Acórdão nº 52/19.0T8PTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Data da Resolução06 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

RELATÓRIO.

Recorrente: J. C.

Recorrido: J. M..

J. C., residente (de acordo com a menção constante da petição inicial) na Rua …, Ponte de Lima, instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra J. M., residente (segundo o mesmo articulado) quanto em Portugal, na Rua do …, Ponte de Lima, pedindo a condenação deste a pagar-lhe: a- 1.500,00 euros, a título de despesas que teve com os tratamentos e medicamentos decorrentes das lesões provocadas pelo Réu; b- 40.000,00 euros, a título de danos não patrimoniais; c- 50.000,00 euros, pelo período de tempo em que esteve impossibilitado de trabalhar em consequência das lesões provocadas pelo réu; d- juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Para tanto alega, em síntese, que à data dos factos exercia a atividade de pedreiro e que em 04/12/2014, efetuou trabalhos de alvenaria numa casa em França; Nesse dia, enquanto trabalhava, foi surpreendido pelo Réu, que se introduziu nessa casa e lhe desferiu um pontapé nas costas, fazendo-o cair e bater com a cabeça contra um muro, em consequência do que, o Autor sofreu lesões, que lhe demandaram danos patrimoniais e não patrimoniais (que concretiza); Nesse dia 04/12/2014, quando sofreu as agressões, o Réu, de alta voz disse, de forma a ser ouvido pelo Autor e por quem estivesse nas redondezas, que este lhe roubava trabalho e que não pagava os impostos em França; Tais comentários rapidamente chegaram às gentes de “...”, freguesia da residência de Autor e Réu, quando em Portugal, o que denegriu fortemente a imagem do Autor e fez com que este perdesse clientes, quer em Portugal, quer em França; Tem residência em Portugal, onde tanto o mesmo, como o Réu, passam diversas temporadas durante o ano civil; O Autor não sabe falar, sequer escrever a língua francesa, sendo que a única língua que domina é o português.

O Réu contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.

Invocou a exceção da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer do presente litígio, sustentando que o Autor baseia o seu pedido indemnizatório em factos ocorridos em França e onde ambos são residentes, apenas de deslocando a Portugal, no verão, na época de férias, por um período aproximado de um mês; Mais sustenta que pelo Tribunal de Grande Instance de Perpignan, França, correu termos um processo correcional, que teve por objeto os factos ocorridos em 04/12/2014, que são os mesmos que vêm alegados pelo Autor nos presentes autos e que, por sentença proferida nesse processo, em 18/01/2018, já transitada em julgado, o tribunal francês declarou-se competente e ilibou o aqui e ali Réu de qualquer pena criminal e civil.

Invocou a exceção da prescrição, alegando que entre 04/12/2014, data em que o Autor situa os factos que imputa ao Réu, e a data da instauração da presente ação, em 17/01/2019, estão decorridos mais de três anos; Impugnou a quase totalidade dos factos alegados pelo Autor.

Conclui pedindo que por via da procedência da exceção da incompetência internacional dos tribunais portugueses, se absolva o mesmo da instância e, subsidiariamente, que por via da procedência da exceção da prescrição, se absolva aquele do pedido e, em todo o caso, que se julgue improcedente por não provada a ação.

O Autor respondeu às duas exceções invocadas pelo Réu, concluindo pela respetiva improcedência, reafirmando, em sede de exceção da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer dos presentes autos, não saber falar, nem escrever francês, sequer compreender essa língua e que tanto ele como o Réu têm residência e nacionalidade portuguesas, existindo, por isso, ponderoso elemento de conexão pessoal entre o objeto do presente litígio e a ordem jurídica portuguesa.

Conheceu-se da exceção dilatória da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecerem do presente litígio, julgando essa exceção procedente e absolveu-se o Réu da instância, constando essa decisão do seguinte teor: “Invocou o réu expressamente a exceção de incompetência internacional dos tribunais portugueses.

Para a apreciação da competência internacional em matéria civil e comercial prevalecem, antes de mais, as normas do Regulamento da União Europeia n.º 1215/2012 de 12 de dezembro (cfr. artigo 8.º, 2 da Constituição da República Portuguesa e artigo 59.º do Código de Processo Civil). Neste Regulamento (UE) 1215 estabeleceu-se, para determinação da competência, um critério geral: o do domicílio do réu, independentemente da sua nacionalidade (artigo 4.º, 1 do Regulamento) e vários critérios especiais (cfr. artigo 5.º, 1: “As pessoas domiciliadas num Estado-Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado-Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo”).

Ora, é evidente que o réu tem residência em França. Veja-se, a propósito da morada da residência do réu, o que se fez constar na sentença penal (traduzida) junta a fls. 26 a 30 dos autos. Aí aparece o réu, como aliás também o autor, com residência em França. Circunstância que o autor não pode deixar de ignorar. Não pode o autor pretender beneficiar, para específicos efeitos processuais, de uma morada do réu em França e, para outros, de uma morada do réu em Portugal.

Importa então aferir se a coberto de qualquer outra disposição processual, de direito comunitário ou nacional, tem o autor direito a demandar o réu em Portugal.

Alega o autor, com pertinência para a decisão a proferir, que no dia 4 de dezembro de 2014, em França, foi agredido pelo réu o que lhe causou ferimentos e danos vários; que nesse dia o réu lhe disse em alta voz, por forma a ser por todos ouvido, que [o autor] lhe roubava trabalho e não pagava impostos, o que lhe denegriu fortemente a imagem em ..., Ponte de Lima, por onde tais dizeres se espalharam.

Prevê-se na secção 2 do regulamento (a única que aqui importa ponderar), concretamente sob o artigo 7.º, 2 e 3 do Regulamento, que as pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso, ou, se se tratar de ação de indemnização ou de ação de restituição fundadas em infração penal, perante o tribunal em que foi intentada a ação pública, na medida em que, de acordo com a sua lei, esse tribunal possa conhecer da ação cível.

Ora, o Estado Membro onde ocorreu o facto danoso é, inegavelmente, França. E, de igual modo, foi intentada a ação pública em França. Pelo que não prevê a legislação comunitária a escolha de Estado Membro diverso do de França para a instauração da presente ação.

E não prevê mesmo que se atentasse ao alegado invocado dano reputacional verificado em ... em consequência dos dizeres alegadamente proferidos pelo réu em França. Veja-se, sobre a mesma questão de direito, o que se disse no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra tirado a 28.9.2010 no processo n.º 512/09.0TBTND.C1: A interpretação da expressão “lugar onde ocorreu o facto danoso” tem sido objeto de controvérsia; sendo que uma corrente de opinião vem defendendo como reportando-se ao lugar onde ocorreu o facto ou evento que desencadeou ou causou o dano, ou seja, que esteve na origem do dano, gerador, portanto, da responsabilidade civil extracontratual; enquanto que outra corrente vai no sentido do entendimento que aquela expressão abrange tanto o lugar onde se verifica o dano como o lugar onde ocorre o evento causal do mesmo, de tal forma que não havendo coincidência entre tais lugares o autor sempre poderá escolher entre cada um dos tribunais que tem jurisdição sobre tais lugares. Porém, mesmo na acepção dessa segunda corrente, tal interpretação deverá ser feita com um campo limitado, no que concerne ao lugar da verificação do dano, por forma a entender-se não ser de considerar-se como lugar da materialização do dano o Estado ou Estados onde se façam sentir as consequências danosas – incluindo as sequelas e os danos futuros – de um evento que causou um dano num outro Estado. Ou seja, acontecendo que em consequência de um dano produzido num dado lugar venham ainda a produzir-se outros danos (adicionais ou sequenciais) noutros lugares, só o dano ocorrido em primeiro lugar determinará a competência do tribunal.

Cumpre então apenas aferir se são os tribunais portugueses internacionalmente competentes ao abrigo das normas conjugadas do artigo 59.º e 62.º, c) do Código de Processo Civil, que prevêem que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes “quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real”.

Ora, é evidente o elemento poderoso de conexão entre o objeto do litígio (que assenta na existência, ou não, de agressão e injúria do réu ao autor) e a ordem jurídica portuguesa, pois resulta dos autos que tanto autor como réu são de nacionalidade portuguesa, sendo, portanto, a lei portuguesa a lei pessoal de ambos (cfr. artigo 31.º, 1 do Código Civil). Pelo que importa apenas aferir se a alegada circunstância do autor não saber falar francês (apesar de exercer em França atividade profissional de pedreiro – cfr. artigo 1.º da p.i.) constitui, ou não, a “dificuldade apreciável” a que se reporta o artigo 62.º, c) do Código de Processo Civil. Trata-se esta “dificuldade apreciável” da impossibilidade relativa aludida por José Lebre de Freitas a pág. 140 do CPC Anotado (2.ª Edição, Coimbra Editora 2008), por contraposição à impossibilidade absoluta prevista no primeiro segmento da norma do artigo 62.º, c). De acordo com o entendimento deste autor, que se perfilha, a dificuldade tem de ser manifesta – a oneração do autor com a proposição da ação no estrangeiro tem de ter como...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT