Acórdão nº 4710/18.8T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório I. F., intentou, no Juízo Local Cível de Braga – Juiz 4 – do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra L. G., pedindo que fosse declarada a dissolução da união de facto e, em consequência, a condenação da ré a proceder à devolução ao autor da quantia que lhe pertence legitimamente no valor de 6.500,00€ ou, assim não se entendendo, por virtude do enriquecimento sem causa, bem como a condenação no pagamento de quantia não inferior a 5.000,00€ a título de danos sofridos.

Para tanto, e em síntese, alegou ter procedido, enquanto se encontrava emigrado no Luxemburgo, a diversas transferências bancárias para uma conta da sua filha, que a ré geria, quantias com as quais pretendia contribuir para as despesas do quotidiano e que o remanescente fosse guardado como poupança.

Que, tendo regressado do Luxemburgo, veio a ser-lhe vedado pela ré o acesso às quantias que havia transferido para a conta da filha de ambos, tendo-se a mesma apoderado de todo o aludido dinheiro, o que ditou uma extrema carência económica para o autor.

*Citada, contestou a Ré, na qual, além de invocar a exceção de caducidade do direito do autor, por força do disposto no art. 498.º do Código Civil, impugnou a factualidade alegada em sede de petição inicial, tendo negado ter-se apropriado de qualquer quantia da titularidade do autor, para o que aduziu que também depositava o seu salário na referida conta da filha, concluindo pela procedência da invocada exceção perentória ou, assim não se entendendo, pela total improcedência da ação (cfr. fls. 27 a 31) Mais deduziu reconvenção, pedindo a condenação do autor a pagar-lhe quantia não inferior a 10.000,00€, com vista à compensação dos danos não patrimoniais que alega ter sofrido em consequência dos insultos, ameaças e tratamento humilhante a que foi sujeita pelo mesmo no decurso da relação de união de facto que entre ambos se estabeleceu.

*O autor apresentou réplica, na qual pugnou pela verificação da exceção de litispendência e pela inadmissibilidade legal da reconvenção, tendo ainda respondido à exceção de caducidade invocada pela ré, concluindo pela sua improcedência, mais refutando a factualidade alegada pela ré em sede de reconvenção (cfr. fls. 67 a 75).

*Findos os articulados, realizou-se audiência prévia, no decurso da qual foi proferido o despacho saneador, onde se julgou procedente a exceção de litispendência quanto ao pedido reconvencional, tendo o autor sido absolvido da respetiva instância, e tendo-se relegado para final o conhecimento da invocada exceção perentória de caducidade. Foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova, bem como foram admitidos os meios de prova (cfr. fls. 93 a 96).

*Procedeu-se à realização da audiência de julgamento (cfr. acta de fls. 125 e 126).

*Posteriormente, a Mm.ª julgadora “a quo” proferiu sentença, nos termos da qual reconheceu a dissolução da relação de união de facto entre as partes, julgando no mais totalmente improcedente a ação, absolvendo a ré dos demais pedidos contra si deduzidos pelo autor (cfr. fls. 127 a 131).

*Inconformado, o autor interpôs recurso dessa sentença (cfr. fls. 133 a 142) e, a terminar as respetivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem): «I. O presente recurso tem por objecto a douta sentença proferida pela Tribunal de 1ª instância que reconheceu “a dissolução da relação de união de facto entre as partes, julgando no mais totalmente improcedente a ação, absolvendo a ré dos demais pedidos contra si deduzidos pelo autor”.

II. O Recorrente não se conforma com o teor da decisão, pelo que as alegações incidem sob a apreciação e valoração da prova produzida, nomeadamente as alterações a introduzir na mesma e os factos que não foram devidamente considerados, e, como sua decorrência, sob a decisão de direito que também deverá ser diversa tendo em vista o adequado enquadramento jurídico dos factos e os efeitos daí decorrentes.

III. Em primeiro lugar, os factos Y, Z e AA da matéria de facto provada não se revelam pertinentes para a boa decisão da causa, porquanto que as questões aí retratadas já foram ou devem ser conhecidas em sede próprio no âmbito dos competentes processos judiciais.

IV. Em segundo lugar, deverão ser acrescentados determinados factos à matéria dada como provada que estão correlacionados com a recusa da Recorrida em entregar as quantias pecuniárias ao Recorrido, os levantamentos por si efectuados e a apropriação desses valores. Foi produzida prova nesse sentido que o douto Tribunal não teve em atenção e que, por isso, não a valorou nem retirou dela as devidas ilações jurídicas para o desfecho da causa.

V. A própria Recorrida assumiu que negou expressamente a entrega ao Recorrente de qualquer dinheiro que existisse na conta da Caixa ..., quando bem sabia que esse dinheiro não lhe pertencia em exclusivo, devendo o Tribunal daqui extrair que efectivamente havia aforro e que, portanto, a tese da Recorrida que o dinheiro transferido foi todo gasto em despesas não pode proceder.

VI. A acrescer, a prova documental confirma a existência de aforro, bem como os diversos levantamentos realizados pela Recorrida no período coincidente ao regresso do Recorrente e à separação definitiva, num total de € 6.400 (seis mil e quatrocentos euros).

VII. O apuramento destas circunstâncias conjugado com a restante factualidade assente pelo Tribunal a quo, nomeadamente a proveniência do dinheiro transferido (fruto do trabalho do Recorrente) e o destino a dar-lhe (contribuição para as despesas, mas devendo o remanescente ser guardado como poupança), impunham uma decisão diversa para daí se proceder ao devido enquadramento jurídico.

VIII. Por fim, a decisão sobre a matéria de facto apresenta uma contradição quando a douta sentença recorrida dá como não provado o facto 5 e simultaneamente dá como provado o facto P. Resulta da motivação que o Tribunal a quo formou convicção quanto à difícil situação económica do Recorrente e da sua sobrevivência estar dependente de apoios sociais (cfr. documentos fornecidos pela Bogalha e Segurança Social) e, por isso, o facto 5 deve integrar a matéria de facto provada.

IX. Para o efeito, releva a prova documental junta aos autos, em particular os extractos da conta bancária na Caixa ... (fls. 103 e ss.), e a prova produzida em sede de audiência de julgamento, designadamente as declarações da Recorrida (minutos 12:49 a 13:27, 13:53 a 14:04, 7:07 a 7:47, 32:09 a 32:30, 28:19 a 28:33,14:43 a 14:57) e os depoimentos das Testemunhas Maria e M. M. (minutos 0:57 a 1:47 e minutos 12:26 a 13:06, respectivamente).

X. Face ao exposto, a matéria de facto assente pelo Tribunal a quo deverá sofrer as seguintes alterações: i) Os factos Y, Z e AA dados como provados deverão ser excluídos da matéria de facto assente; ii) Deverá ser acrescentado à matéria de facto provada o seguinte facto: “Quando o Autor regressou do Luxemburgo, a Ré recusou-se a entregar-lhe qualquer quantia das contas mencionadas em J”; iii) Deverá ser acrescentado à matéria de facto provada o seguinte facto: “Entre Junho e Setembro de 2017 a Ré ordenou levantamentos da conta mencionada em J, no valor global de €6.400(seis mil e quatrocentos euros)”; iv) O facto 4 da matéria não provada deverá considerar-se provado com a seguinte redacção: “A Ré, não obstante ter consciência de que parte dos fundos não lhe pertenciam e que estava a apossar-se de dinheiro que pertencia ao Autor, com a intenção de deixar o Autor sem meios de subsistência, apossou-se de parte do dinheiro das contas referidas em J, deixando o Autor sem nada”; v) O facto 5 da matéria de facto não provada deverá considerar-se provado.

XI. No que diz respeito à matéria de direito, uma vez assente a proveniência das quantias transferidas (rendimento auferido pelo Recorrente),a finalidade de angariação de poupança, a efectiva existência de aforro e os levantamentos realizados pela Recorrida, o douto Tribunal tinha inevitavelmente que concluir pela apropriação por parte daquela.

XII. Atenta a prova produzida, é por demais evidente que a actuação da Recorrida é ilícita tendo causado prejuízos ao Recorrente, na medida em que fez suas as quantias levantadas da conta bancária para as quais também o Recorrente havia contribuído com os rendimentos do seu trabalho.

XIII. Para além disso, o Tribunal a quo ao ter reconhecido a dissolução da união de facto deveria ter retirado as devidas consequências legais, em particular as que se prendem com a repartição do dinheiro existente na conta bancária à data da separação.

XIV. Ao ter efectuado os levantamentos a Recorrida obteve uma vantagem patrimonial sem razão que a justificasse, visto que o Recorrente ficou arredado de qualquer quantia do aforro existente que, relembre-se, foi sendo acumulado durante o período em que viverem em economia comum e com o seu contributo.

XV. Por fim, o sentido da douta decisão recorrida só poderá derivar de uma precipitada e imponderada análise levada a cabo pelo Tribunal a quo que, diga-se, com todo o devido respeito, partiu de um raciocínio amplamente viciado e inquinado por juízos pré-determinados baseados em opiniões pessoais, subjectivas e imparciais.

XVI. Como tal, o Tribunal recorrido violou os princípios da imparcialidade e isenção, os artigos , , 417º n.º 1 do Código de Processo Civil, no sentido em que não procurou pela descoberta da verdade material, bem como os artigos 798º, 799º, 473º, 479º, 1403º e 1405º do Código Civil.

XVII. Em suma, impõe-se decisão diversa que conclua pela apropriação por parte da Recorrida de quantias pertencentes ao Recorrente e, em consequência, condene a Recorrida conforme peticionado.

TERMOS EM QUE E NOS MELHORES DE DIREITO, deverá o presente Recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se a sentença proferida e substituindo-se por outra que condene a Ré, aqui Recorrida, nos termos peticionados pelo...

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