Acórdão nº 989/19.6T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO MATOS
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.

*I - RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1. Quinta ... - Unipessoal, Limitada (aqui Recorrente), com sede na Quinta D. …, em Barcelos, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Seguros ... - Companhia de Seguros de Ramos Reais, S.A.

(aqui Recorrida), com sede na Rua …, em Lisboa, pedindo que · se condenasse a Ré a pagar-lhe a quantia de € 34.371,00 (a título de indemnização de danos patrimoniais, cobertos por prévio contrato de seguro celebrado com ela), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

Alegou para o efeito, em síntese, que, sendo proprietária de uma exploração agrícola, onde tem um edifício para albergar vacas leiteiras e para armazenar silagem para o gado, veio o dito edifício, no dia 17 de Fevereiro de 2018, a sofrer uma derrocada parcial, mercê da saturação - por água da chuva - da superfície de um terreno contíguo.

Mais alegou que a reconstrução do dito edifício lhe custará € 38.190,00.

Por fim, alegou que aquele risco - de derrocada por acção de fenómeno meteorológico, nomeadamente chuvas fortes -, se encontrava prevenido num contrato de seguro que previamente celebrara com a Ré.

1.1.2.

Regularmente citada, a Ré (Seguros ... - Companhia de Seguros de Ramos Reais, S.A.) contestou, pedindo que a acção fosse julgada improcedente.

Alegou para o efeito, em síntese, ter-se a derrocada do edifício ficado a dever à desadequação da estrutura de um muro de suporte do mesmo, e à deterioração do dito muro ao longo dos últimos trinta anos.

Mais alegou não ter a Autora invocado, nem terem ocorrido, as concretas circunstâncias exigidas para o preenchimento da previsão de riscos contidos nas cláusulas contratuais por ela invocadas.

1.1.3.

Dispensada (com a anuência das partes) a realização de uma audiência prévia, foi proferido despacho: fixando o valor da acção em € 34.371,00; saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); definindo o objecto do litigio («direito da Autora de exigir, ao abrigo do contrato de seguro Multiuso Empresas, titulado pela apólice n.º 020009206, o pagamento de uma indemnização por ter sofrido danos na decorrência da derrocada de um muro de suporte do edifício para albergar vacas leiteiras e armazenar silagem de sua pertença, ocorrida no dia 17 de Fevereiro de 2018 (responsabilidade civil contratual)») e enunciando os temas da prova («

  1. Apurar em que circunstâncias ocorreu a alegada derrocada de parte da edificação pertencente à Autora, sucedida no dia 17 de Fevereiro de 2019», «b) Definir a dimensão de tal sinistro», «c) Indagar a(s) causa(s) de tal sinistro», «c) Determinar os prejuízos advindos para a Autora da verificação do mencionado sinistro», «d) Atilar se o referido sinistro e suas consequências se encontram ou não cobertos pelo contrato de seguro Multiuso Empresa, titulado pela apólice n.º 02009206, celebrado com a Autora e a Ré»); e apreciando os requerimentos probatórios das partes, bem como designando dia para realização da audiência final.

    1.1.4.

    Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) VIII - DECISÃO Pelo exposto, atentas as considerações expendidas e as normas legais citadas, julga-se a presente acção totalmente improcedente, por não provada e, consequentemente, absolve-se a Ré … Seguros – Companhia de Seguros de Ramos Reiais, S.A. do pedido contra si formulado pela Autora Quinta … – Unipessoal, Ldª.

    Custas a cargo da Autora, pois deu azo aos presentes autos e neles decaiu – cfr. artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

    Notifique e registe.

    (…)»*1.2. Recurso (da Autora) 1.2.1. Fundamentos Inconformada com esta decisão, a Autora (Quinta ... - Unipessoal, Limitada) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que se revogasse a sentença recorrida e se substituísse a mesma por acórdão condenando a Ré no pagamento dos prejuízos apurados.

    Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui reproduzidas ipsis verbis): 1.ª - A presente demanda foi julgada totalmente improcedente pela Meritíssima Juíza a quo com o fundamento de que a recorrente não provou, como lhe competia, o teor da Cláusula 41ª da Condições da Apólice em crise nos presentes autos.

    1. - Vejamos, então, o que refere a dita Cláusula 41ª das Condições da Apólice: «CLÁUSULA 41ª – INUNDAÇÕES 1 – Garante a cobertura dos danos causados aos Bens Seguros em consequência de: a) Tromba de água ou queda de chuvas torrenciais, precipitação atmosférica de intensidade superior a dez milímetros em dez minutos no pluviómetro; b) Rebentamento de adutores, colectores, drenos, diques e barragens; c) Enxurrada ou transbordamento do leito de cursos de água naturais ou artificiais» (o sublinhado é nosso).

    2. - Ora, e como incumbia à recorrente por ser dela o ónus da prova, a mesma tratou de demonstrar - por recurso aos serviços de pessoa acreditada e especializada - que a precipitação que ocorreu nos dias subsequentes ao da derrocada foi de tal forma intensa que provocou a derrocada do muro em discussão nos presentes autos.

      É o que se retira de forma cristalina da decisão em recurso.

    3. - Todavia, e não obstante o que foi tido por provado nos pontos 9, 10 e 11 dos factos provados, a Meritíssima Juíza a quo entendeu que a recorrente não demonstrou que tivesse ocorrido uma precipitação correspondente a 10 milímetros em 10 minutos.

    4. - E, antes de abordar a temática da impressão do declaratário (prevista no artigo 236º do Cód. Civil), sempre se irá referir as dificuldades que aquela cláusula 41ª impunha à recorrente (ou a qualquer outro segurado naquelas concretas circunstâncias) e até, diga-se, à própria recorrida! 6.ª - Impunha ao segurado (a aqui recorrente) aquela Cláusula 41ª que o mesmo tivesse demonstrado que ocorreu uma precipitação de 10 milímetros em 10 minutos no pluviómetro.

      E o que demonstrou? Precisamente aquilo que foi tecnicamente possível demonstrar e que consta dos factos 9º e 10º dos factos provados.

    5. - Mas lido e relido todo o clausulado em parte alguma se prevê e/ou estipula como deveria ser colhida essa informação para que pudesse ser accionada essa cobertura.

      Isto é, não há em parte nenhuma do contrato de seguro em crise nos presentes autos a mais ténue referência quanto ao modo, ao método e às circunstâncias em que deveria ser colhida essa informação.

    6. - Por isso, como poderia a recorrente demonstrar o indemonstrável? Como poderia a recorrente informar quer a recorrida, quer em consequência do Tribunal a quo, quanto a essa medição? Onde deveria a mesma ocorrer? E em que 10 minutos da hora, do dia, da semana ou do mês deveria ser colhida? E, por isso mesmo, como poderia a ora recorrida, confirmar também se aquele nível de precipitação ocorreu ou não? O contrato de seguro em crise nos autos é absoluta e confrangedoramente omisso quanto a isso.

    7. - É que, como se referiu no corpo destas alegações, quer o Meteoblue quer o próprio IPMA recorrem a medições de hora em hora, de 4 em 4 horas ou mesmo uma vez de 24 em 24 horas, pois só desse modo se consegue estabelecer uma média para aquele dia…! Mas para o contrato dos autos poderia ser 60 milímetros em 60 minutos.

      Mas não; tinham de ser 10 milímetros em 10 minutos…! 10.ª - Como é até facto notório, dias ou mesmo horas temos em que não chove durante grande parte do tempo e, de repente, em fenómenos de 1 ou 2 minutos ocorre uma chuva diluviana.

      Ainda assim, a coberto da Cláusula 41ª e se tivesse ocorrido uma situação dessas, jamais a recorrente poderia “preencher” aquela condição da apólice dos autos, pois não teriam chovido 10 milímetros em 10 minutos.

      Teria chovido bem mais do que 10 milímetros mas não em 10 minutos.

    8. - Daí que facilmente se perceba, até de acordo com as regras da experiência e do normal suceder (atentas as tão famigeradas alterações climáticas), que essa “condição” é de demonstração praticamente impossível, pois que nem as entidades oficiais adoptam tamanha medição e o próprio clima não permite, atentas as variações a que estamos actualmente sujeitos, tamanha “precisa” medição.

      É que têm de ser 10 milímetros em 10 minutos…! 12.ª - E assim é, como inquestionavelmente é, não restaria à Meritíssima Juíza a quo, até por recurso às mais elementares regras da experiência comum e ao normal suceder, que se tivesse socorrido, para a interpretação daquela Cláusula 41ª, da doutrina da impressão do destinatário, prevista no artigo 236º do Cód. Civil.

    9. - Tratando-se o contrato de seguro em discussão nos autos – como, aliás, a Meritíssima Juíza a quo bem anotou - de um contrato de adesão, jamais a recorrente poderia ter aderido àquele contrato sem aquela “previsão”, ou seja, não lhe era permitido – nem isso resulta do restante clausulado - que pudesse “expurgar” daquele contrato aquela concreta exigência.

      Dito por outras palavras: - ou contratava aquele contrato naqueles moldes, ou não contratava.

    10. - E, pela doutrina da impressão do declaratário, torna-se particularmente óbvio, com o devido respeito, que a recorrente pretendeu transferir a sua responsabilidade civil decorrente do exercício daquela sua concreta actividade (vacaria) e dos bens que pretendeu segurar por danos que ali pudesse ocorrer por água (pluviais, naturalmente).

    11. - E o que acabou de se referir decorre, mesmo, daquilo que vai previsto em termos de fenómenos da natureza cobertos por essa mesma Cláusula 41ª, ou seja: - tromba de água ou queda de chuvas torrenciais; - rebentamento de adutores, colectores, drenos, diques e barragens; - enxurrada ou transbordamento do leito de curso de água naturais ou artificiais.

    12. - Ou seja, aquilo que a recorrente (como declaratária)...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT