos impostos.

5- Tudo fazendo à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém.

6- Com exclusão de outrem e sem lesar os direitos de terceiro.

7- Sempre de forma continuada e ininterrupta.

8- E com ânimo de quem é dono e exerce direito próprio a isso correspondente.

9- Os Réus têm inscrita em seu nome no registo predial a aquisição da propriedade de um prédio misto sito em …, freguesia de ...

, concelho de Vila Verde, composto por morada de casas térreas e eido junto de lavradio e vidonho, a confrontar do Norte e Nascente com caminhos públicos, do Sul com herdeiros de A. S. e caminho público e do Poente caminho e R. F., inscrito na matriz sob os artigos ..

urbano e … rústico e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob descrição n.º …/20100319.

10- Os Réus, por si e antecessores, há mais de quarenta e cinco anos usam e fruem o prédio referido em 9, colhendo os frutos e rendimentos, agricultando-o, pagando os respectivos impostos.

11- Tudo fazendo à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém.

12- Com exclusão de outrem e sem lesar os direitos de terceiros.

13- Os prédios referidos em 1 e 9 encontravam-se separados por uma parede em pedra, que fazia a divisão interna entre as duas habitações.

14- Os prédios referidos em 1 e 9 pertenceram aos mesmos donos, A. S. e J. D., avós do Autor marido e da Ré mulher e pais da doadora V. S..

15- O prédio referido em 1 era mais alto que o prédio referido em 2.

16- O prédio referido em 1 foi sempre habitação de família.

17- Nos anos setenta, os Réus instalaram a sua residência no prédio referido em 9.

18- Na década de 80 do século passado, os Réus decidiram fazer obras no prédio referido em 9, junto ao prédio referido em 1.

19- E, nessa reconstrução, recuaram a parede do prédio referido em 9 da face da estrada cerca de seis metros.

20- Antes dessa reconstrução, o prédio referido em 9 encontrava-se construído até à estrada e a facear pelo Sul com o prédio referido em 9.

21- Recuando a construção, os Réus criaram um terraço, com cerca de 15 a 20 metros de comprimento, que acompanha o prédio referido em 9 em toda a sua extensão, pelo lado Nascente, junto à estrada.

22- Foi, ainda, recortada parte desse terraço, para permitir uma melhor circulação de veículos automóveis junto da Igreja matriz de ...

.

23- Na reconstrução referida em 18, os Réus demoliram, pelo seu lado Norte, a parede que dividia os prédios referidos em 1 e 9, na parte correspondente à espessura da mesma que se situava acima do terraço referido em 21.

24- O prédio referido em 1 manteve-se a confrontar directamente com o arruamento público, pelo seu lado Nascente.

25- Após o óbito da doadora V. S., os...

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