Acórdão nº 117/19.8YRGMR de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução28 de Maio de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório X Distribuição - Energia, S.A., pessoa coletiva ……, veio instaurar a presente ação de anulação de sentença arbitral, com processo especial, contra M. C., requerendo seja anulada a sentença arbitral proferida pelo Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Consumo (CIAB), a 8-04-2019, no âmbito do processo n.º 2549/2018, em que é requerente M. C., sendo requeridas: X Comercial - Comercialização de Energia, S.A., e X Distribuição - Energia, S.A., na qual foi decidido pelo Senhor Juiz Árbitro julgar procedente a ação, condenando ambas as requeridas, solidariamente, a restituir à requerente a quantia de €2.410,50, indevidamente cobrada entre setembro de 2017 e junho de 2018, absolvendo-as do pedido contra ambas formulado de indemnização por danos morais no montante de €15.000,00.

Alega, em síntese: foi constituída arbitragem para julgar um litígio de consumo, a pedido do consumidor, ora ré, por força de um contrato de fornecimento de energia elétrica celebrado entre esta e a reclamada X Comercial - Comercialização de Energia, S.A., tendo posteriormente requerido que fosse chamada a ora autora, X Distribuição - Energia, S.A.; sustenta que a decisão do Tribunal Arbitral ofendeu princípios fundamentais do processo, concretamente o princípio da igualdade das partes, padecendo de falta de fundamentação e ofendendo os princípios da ordem pública do sistema jurídico, o que, segundo alega, constitui causa de anulação da sentença arbitral, nos termos do artigos 30.º, n.º 1, alínea b), 42.º, n.º 3 e 46.º, n.º 3, alíneas a) e b), todos da Lei 63/2011 de 14-12 (LAV).

A ré apresentou contestação. Defende, em suma: os efeitos pretendidos com a presente ação de anulação nunca se poderão estender às duas requeridas no processo de arbitragem - X Comercial - Comercialização de Energia, S.A., e X Distribuição - Energia, S.A. - porquanto, como aliás reconhece a aqui autora, são entidades juridicamente distintas; não cabe à aqui ré - reclamante no processo arbitral -, pronunciar-se quanto à decisão do tribunal arbitral, até porque a mesma lhe é favorável, impugnando tudo aquilo em que a petição inicial que ora se contesta contrarie a mesma; aceita a inutilidade superveniente da lide caso o tribunal considere demonstrado e provado que a autora nada recebeu e nada tem a restituir, tudo nos termos e com os fundamentos que melhor constam do articulado apresentado.

Findos os articulados, solicitou-se ao CIAB a remessa do processo de arbitragem para instrução da causa e foi proferido despacho a convidar a autora a suprir a ilegitimidade passiva resultante da ausência da lide da X Comercial - Comercialização de Energia, S.A., enquanto interveniente no processo arbitral cuja sentença vem impugnada na presente ação, mediante a dedução do competente incidente de intervenção de terceiros, atenta a situação de litisconsórcio necessário entre os réus na presente ação.

Deduzido o correspondente incidente de intervenção de terceiros, foi admitido o chamamento para intervenção principal, no lado passivo, de X Comercial - Comercialização de Energia, S.A.

, pessoa coletiva ……, requerida no processo arbitral, a qual foi citada nos presentes autos, não tendo apresentado contestação.

*O Tribunal é competente para conhecer da causa em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.

As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, encontrando-se a requerente devidamente representadas em juízo.

O processo é o próprio e não existem outras exceções, nulidades ou questões prévias que ora cumpra conhecer.

*Não existe prova a produzir, relevando para a apreciação da causa a factualidade que emerge dos próprios autos do processo arbitral.

Nos termos do artigo 46.º, n.º 2, al. e) da LAV, os presentes autos seguem nesta fase a tramitação do recurso de apelação, com as necessárias adaptações, tendo sido colhidos os vistos legais.

II.

Delimitação do objeto da ação O objeto da presente ação circunscreve-se à questão de saber se a decisão arbitral em apreciação enferma de vícios que conduzam à sua anulação; para o efeito, cumpre apreciar se estão verificados e são relevantes os seguintes vícios que vêm suscitados pela aqui autora: - “violação do princípio da igualdade das partes”; - “falta de fundamentação”; - “ofensa da ordem pública do sistema jurídico”.

  1. Fundamentação 1. Os factos 1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão da presente ação são os que já constam do relatório enunciado em I. relevando ainda os seguintes factos que o tribunal arbitral, após produção de prova em audiência de julgamento (ata de julgamento arbitral de 4 de fevereiro de 2019 - constante de fls. 89 e 90 do processo de reclamação n.º 2549/2018 do CIAB), considerou como provados: 1.1.1. Em 05/07/2016, a Rte. e a 1.ª- Rda. celebram um contrato de fornecimento de energia elétrica para o local de consumo sito na Rua … -Barcelos (fls. 63 dos autos).

    1.1.2. Desde 05-07-2016 até agosto/2017, inclusive, o valor médio mensal das faturas recebidas foi de €147,50, assim calculada: Ano de 2016: agosto…€103,31; setembro … €274,37; outubro… €167,96; novembro …€ 176,19; dezembro…€ 35,18; Ano de 2017: janeiro … €180,33; fevereiro …€ 184,04; março…€ 165,36; abril …€ 40,45; maio…€ 141,72; junho…€ 161,11; julho…€ 133,69; agosto…€ 141,25; Total: €1.905,00/13 (meses) = €147,50€ (fls. 25, 80/81, 45, e extracto da conta corrente da l.ª Rda).

    1.1.3. Desde setembro/2017 a junho/2018, inclusive, as faturas recebidas revelaram um enorme aumento, assim apurado: setembro/2017…€322,88; outubro /2017…€308,46; novembro/2017...€ 300,61; dezembro/2017…€234,09; janeiro/2018…€ 326,06; fevereiro/2018…€ 285,34 (cf. fls. 22); março/2018…€ 551,87; abril/2018…€ 329,85; maio/2018...€647,91 (cfr. fls. 45 e extracto); junho/2018...€ 578,52 (fls. 45).

    1.1.4. Desde setembro de 2017 até junho de 2018 a Rte. não cessou de reclamar perante a 1.ª Rda. do aumento de faturação e de exigir a verificação do contador.

    1.1.5. Em 20-9-2017 a 2.ª Rda., através da equipa técnica enviada à instalação de consumo declara que o contador está a funcionar correctamente (fls. 66 dos autos) e recolheu leituras.

    1.1.6. Em 19-12-2017, a 2.ª Rda. envia novamente uma equipa técnica a casa da Rte., a qual declara que “os equipamentos (contador) com o funcionamento correcto”.

    1.1.7. Em 24-01-2018, após nova reclamação da Rte., que continuava queixar-se de anomalias no contador, a Rda. enviou novamente técnicos a casa da Rte., os quais procederam à substituição do contador, declarando que "este, com tudo desligado, marcava consumos" (cfr. fls. 68).

    1.1.8. Em 27-02-2018, a Rda. enviou uma equipa técnica à instalação de consumo da Rte., tendo efetuado leituras.

    1.1.9. Após o que a Rte. informou a Rda. que o novo contador registava consumos com o contador desligado, pelo que, 1.1.10. Em 29-06-2018 a Rda. mais uma vez enviou uma equipa técnica ao local de consumo, o qual declarou que o "funcionamento do contador era aparentemente correcto".

    1.1.11. A partir desta data, o valor das faturas tem diminuído sensivelmente.

    1.1.12. O aquecimento em casa da Rte. é obtido a gasóleo e lenha.

    1.1.13. Na fatura de setembro de 2018, no valor de €46,49 foi efetuado um abatimento aos consumos facturados entre 30-06-2018 a 04-08-2018, no valor de €253,48.

    1.1.14. Na fatura de dezembro de 2018, no valor de €17,49 foi efetuado um abatimento aos consumos facturados entre 30/08 a 04/11/2018, no valor de €399,12.

    1.1.15. A partir de 24/01/2018 até 29/05/2018, já com o novo contador, o consumo "disparou": de cerca de 45 Kwhs passou para 84,97 Kwhs em Fevereiro de 2018, 87,57 kwhs em março de 2018 e atingiu os 92,15 Kwhs em 29/05/2018 (fls. 59 dos autos).

    1.1.16. A 1.ª Rda. procedeu à avaliação de conformidade metrológica do novo contador.

    1.1.17. A 2.ª Rda. é proprietária dos contadores que medem e registam os consumos de energia eléctrica e procede às leituras reais dos mesmos trimestralmente, comunicando-as depois à l.ª Rda. (comercializador) para efeitos de faturação.

    1.2. O tribunal arbitral pronunciou-se na respetiva sentença sobre a matéria de facto não provada, nos seguintes termos: «Não se provou que a Rte. tenha alterado hábitos de consumo a partir de setembro de 2017, nem que tenha adquirido mais equipamentos elétricos».

    1.3. Com relevo para a apreciação do objeto da presente ação relevam ainda as seguintes incidências processuais que se consideram devidamente documentadas nos autos, atento o que se pode constatar dos próprios autos do processo arbitral: 1.3.1. A aqui 1.ª ré, M. C., apresentou reclamação, em de 22-08-2018, no Centro de Informação e Arbitragem de Consumo (CIAB), a que foi atribuído o n.º 2549/2018, requerendo a condenação da X Comercial - Comercialização de Energia, S.A., na «restituição de todos os valores cobrados pela X indevidamente e uma indemnização por danos causados deixei de poder dar algumas coisas aos meus filhos por não ter dinheiro suficiente pois pagar 600 € de luz é muito pesado ao fim do mês», nos termos e com os fundamentos que enunciou nos requerimentos que foram juntos ao processo de reclamação, de fls. 24 a 27 e 28, no primeiro dos quais quantifica em € 15.000,00 o valor da indemnização reclamada.

    1.3.2. A requerida X Comercial - Comercialização de Energia, S.A respondeu à reclamação, conforme consta do teor de fls. 20 e 21 do processo de arbitragem, após o que veio a reclamante solicitar o chamamento, enquanto requerida, da X Distribuição - Energia, S.A..

    1.3.3. A requerida X Distribuição - Energia, S.A. foi notificada da reclamação apresentada, vindo apresentar a resposta que consta de fls. 32 a 33.

    1.3.4. As partes foram notificadas pelo CIAB para comparecerem na data designada para a realização da audiência de julgamento, precedida de tentativa de conciliação, sendo ainda notificadas para, querendo, apresentarem contestação escrita até 48 horas da data designada para a...

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