Acórdão nº 7065/18.7T8VNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelJOAQUIM BOAVIDA
Data da Resolução28 de Maio de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1): I – RELATÓRIO 1.1.

Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que X – Sociedade de Garantia Mútua, SA, move a T. C., T. J.

e M. C.

, a Executada M. C.

deduziu oposição mediante embargos, pedindo a extinção da execução no que concerne à Embargante.

Contestou a Exequente/Embargada, concluindo pela improcedência dos embargos de executado.

*1.2.

Dispensada a audiência prévia, foi elaborado despacho-saneador, definido o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

Realizada a audiência final, proferiu-se sentença a julgar improcedentes os embargos de executado e a determinar o prosseguimento da execução contra a Embargante.

*1.3.

Inconformada, a Embargante interpôs recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes conclusões: «I. O presente recurso tem como objecto a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos – concretamente no que respeita às condições do preenchimento da livrança em causa – que julgou improcedentes os embargos de executado apresentados pela ora Recorrente e, em consequência, determinou o prosseguimento da execução dos autos principais.

  1. Com efeito, o Tribunal a quo deveria, salvo melhor entendimento, ter julgado procedentes os embargos de executado deduzidos, declarando-se extinta a execução no que concerne à Recorrente, por se considerar ter havido o preenchimento abusivo da livrança dada à execução.

  2. No que respeita à matéria de facto, deve integrar o rol de factos dados como provados, além dos demais, que: a Embargante participou no acordo – subscrevendo-o – em que, além do mais, se definiu os termos em que ocorreria o eventual preenchimento da livrança.

  3. Deve constar, igualmente, da matéria de facto provada que: na cláusula quinta do contrato de garantia autónoma à primeira solicitação, também subscrito pela Embargante, encontram-se estabelecidas as condições em que a Embargada poderia exigir de imediato o pagamento dos montantes devidos e do valor da garantia prestada, tendo ficado estipulado, nesta cláusula, que tal dependeria, entre outras, do não cumprimento de obrigações assumidas perante a Embargada, enquanto garante, ou perante a Caixa ..., enquanto beneficiária da garantia; da verificação de uma situação indiciadora de impossibilidade actual ou iminente do cumprimento das obrigações, ou da declaração de insolvência da subscritora da livrança.

  4. Finalmente, deve, ainda, integrar a lista dos factos dados como provados que: a Embargada reclamou o seu crédito no processo de insolvência da subscritora da livrança em causa.

  5. Na verdade, assumindo relevância para a decisão da causa no que respeita às condições de preenchimento da livrança em causa nos presentes autos, tais factos resultam de matéria de facto alegada e não contraditada, bem como do contrato de emissão de garantia autónoma à primeira solicitação junto aos autos pelas partes com os respectivos articulados, e da reclamação de crédito da ora Recorrida e da relação dos créditos reconhecidos, documentos também constantes dos autos.

  6. No que respeita à matéria de direito, nos embargos de executado deduzidos, a Recorrente, além do mais, questionou o facto de a livrança em branco em causa ter sido só agora (em 31 de Janeiro de 2018) preenchida apesar de a sociedade comercial subscritora se ter apresentado em processo especial de revitalização em 15 de Novembro de 2016 e ter sido declarada insolvente, em processo subsequente, em 14 de Julho de 2017 (processos nos quais a Embargada, ora Recorrida, reclamou o seu crédito).

  7. Na verdade, esta circunstância constituía, de acordo com a cláusula quinta do contrato de garantia no âmbito de que a livrança em branco fora entregue, precisamente uma das condições em que a Recorrida poderia exigir de imediato o pagamento dos montantes devidos e da garantia prestada.

  8. E, não tendo a Recorrente sido interpelada com a informação da situação verificada, nem tendo, nessa sequência, a livrança sido preenchida de acordo com o clausulado constata(va)-se que o preenchimento efectuado (a posteriori) era (é) abusivo – tudo conforme ao que se crê melhor alegado naqueles embargos de executado.

  9. Entretanto, tendo resultado provado que a situação que legitimou a Recorrida a exigir de imediato o pagamento dos montantes devidos e da garantia prestada à Recorrente fora o pagamento, no dia 14 de Novembro de 2014, à Caixa ..., a solicitação desta, do valor do capital garantido, na sequência do incumprimento do contrato de crédito por parte da empresa subscritora da livrança, o preenchimento da livrança em 31 de Janeiro de 2018, com data de vencimento em 12 de Fevereiro de 2018, revela-se, salvo melhor entendimento abusivo.

  10. Tal desfasamento entre a data da verificação da condição para o surgimento do direito de crédito da Recorrida e a data do preenchimento da livrança e do respectivo vencimento integra uma situação de preenchimento abusivo da livrança em causa, tanto mais que o respectivo direito de acção e a obrigação cambiária exequenda se encontrariam, nos termos do artigo 70.º (ex vi do artigo 77.º) da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças, prescritos na data de entrada do requerimento executivo, caso a livrança tivesse sido preenchida em conformidade com a verificação da ocorrência a que o respectivo preenchimento estava subordinado.

  11. Aliás, o eventual entendimento de que a Recorrida teria a liberdade de preencher a livrança com as datas de emissão e de vencimento que entendesse, de modo a impedir a prescrição do seu crédito, sempre seria contrário ao estabelecido nomeadamente nos artigos 300.º e 280.º do Código Civil.

  12. Estas circunstâncias integram, de resto, enquanto factos instrumentais, o complexo de factos essenciais que constitui causa de pedir dos embargos deduzidos, complementando-a, concretamente no que refere ao preenchimento da livrança em violação do respectivo pacto de preenchimento.

  13. Assim, salvo melhor entendimento, ainda que só com os factos dados como provados na sentença revidenda, o Tribunal a quo encontrava-se em condições de julgar procedentes os embargos da ora Recorrente, por preenchimento abusivo da livrança dada à execução, declarando-se extinta a execução no que concerne à Recorrente.

  14. Pelo exposto, ao considerar que o preenchimento da livrança em causa não foi abusivo, o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, violou o disposto nos artigos 10.º e 70.º da Lei Uniforme relativa a Letras e Livranças, preceitos estes que deveriam ter sido interpretados no sentido de que o preenchimento da livrança, conforme ao verificado no caso vertente, contrariou o acordo de preenchimento, constituindo uma situação de preenchimento abusivo.

  15. Ademais, ad cautelam, um eventual entendimento, do Tribunal a quo, de que a Recorrida pudesse dispor, nos termos do acordo de preenchimento da livrança, da liberdade de preencher a livrança em causa com as datas de emissão e de vencimento que entendesse, impedindo, desta forma, a prescrição do crédito, sempre seria contrária ao estabelecido nos artigos 300.º e 280.º do Código Civil, preceitos estes que devem ser interpretados no sentido de não ser válida a interpretação do acordo de preenchimento de modo a dele resultar a possibilidade de a Recorrida modificar os prazos legais da prescrição ou dificultar as condições em que a prescrição opera os seus efeitos.

  16. O Tribunal a quo, ao considerar que a Recorrente não alegou nem demonstrou o referido preenchimento abusivo, violou, ainda, o disposto nos artigos 342.º do Código Civil e 5.º do Código de Processo Civil, preceitos estes que deveriam ter sido interpretados no sentido de que o preenchimento da livrança se mostra suficientemente alegado e provado pela Recorrente.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida, declarando-se, por consequência, extinta a execução no que à Recorrente concerne, assim se fazendo Justiça».

*A Recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.

*O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

*Foram colhidos os vistos legais.

**1.4. QUESTÕES A DECIDIR Em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nºs 2 a 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a área de intervenção do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (2). Tal restrição não opera relativamente às questões de conhecimento oficioso, as quais podem ser decididas com base nos elementos constantes do processo. Em matéria de qualificação jurídica dos factos a Relação não está limitada pela iniciativa das partes - artigo 5º, nº 3, do CPC. Por outro lado, o tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.

Neste enquadramento, são questões a decidir: i) Ampliação da matéria de facto, através do aditamento de três factos (alegados nos artigos 5º, 6º, 30º, 33º, 34º, 35º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º e 42º da petição de embargos); ii) Preenchimento abusivo da livrança (conclusões VII a XV); iii) Violação do disposto nos artigos 280º e 300º do Código Civil.

***II – FUNDAMENTOS 2.1. Fundamentos de facto Na decisão recorrida consideraram-se provados os seguintes factos: 1 - No dia 29 de Outubro de 2012, no exercício da sua actividade, a Exequente e a empresa Y Transportes, Lda. (“Empresa”), celebraram um contrato mediante o qual a Exequente prestou uma garantia à primeira solicitação com o nº 2012.07530 a favor da Caixa ..., SA (“Caixa ...”).

2 - Através dessa garantia, a Exequente assegurou o cumprimento da obrigação de reembolso quanto a 75% do capital mutuado, em dívida a cada momento, no valor máximo de € 37.500,00 (trinta e sete mil euros), no âmbito de um contrato de empréstimo celebrado entre aquela instituição...

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