Acórdão nº 3339/19.8T8BCL-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Data da Resolução03 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães
  1. RELATÓRIO AUTORA: M. S..

RÉ – X, Associação de Defesa, Desenvolvimento e Promoção do Centro Infantil da Escola ….

A autora intentou acção de processo comum pedindo que seja declarada a nulidade do procedimento disciplinar de que foi alvo e, bem assim, da sanção disciplinar aplicada ou, caso assim não se entenda, ser decretada a ilicitude da sanção disciplinar, sendo a ré condenada a pagar-lhe indemnização por danos não patrimoniais no valor de 5.000,00€ e juros de mora.

Alega, em síntese, que a nota de culpa e decisão final têm por base mensagens alegadamente trocadas entre si e outra pessoa, através da aplicação de software, designado Facebook Messenger.

Acedendo a ré a conta privada em nome de M. S. e a mensagens alegadamente trocadas com outra trabalhadora da ré, C. C., o que só por si gera a nulidade do processo por utilização de prova nula. Sem conceder, não vê como possa constituir infracção disciplinar um pedido de colaboração, expresso nas mensagens processadas no Messenger do Facebook, dirigido a uma outra trabalhadora da ré, C. C., referente a manutenção, modificação ou criação de conteúdos da página do facebook da ré, tanto mais que foi esta trabalhadora quem a criou. Mais refere que a instauração do processo disciplinar e a sua publicidade lhe causou danos morais.

A ré contestou e, na parte que ora releva, excepcionou a ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade da causa de pedir e incompreensão do pedido. Deduziu reconvenção pedindo que a autora seja condenada a “(1) reconhecer a licitude de todos os atos procedimentais praticados pela reconvinte e as correspetivas legalidade, regularidade e validade do procedimento disciplinar – incluindo o respetivo inquérito prévio – designadamente da decisão que deliberou aplicar-lhe a sanção disciplinar de oito dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição; (2) A reconhecer a licitude da deliberação de exoneração do cargo que ocupou, de Diretora Técnico-Pedagógica do Centro Infantil da reconvinte, e as correspetivas legalidade, regularidade e validade, designadamente do acto de execução dessa deliberação subscrito pelo Presidente da Direção da reconvinte;(3) A pagar uma indemnização à reconvinte por danos materiais decorrentes da sua conduta, designadamente financeiros, a serem apurados em liquidação de sentença após balanço e aprovação das contas relativas ao exercício de 2019 de montante nunca inferior ao quantitativo que peticionou, acrescido dos juros… “ Foi proferido despacho saneador, não se admitindo a reconvenção e conhecendo-se das excepções de ineptidão da petição inicial e de nulidade do procedimento disciplinar – prova ilícita, prosseguindo, no mais, os autos para julgamento.

Decidiu-se quanto à reconvenção: “Em face do exposto, ao abrigo do disposto no artigo 30º, nº 1 do CPT, não admito a reconvenção deduzida pela ré.” Decidiu-se quanto à ineptidão da petição inicial: “Assim, julgo improcedente a excepção de ineptidão invocada pela ré.” Decidiu-se quanto à nulidade do procedimento disciplinar – prova ilícita: “Pelo exposto, ao abrigo das disposições conjugadas dos artºs 16º e 22º, nº 1 do Código do Trabalho, julga-se procedente o primeiro pedido deduzido pela autora e, por consequência, declara-se a nulidade do procedimento disciplinar promovido pela ré e a nulidade da sanção disciplinar aplicada à autora.” O recurso da ré respeita a estes segmentos do despacho saneador.

FUNDAMENTOS DO RECURSO DA RÉ I - O pedido reconvencional da ora recorrente corresponde efetivamente à espécie de processo que corresponde ao pedido da recorrida, emerge inegavelmente do facto jurídico que serve de fundamento à ação e o valor da causa não excede a alçada do tribunal, sendo, portanto admissível ao abrigo do art.º 30.º do CPT, o que deve ser declarado para todos os efeitos legais.

II - Deve ser considerada procedente a alegada ineptidão e declarada a nulidade da petição inicial com as legais consequências como é de direito.

III - O Tribunal a quo tendo decidido no saneador/sentença da forma supra descrita, para aqui convocada e dada por integralmente reproduzida nos termos vertidos em A D da ALEGAÇÃO, omitiu pronuncia sobre matéria que tinha o dever de se apreciar, não atendeu à factualidade e aos documentos que a suportam, decidiu sobre matéria que desconhecia no momento da decisão, não se pronunciou sobre o modo de aquisição e o conteúdo nem sobre a natureza dos documentos, estando ausente qualquer apreciação substancial subsumível na interpretação e aplicação das normas invocadas, desaplicando por outro lado normas e princípios normativos que tinha o dever de aplicar.

IV - Assim, o despacho saneador/sentença impugnado é nulo com os fundamentos supra alegados, para os quais a recorrente remete, o que deve ser declarado com todas as consequências legais como requer. Sem prescindir, V - A recorrente nunca afirmou que as aludidas mensagens revestiam índole pessoal da recorrida ou da sua interlocutora.

VI - O pedido acolhido no douto despacho saneador/sentença não tem, de todo, fundamentação de facto.

VII - O despacho saneador/sentença em crise, que milita objetivamente a favor da tese da ora recorrida, omite, de todo, a fundamentação de facto, não subsume qualquer factualidade com referência às normas invocadas e, apriorística e abstratamente, interpreta e aplica erradamente o direito (Art.º 21º”, no n.º 1 e Art.º 16º, n.º 2 do Código do Trabalho, Art.º 34º, n.º 1; Art.º 32º, n.º 8 e Art.º 18º, da Constituição da República Portuguesa, sufragando, abstratamente, tal posição na jurisprudência que cita.

VIII - Com efeito, dos autos retira-se indubitavelmente que a recorrente não vigiou a recorrida, não se intrometeu, muito menos abusivamente, na sua vida privada, na sua correspondência ou, por qualquer meio, nas suas comunicações.

IX - Demonstram os documentos que sustentam as suas alegações, cuja prova não foi tida nem achada, que as conversas da recorrida não têm natureza pessoal, são feitas na condição expressa de trabalhadora e visam, apenas e tão só, a destruição, de facto e jurídica, da recorrente, a desestabilização do funcionamento orgânico e funcional desta e do seu centro infantil, o fomento da discórdia permanente entre membros dos seus órgãos e entre pais e encarregados de educação das crianças do centro infantil e entre estes e associados, a instalação e prossecução do dissenso entre estes e o fomento de um permanente clima de conflito entre as suas trabalhadoras.

X - O tribunal não apreciou antes da decisão ora impugnada nem, nesta, o concreto conteúdo ou a natureza das mensagens transcritas nos referidos artigos da motivação, decidindo sem tomar conhecimento do respetivo conteúdo e sem conhecer os documentos que sustentam tal transcrição e, tão pouco, ajuizou das circunstâncias que estão na base da sua aquisição.

XI - O despacho saneador/sentença erra manifestamente na invocação e aplicação do n.º 1 do art.º 21.º do Código do Trabalho, na medida em que não foi alegado nem provado pela recorrida – e com o devido respeito, tão pouco pela M.tma Juiz, como lhe compete, que os documentos que subjazem aos referidos artigos da motivação, advêm da utilização, não autorizada, pela empregadora de meios de vigilância à distância.

XII - Há manifesta omissão quanto à utilização pela recorrida dos meios de comunicação da recorrente.

XIII - É evidente que as aludidas conversas nada têm a ver com os meios invocados, resultando, ao invés, do seu conteúdo, que não possuem natureza pessoal e que se consubstanciam, de facto, em mensagens de natureza profissional (única e exclusivamente baseadas na condição de trabalhadora da recorrida contra a sua empregadora, os seus dirigentes e a maioria das suas trabalhadoras).

XIV - Erra também o douto despacho saneador/sentença na interpretação e aplicação do invocado n.º 1 do art.º 34.º da CRP, na medida em que não foi alegada nem provada a ingerência da recorrente – que, aliás, não está fundamentada de facto nem, obviamente, aconteceu – no domicílio ou na correspondência ou nos meios de comunicação privada da recorrida.

XV - Como erra o douto despacho saneador/sentença na interpretação e aplicação do invocado n.º 8 do art.º 32.º da CRP, por não ter sido alegada nem provada e muito menos considerada, fundadamente, pelo tribunal qualquer abusiva intromissão da recorrente na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações da recorrida.

XVI - A invocação da força jurídica do art.º 18.º da CRP não se sustenta em qualquer fundamento de facto que demonstre a aludida afetação de direitos, liberdades e garantias da recorrida e especifique quais e em que medida o foram, sendo, no caso concreto, inoponível à recorrente, máxime por não os identificar, observar e ponderar.

XVII - É manifestamente errada a aplicação do n.º 2 do art.º 16.º do CT na medida que os conteúdos dos documentos em causa não se relacionam, obviamente, com a vida familiar, afetiva e sexual da recorrida nem com o seu estado de saúde ou com as convicções políticas e religiosas da mesma.

XVIII - É aberrante e choca a mais elementar das consciências jurídicas e viola a ordem jurídica na sua totalidade, o facto de uma trabalhadora poder premeditar, urdir planos, associar-se a outras pessoas na sua concretização e, intencionalmente prosseguir e cometer as condutas que concebeu com a finalidade de destruir a sua empregadora – o que constitui, pelo menos, uma tentativa de pôr fim à sua existência jurídica – passe a comparação e a distância substantiva, equivalente à morte de uma pessoa física – escudando-se a mesma na falta do seu consentimento para a produção da prova da sua conduta.

XIX - Não há ilicitude na aquisição e utilização da prova por parte da recorrente na defesa da sua existência – jurídica –, dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e dos direitos e interesses legalmente protegidos dos seus dirigentes, associados, crianças utentes do seu centro infantil e pais e encarregados de educação das...

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