Acórdão nº 741/15.8T8VVD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelMARGARIDA SOUSA
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO: Z. R., M. R. e D. M. intentaram contra M. J., D. D. e J. D. ação declarativa sob a forma de processo comum na qual pedem que sejam os Réus condenados a: a) Reconhecer que sobre o prédio Leira ..., dos Réus, existe uma servidão de águas em proveito dos prédios rústicos Leira ..., dos Autores, servidão essa constituída por usucapião, a ser exercida do modo explanado na Petição Inicial; b) Reconhecer que os Autores são titulares de um direito de servidão de presa e aqueduto, bem como da acessória servidão de passagem, com assento sobre o prédio dos Réus, para integral aproveitamento da água da Poça ...; c) Repor o rego e o carreiro a pé, retirando as cabritas em cimento lá colocadas no rego, a pedra na entrada do campo e os esteiros junto à cancela; d) Abster-se de quaisquer atos que impeçam ou dificultem o exercício de tais direitos; e) Indemnizar os Autores por todos os prejuízos (perdas e danos) que já causaram e continuam a causar, a liquidar em execução de sentença.

Invocam a usucapião sobre os referidos prédios rústicos denominados Leira ..., alegando serem os Réus, por seu turno, proprietários por usucapião do prédio denominado Leira ..., sucedendo que o prédio pertencente aos Autores (bem como o prédio dos Réus e muitos outros) é irrigado, de Verão, com as águas da Poça ..., desde tempos que escapam à memória dos vivos e que, desde então até hoje, dia após dia, mês após mês, ano após ano, sem interrupção, sempre a Poça ... foi utilizada para recolher e represar águas de nascentes, para depois as utilizarem na irrigação, de Verão, dos seus consortes, conforme distribuição milenar, designada por rateio, e comummente aceite por todos os seus utilizadores, nos termos que a seguir descrevem, mais alegando que para utilizar a água da poça a derivavam e conduziam até ao seu prédio através de um rego ou aqueduto, visível e permanente que, dali partindo, segue a céu aberto, com cerca de meio metro de largura e trinta centímetros de profundidade, com carreiro de pé posto ou bordo esterno, com cerca de cinquenta centímetros de largura média, para passagem a pé para limpeza do rego e acompanhamento da água, rego e aqueduto esses, com respetivo carreiro de pé posto, que, entrando no prédio rustico dos Réus, denominado Leira ..., o percorre em toda a sua extensão, tendo sido os antepossuidores dos prédios acima referidos, entre outros, quem, sós ou acompanhados, exploraram as águas na nascente da Poça ..., fendendo o valado e guiando a água, construíram a poça, abrindo-a no solo, rodeando-a de terra e pedra, colocando-lhe um olheiro de pedra para abrir e fechar a água nela represada e abriram os regos ou aquedutos, cavando-os no solo, tapando-os ou deixando-os a céu aberto, colocando-lhe pijeiros de terra ou pedra, desde a poça até ao interior de cada um dos prédios, tendo tais obras sido executadas pelos antepossuidores dos prédios que hoje são dos Autores, há mais de 5, 10, 50 e 100 anos, com o intuito de aproveitarem a água para rega desse prédio, e assim foram conservadas até aos dias de hoje, sempre visíveis e permanentes, adstritas às funções que lhes foram assinaladas, sendo que os Autores, entre outros, por si e antecessores, irrigam esses prédios durante o Verão, com a água represada na Poça ..., tapando e abrindo a poça, conduzindo a água através de regos ou aquedutos, desde há mais de 5, 10, 50 e 100 anos, sem qualquer interrupção, no seu proveito e interesse, sempre com ânimo de quem exerce direito próprio, à vista e com o conhecimento de toda a gente nisso interessada, sem qualquer estorvo ou turvação, salvo o que se refere adiante, pelo que, também adquiriram por usucapião, não só o direito de irrigar os seus prédios (servidão de águas) com as águas da Poça ..., como também os direitos de servidão de presa, de aqueduto e de passagem (esta acessória da de aqueduto), com assento em parte sobre o prédio dos Réus e em benefício das Leiras ..., entre outros.

Mais alegaram que, no início de junho de 2015, os Réus colocaram umas cabritas (esteiros em cimento) no rego das águas, impedindo que as águas corram naturalmente e junto da entrada da água para as Leiras ..., colocaram uma pedra de dimensões consideráveis, de forma a tapar o buraco deixado para permitir a entrada das águas da Poça até às leiras e colocaram três esteios em cimento, imediatamente junto à cancela, de forma a que os Autores, abrindo a cancela para poder acompanhar as águas até chegar à sua propriedade, não o podem fazer, pois que não é possível atravessar a dita cancela com os três esteiros, privando os Autores de usar as águas da Poça ..., todo o período de Verão, apesar das leiras já se encontrarem semeadas.

Contestaram os Réus, impugnando parcialmente a matéria alegada pelos Autores na Petição Inicial e invocando a exceção dilatória de ilegitimidade da Ré M. J., reconhecendo que existe, a Norte do prédio dos Réus e dos Autores, desde há tempos imemoriais, uma represa de água, denominada por “Poça ...”, situada em terreno cuja propriedade os Réus desconhecem, represa esta onde são armazenadas e eventualmente nascem águas que seguem através de rego a céu aberto, mas que os prédios rústicos dos Autores nunca foram irrigados com as águas provenientes da Poça ..., pelo lado Oeste.

Na sequência da invocação da exceção dilatória de ilegitimidade processual passiva, foi a Ré, M. J., absolvida da instância.

Efetuada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença contendo o seguinte dispositivo: Nestes termos e face ao exposto, julgo parcialmente procedente a acção e, em consequência: a) Declaro que a Autora, M. R., é titular de uma servidão para aproveitamento de águas em proveito dos prédios rústicos identificados no ponto 1 dos Factos Provados, servidão essa constituída por usucapião e a ser exercida do modo explanado nos pontos 16 a 31 dos Factos Provados; b) Declaro que a Autora, M. R., é titular de um direito de servidão de presa e aqueduto, bem como da acessória passagem, com assento sobre o prédio dos Réus, D. D. e J. D., identificado no ponto 9 dos Factos Provados e em benefício dos prédios identificados no ponto 1 dos Factos Provados, para integral aproveitamento da água da Poça ...; c) Condeno os Réus, D. D. e J. D., a repor o rego e o carreiro a pé, retirando as cabritas em cimento lá colocadas no rego, a pedra na entrada do campo e os esteiros junto à cancela, identificados nos pontos 35, 36 e 37 dos Factos Provados; d) Condeno os Réus, D. D. e J. D., a absterem-se de quaisquer atos que impeçam ou dificultem o exercício dos direitos reconhecidos em a) e b); e) Absolvo os Réu dos restantes pedidos contra estes formulados.

Custas da pelos Autores e pelos Réus, na proporção de 1/5 e de 4/5, respectivamente – Cfr., art.º 527.º, do Código de Processo Civil.

Inconformados, os Réus interpuseram o presente recurso, em cuja alegação formularam as seguintes conclusões: A. Da audição dos depoimentos prestados por TODAS AS TESTEMUNHAS, de TODAS AS PARTES, da prova DOCUMENTAL, e da prova PERICIAL, é lícito concluir que foram erradamente apreciados e valorados, pelo que ocorre notório erro de julgamento B. O Tribunal a quo não valorou o relatório pericial, elaborado pelo Sr. Perito, nomeado pelo Tribunal.

C. Resulta do teor do relatório pericial, que: - há sinais evidentes do percurso das águas provenientes da Poça ..., pelo sentido norte/sul (pontos 1, 4 e 5); - há sinais do percurso da água entre o ponto 1 e 2. Contudo entre os pontos 2 e 3, há vestígios muito ténues de um rego, e, a partir do ponto 3, não há sinais da existência de rego.

D. Destarte, os prédios rústicos dos AA. - V. (id. em 1º dos factos provados) e o prédio dos RR. - S. (id. em 9º dos factos dados como provados) encontram-se localizados a partir do ponto 3 do relatório pericial. Quer isto dizer que, a partir do ponto 3º referido no relatório pericial, não há sinais aparentes da existência de qualquer rego. Desta feita, a água não percorre do ponto 2º a 3º, nem a partir do ponto 3º para sul, pelo que o prédio rústico dos AA. nunca poderia ser irrigado, pelas águas da Poça ..., pelo lado direito / poente.

E. Os prédios dos AA. (V.) são irrigados pelo lado esquerdo/nascente, pelo percurso delineado, nos pontos 1, 4 e 5 do relatório pericial, e não pelo percurso alegado pelos AA. (2 a 3 e 3 para sul).

F. Face ao exposto no relatório pericial, elaborado pelo Sr. Perito, não poderá ser declarado que a A. é titular de uma servidão para aproveitamento de águas em proveito dos prédios rústicos id. no ponto 1 dos factos provados, servidão essa, constituída por usucapião e a ser exercida do modo explanado nos pontos 16 a 31 dos Factos Provados.

G. Nem, poderá ser declarado que a A., aqui recorrida, é titular de uma servidão de presa e aqueduto, bem como da acessória passagem, com assento sobre os prédios dos RR., id. no ponto 9 dos Factos Provados e em benefício dos prédios id. no ponto 1 dos Factos Provados, para integral aproveitamento da água da Poça ....

H. Vislumbrando os quesitos e resposta do Douto Relatório Pericial, denota- se no ponto 5, que: “5 – Essas águas irrigam mais de metade dos prédios dos AA., no sentido este, com destino ao Rio de …, na freguesia da …, concelho de ...?” “Resposta: Desconhece o perito qual a área regada e se ela é regada, visto não se vislumbrar nenhum rego a partir do ponto 3” I. No referido relatório pericial, o Sr. Perito, evidenciou que, relativamente ao percurso das águas, pelo sentido poente/lado direito: - «Entre os pontos 2 e 3 há vestígios muito ténues de um rego (apenas pequena depressão no terreno» ; - «A partir do ponto 3, e para sul, aproximadamente na zona de confluência dos terrenos dos RR e de um vizinho e desse vizinho com a propriedade dos AA, não se vislumbra nenhum sinal da existência de rego, estando nesta zona as propriedades demarcadas com vedação em malha de arame, esteios, guias no solo e muro».

J. Foi requerida prova pericial pelos RR., de...

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