Acórdão nº 354/18.2T8BGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução12 de Março de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório A. L. instaurou, no Juízo Local Cível de Bragança - Juiz 2 - do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, ação especial de prestação de caução, ao abrigo do disposto nos arts. 906º e ss. do Código de Processo Civil, contra M. A., J. P. e X – Multifunções em Construção e Engenharia, S.A., peticionando a condenação destes na prestação de caução idónea no valor de 56.986,96€.

Para tanto alegou em síntese que, em 21/11/2013, celebrou com o Réu, J. P., um contrato de cessão das 3.750.000 acções, no valor nominal de € 0,01 cada, que, enquanto sócio da Ré, X, S.A., detinha na referida empresa, tendo em tal acordo outorgado também a Ré, M. A. e a própria sociedade demandada.

Todos os referidos Réus obrigaram-se nos termos de tal acordo a assumir integralmente o pagamento das dívidas avalizadas pelo Autor no período da respectiva gestão da sociedade demandada ou, não sendo tal possível, a substituição, no prazo de 6 meses, de tais garantias de modo a desonerar o demandante da aludida responsabilidade, sob pena de, não o fazendo, incorrerem na obrigação de indemnizarem o Autor no valor de 0,5 UC por cada dia de atraso no cumprimento de tal obrigação.

Não obstante os Réus não cumpriram tal obrigação até 21/5/2014 (data do final do prazo contratualmente previsto), nem posteriormente, sendo que, nessa sequência, aquele continua a garantir a dívida de € 56.802,46 contraída pela Ré, X, S.A., junto do Banco ..., S.A. na sequência de pagamento por este efectuado de garantia bancária prestada ao Município ..., correndo o demandante o risco de vir a ser accionado por este credor, uma vez que é avalista quanto a tal débito.

Pretende o Autor ser acautelado quanto a tal possibilidade mediante a prestação pelos Réus de caução pelo valor de € 56.986,96, o qual engloba, para além do valor do referido débito, a quantia de € 184,50, correspondente ao preço que o demandante pagou para obtenção da parte do Banco ..., S.A. do documento junto como nº 4 com a petição inicial.

*Citados, os Réus apresentaram contestação, nos termos constantes de fls. 53 a 57, pugnando, entre o mais, pela total improcedência da ação.

Em abono da sua defesa alegaram, em resumo, que no que concerne às duas garantias bancárias contraídas junto, respectivamente, da Santa Casa da Misericórdia ... e do Município ..., uma delas, no valor de € 9.831,52, já se extinguiu (a primeira), sendo que a segunda, no valor de € 46.970,94, estaria em vias de ser libertada, o que tornaria a presente lide inútil nos termos da alínea e) do artigo 277º do CPC.

Não se verifica qualquer incumprimento da parte da sociedade demandada no que diz respeito aos contratos celebrados por esta com a Santa Casa da Misericórdia ... ou com o Município, pelo que inexistiria qualquer razão para o accionamento das garantias bancárias e, consequentemente, para que o Autor pudesse vir a responder, enquanto avalista, perante o Banco ..., S.A., no caso de este banco proceder ao pagamento de tais garantias.

Foi realizada a audiência final, conforme resulta da respectiva acta (cfr. fls. 144 e 145).

*Posteriormente, o Mm.º Julgador a quo proferiu sentença (cfr. fls. 146 a 152), nos termos da qual decidiu absolver os Réus de todos os pedidos deduzidos pelo Autor.

*Inconformado, o autor interpôs recurso da sentença (cfr. fls. 159 a 164) e, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1ª. O Autor, ora Recorrente, não se conforma com a douta decisão proferida em 12-3-2019, que absolveu os Réus dos pedidos formulados na Petição Inicial (e, em consequência, o condenou no pagamento das respetivas custas), considerando que, em face dos factos provados e constantes dos autos, a douta sentença recorrida não fez a melhor interpretação e aplicação das normas jurídicas vigentes e pertinentes, de onde decorre o presente recurso, com os seguintes FUNDAMENTOS: 2ª. Salvo o devido respeito, o recorrente considera que, em face dos documentos constantes dos autos, foram indevidamente julgados os factos dados como provados sob os pontos 16, 17 e 22. Assim: 3ª. Dos documentos de fls 63 e ss dos autos, juntos pelos RR com o seu requerimento de 26-06-2018 (para prova dos factos alegados na contestação), resulta: . Que a libertação de 60% do valor da garantia pela Câmara Municipal ... ocorreu em 26-10-2012, no valor de 14.747,28 € - cfr. ofício da ... de 5-11-2012 e respetivo extrato da Ata da respetiva deliberação aí juntos.

. Que a obra realizada pela X, SA foi recebida provisoriamente pela Câmara Municipal ... em 9 de setembro de 2010, antes daquela libertação – cfr. respetivo Auto de Receção Provisório; 4ª. Daqui resulta evidente que, apesar de em 26-10-2012 a ... ter libertado 60% do valor da garantia inicialmente prestada, tal garantia bancária mantém-se atualmente no valor de 9.831,52 € (conforme resulta do documento junto na petição inicial sob o nº 4 e não impugnado / Declaração do Banco ... com data de 26-01-2018), impondo-se por isso que a redação do ponto 16 dos factos provados inclua tal circunstância, da seguinte forma: “16. Por sua vez, no que respeita à garantia bancária aludida em 8), em 26-10- 2012 a Câmara Municipal ..., libertou 60% do respectivo valor prestado inicialmente, mantendo atualmente o valor de 9.831,52 €”.

5ª. Por sua vez, tendo em conta que a obra foi recebida provisoriamente pela ... em 9 de setembro de 2010 e, por isso, antes (e não posteriormente) de ter ocorrido a libertação de 60% da garantia em causa a que alude o ponto 16 (em 26-10-2012), impõe-se a respetiva alteração ao ponto 17 dos factos provados, da forma seguinte: “17. Tendo, anteriormente, em 9 de Setembro de 2010 recebido provisoriamente a obra realizada pela X, S.A., no entendimento de que tal obra cumpria as regras técnicas da arte em conformidade com o projecto, caderno de encargos contrato e alterações acordadas posteriormente.”.

6ª. Com fundamento no depoimento do pai do Autor (V. F.), a douta sentença deu ainda como provado que: “22. O Autor apenas possui como bens penhoráveis a sua casa, a qual se encontra hipotecada a favor da Caixa ..., S.A., auferindo salário mensal de € 1800,00 ilíquido”, o que constitui matéria que não foi alegada nem pelo Autor, nem pelos RR, e traduz factualidade só suscetível de ser provada por documento idóneo.

7ª. Tendo o Ilustre Tribunal a quo, salvo o devido respeito, violado o disposto no artº 607, nº 5, do CPC, de onde decorre que tal facto deve ser excluído dos factos dados como provados.

8ª. Independentemente do invocado erro de julgamento, o Autor considera que, em face do regime legal vigente e aplicável, os factos dados como provados sob os nºs 4, 5, 7, 8, 9, 10, 13 e 14 e os documentos constantes dos autos deveriam ter reconduzido á procedência da ação. ASSIM: 9ª. Daqueles factos provados resulta evidente que: . As operações de créditos / garantias constituídas pelo Banco ... a favor da X, SA e garantidas pelo Autor com os seus avais, foram constituídas sem prazo e continuam ativas; . O Autor continua a garantir tais operações de crédito, o que poderá determinar a qualquer momento a sua obrigação de pagamento junto do Banco ... daqueles respetivos valores garantidos, num total de 56.802,46 € (9.831,52 €+ 46.970,94 €); . O prazo de seis meses a partir de 21-11-2013 que os RR dispunham para liquidar tais obrigações ou substituir os avais prestados pelo Autor encontra-se largamente ultrapassado.

. Os RR assumiram toda a responsabilidade que possa decorrer do acionamento por parte daquele Banco dos avais prestados pelo Autor, o que implica a sua responsabilização por todos os valores que o Autor venha a pagar ao Banco ... pela manutenção daqueles.

10ª. Tendo em conta tais factos provados, o Autor considera (como considerou na PI) que tem direito de ser acautelado, por parte dos RR, por via da responsabilidade assumida junto do Banco ... e que aqueles ainda não liberaram, o que, na sua perspetiva, justifica e impõe a imediata prestação de caução por parte dos RR no valor por ele ainda garantido, nos termos previstos no artº 906º e ss, do CPC.

11ª. O Ilustre Tribunal a quo julgou a ação improcedente considerando inexistente o direito à prestação de caução por parte dos RR a favor do Autor. Conforme resulta da “fundamentação de direito” (cfr. fls 8, 9 e 10), com referência aos artºs 623º e 624º do Código Civil, a douta sentença considerou desde logo não ser aplicável ao caso dos autos o regime previsto no artº 648º, al. d), do Código Civil e, por isso, inexistir fundamento para a prestação de caução legal por parte dos RR.

12ª. Ao contrário do aí considerado, o Autor entende que, em face do dado como provado, designadamente, no ponto 12 dos factos provados, o regime estabelecido no artº 648º, al. d) do Código Civil é aplicável aos presentes autos, por determinar que “É permitido ao fiador exigir a sua liberação, ou a prestação de caução para garantia do seu direito eventual contra o devedor, … d) Se o devedor se houver comprometido a desonerar o fiador dentro de certo prazo ou verificado certo evento e já tiver decorrido o prazo ou se tiver verificado o evento previsto”. Assim: 13ª. Desde logo, como é sabido, a fiança e o aval (garantia destinada a títulos cambiários, regulada pelo direito comercial / LULL) são as duas garantias especiais pessoais consagradas na ordem jurídica.

14ª. O regime legal do aval encontra-se previsto apenas nos artºs 30º a 32º da LULL, pelo que, quando a especificidade do respetivo regime cambiário não o impede, é-lhe aplicável subsidiariamente o regime da fiança, por força do disposto no artº 3º do Código Comercial, que determina que direito cível tem aplicação subsidiária ao direito comercial.

15ª. Como resulta dos factos provados, entre o Autor (titular do direito á libertação dos avais/garantias) e os RR (obrigados, entre si e perante ele, a promover tal libertação), não existe qualquer nexo cambiário, de onde resulta desde logo...

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