Acórdão nº 207/17.1T9BCL-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelARMANDO AZEVEDO
Data da Resolução11 de Maio de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I- RELATÓRIO 1.

No processo de inquérito nº 207/17.1T9BCL, que corre termos na Procuradoria da República da Comarca de Braga, aberto na sequência da queixa apresentada por D. M. e G. M.

contra J. J.

, o Ministério Público, por despacho de 27/09/2019, considerou “imprescindível para o apuramento e cabal esclarecimento dos factos em investigação” a inquirição, na qualidade de testemunha, de Dr.ª D. S. que, a 25/09/2019, se havia recusado a depor, invocando para tanto o seu dever de sigilo profissional, decorrente da sua qualidade de advogada do arguido.

  1. No dito processo de inquérito investiga-se a prática pelo arguido de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art.º 256, n.º1, als. a), b), e) e f), de um crime de burla, na forma tentada, p. e p. pelo art.º 217, n.º1 e 218, n.º1 e, ainda, de um crime de furto p. e p. pelo artigo 203, n.º1, todos do C. Penal.

  2. No sobredito despacho proferido pelo M.P. foi solicitada à Ordem dos Advogados a emissão de parecer sobre a legitimidade da escusa apresentada por aquela advogada.

    Em resposta à aludida solicitação, o Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, por despacho de 27/02/2020, considerou que “os factos em causa se encontram abrangidos pelo dever de segredo profissional, de modo que a escusa para depor apresentada pela Senhora Dra. D. S. se afigura legítima”.

  3. O Ministério Público, recebido o aludido parecer, apresentou os autos ao Exmo. Juiz, tendo em vista o disposto no art.º 135º, n.º3 do CPP, que, por despacho de 09/03/2020, considerou legítima a escusa e determinou a remessa do processo a este Tribunal da Relação de Guimarães.

  4. Neste Tribunal da Relação de Guimarães, o Exmo. Senhor Procurador Geral Adjunto emitiu parecer, tendo concluído nos seguintes termos (transcrição): Porque não se mostra certificada a imprescindibilidade do depoimento da Ex.ma advogada para a descoberta da verdade relativamente aos crimes em apreciação, tanto mais que documentos idóneos atestam a sua proveniência e autenticidade, porque o conhecimento das conversas que possa ter mantido com o seu cliente sobre os factos relativos a tais documentos também não se apresenta, por isso, sequer necessário, assim, porque não estão reunidos os requisitos para que seja levantado o dever de sigilo por parte daquela, deve o presente incidente ser indeferido.

  5. Foram cumpridos os vistos e procedeu-se à realização da conferência.

    Cumpre apreciar e decidir.

    II- FUNDAMENTAÇÃO A- Das circunstâncias factuais 1.

    Com relevo para a decisão a proferir importa considerar que os autos evidenciam o seguinte: 1.1- A Exma. Magistrada do M.P. titular do inquérito proferiu despacho com o seguinte teor (transcrição): Fls. 214: Investiga-se nos presentes autos, para além do mais, a prática de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo artigo 256º, nº 1 alíneas a), b), e) e f), um crime de burla, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 217, nº 1 e 218º, nº 1, e dum crime de furto p. e p. pelo artigo 203º, nº 1 , ambos do Código Penal, cometidos pelo arguido J. J., porquanto: 1. Em 06.10.1987, o arguido J. J. vendeu aos ofendidos D. M. e G. M. o prédio rústico de sua propriedade, denominado “Bouça do Mato”, sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Barcelos, com a área de 24.000 m2, descrito na Conservatória do Registro Predial sob o artigo …/....

  6. Não obstante ter efetuado a venda referida em 1, em 04.12.2015, o arguido, através da sua mandatária, Drª D. S., e utilizando documentação que obteve de forma não apurada, conseguiu fazer registar em seu nome, na Conservatória do Registo Predial, um prédio rústico com a área de 7 200 m2, sito no mesmo lugar de ..., ..., Concelho de Barcelos, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o artigo …/..., prédio esse que, na realidade não existe, logrando desse modo apropriar-se de uma parcela de terreno dos ofendidos, que sabia não lhe pertencer.

  7. No período compreendido entre o dia 16 e o dia 28.12.2016, o arguido J. J., fazendo-se passar por proprietário de uma parcela da referida bouça, com a área de 7 200 m2, vendeu, por quantia não apurada, ao sócio-gerente da empresa “Madeiras do …, Lda”, todos os pinheiros e eucaliptos ali plantados, os quais foram cortados e removidos do local.

  8. No dia 28.12.2016, o arguido fazendo-se passar por dono e proprietário do prédio rústico mencionado em 1, colocou-o à venda, pelo preço de 14.000, 00 euros, na agência imobiliária “X”, com sede na Avenida …, nº …, em Barcelos.

  9. para tanto, o arguido utilizou os documentos que obteve de forma não apurada e que titulam a sua suposta propriedade sob uma bouça com uma área de 7 200 m2, sita no mesmo lugar de ..., em ..., Barcelos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos, sob o artigo …/..., onde, na realidade, existe apenas o prédio rustico descrito em 1.

  10. Convencido da autenticidade e veracidade dos documentos que lhe foram apresentados, o gerente da “X” colocou uma placa com os dizeres “vende” no interior da bouça, propriedade dos ofendidos, e levaram ao local vários interessados na sua compra.

  11. Entretanto, os ofendidos tomaram conhecimento do que se estava a passar e deslocaram-se até à agência imobiliária “Y”, onde informaram o seu gerente de que aquela bouça lhes pertencia e que a bouça que o arguido alegava ser dela, na verdade, não existe e que mesmo tinha engendrado este esquema para se apropriar ilegitimamente de uma parcela de terreno que sabia não ser dele.

    No decurso da investigação até ao momento realizada, nomeadamente dos documentos obtidos junto da Conservatória do Registo Predial, juntos a fls. 115-136 dos autos, apurou-se que foram utilizados documentos para efetuar o registo predial descrito em 2, cuja proveniência importa apurar, em ordem a deslindar como é que a ilustre Mandatária, Drª D. S. (mandatária do arguido nestes autos até ao dia 15.02.2018, data em que formalmente renunciou ao mandato forense ) os obteve, bem como que diligências efetuou para confirmar a sua autenticidade e o que é que o arguido lhe disse sobre os mesmos.

    Instada a sobre a sua...

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