Acórdão nº 229/19.8T8PTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ AMARAL
Data da Resolução03 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Os autores F. N.

e mulher I. M.

intentaram, em 04-03-2019, no Tribunal de Ponte de Lima, acção declarativa, com processo comum, na qual pediram a condenação da ré Companhia de Seguros X Portugal, SA, a: a) “ser […] obrigada a indemnizar […] pelos prejuízos sofridos no montante de 7.500,00€ conforme consta” no articulado (item 26º), ou seja, “proceder ao pagamento” de: i) “4.500,00€ - para reconstrução do muro e tudo o que se mostrar necessário à realização da empreitada” e ii) “500,00€ - de despesas com limpezas efectuadas na habitação”; iii) “2.500,00€ - a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos”; b) “ser […] obrigada a pagar […] os juros sobre aquela quantia […] desde a entrada da presente acção em juízo até efectivo e integral pagamento.” Invocaram, como causa de pedir, o direito ao cumprimento, pela ré, de prestação, em falta, derivada de contrato de seguro; e o direito a indemnização por prejuízos sofridos em consequência da mora.

Com efeito, na petição, em síntese, alegaram ter celebrado com a ré um contrato de seguro “multi-riscos” “que visa garantir o ressarcimento de danos na sua habitação” e por virtude do qual “transferiram para aquela a responsabilidade civil emergente de ocorrências relacionadas” com esta.

Sucedeu que na noite de 21 para 22 de Outubro de 2013, chuvas torrenciais provocaram: i) inundações na cave; ii) desmoronamento e queda total do muro de sustentação de terras da frente da moradia; iii) danos na habitação – paredes interiores manchadas de humidade devida à inundação de água e lama; infiltrações de água; iv) danos nas fossas.

Segundo as Condições Gerais da Apólice, o contrato, até ao limite da quantia de 194.045,00€, “Garante os danos causados aos bens seguros em consequência de:

  1. Tromba de água ou queda de chuvas torrenciais […]” (artº 1º, nº 3, A). Mas “não ficam garantidos em caso algum os seguintes danos: d) Em dispositivos de protecção (tais como persianas e marquises), muros, vedações, portões, estores exteriores, os quais ficam todavia, cobertos se forem acompanhados da destruição total ou parcial do edifício onde se encontram os bens seguros.

    ” (artº 3º, C, nº 2).

    Não obstante ter participado a ocorrência de imediato à ré, esta, apesar de ter ainda mandado efectuar uma vistoria ao local, comunicou que declinava qualquer responsabilidade.

    Ela “é responsável pela reparação do sinistro, isto é, pelo ressarcimento dos prejuízos sofridos”, pois que os bens se encontram no âmbito de cobertura.

    A reconstrução do muro foi orçada em 4.500,00€. Nas limpezas efectuadas na habitação despenderam 500,00€. Os danos patrimoniais sofridos (“com o sucedido e com a atuação da ré”) devem ser compensados com a quantia de 2.500,00€ (artºs 70º, 483º, nº 1, 496º, nº 1, 563º e 566º, nº 2, CC). Deverá, pois, a ré “proceder ao pagamento” das referidas quantias, uma vez que “a reparação dos danos sofridos […] se encontram cobertos pela apólice”.

    Juntaram documentos.

    Na sua contestação, a ré, em síntese, confirmando a existência, validade e vigência, desde 2008, do aludido contrato (cujas condições disse serem do inteiro conhecimento do segurado) e a invocada cobertura denominada “inundações”, aceitou que nesta se compreendem os danos causados aos bens seguros por “queda de chuvas torrenciais”.

    Incumbiu uma empresa de proceder à peritagem. Esta avaliou o custo da reparação do muro em 3.420,00€.

    No entanto, os danos reclamados não estão abrangidos no âmbito de cobertura definido contratualmente. Designadamente não o estão os relativos ao muro, conforme cláusula de exclusão pelos próprios autores citada, nem as “perdas e danos”.

    Com efeito, não houve destruição total ou parcial do edifício.

    Não lhe foram participados e, por isso, desconhece os estragos na habitação.

    Concluiu que a acção deve ser julgada improcedente.

    Juntou documentos, nomeadamente a apólice, em cujas condições particulares se lê, como objecto do contrato, o “edifício”, sito no local do risco e em cujas condições gerais consta, quanto aos bens seguros, “bens móveis ou imóveis designados nas condições particulares”.

    Não houve resposta dos autores ao articulado, nem impugnação dos documentos.

    Conclusos os autos em 09-05-2019 e, entretanto, requerida produção antecipada de prova, foi proferido, com data de 20-11-2019, saneador-sentença que, conhecendo, em parte do objecto do processo, decidiu: “Julga-se desde já a ação parcialmente improcedente e, em consequência, absolve-se a ré do pedido de condenação na quantia de €7.000,00 (sete mil euros) e respetivos juros contados desde a data da entrada da ação.

    Custas deste decaimento parcial pelos autores, na proporção do decaimento (artigo 527.º, 1 do CPC).”.

    Para o efeito, naquela peça começou por esclarecer-se: “Os autores erigem como causa de pedir a mora, por parte da ré, no cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato de seguro (a que aderiram). E dela peticionam não só o cumprimento dessa obrigação pecuniária como o cumprimento de obrigação de indemnização (também pecuniária) assente em responsabilidade civil pelos danos decorrentes da mora no cumprimento daquela obrigação contratual pecuniária.

    É esta a configuração jurídica do pedido e causa de pedir vertidos na petição inicial correspondente à alegação de que: a) os autores celebraram com a ré (ou adeririam a) um contrato de seguro do tipo “multirriscos” que, entre o mais, cobria o risco, que se efetivou, de derrocada de um muro que delimitava a habitação dos autores e o risco de infiltrações de água nas paredes da sua habitação; b) a ré não cumpriu a obrigação que contratualmente assumiu, o que se peticiona; c) a falta do cumprimento pontual da ré causou danos morais aos autores, que também peticionam.

    Daí que o pedido de condenação da ré em obrigação de indemnização apenas seja correto quanto à peticionada obrigação de compensação por danos morais. O demais peticionado constitui pedido de cumprimento de uma obrigação contratual (porque assente em declarações negociais levadas a um contrato e não em qualquer responsabilidade civil da ré que, como é sabido, não prescinde, em regra geral, da culpa).

    Entendeu-se necessária esta clarificação por duas razões: a 1.ª – permite desde já esclarecer que não há por parte da ré qualquer defesa por exceção que exija novo contraditório e que impeça a presente peça processual – os autores dizem que a ré está contratualmente obrigada ao cumprimento de uma obrigação e a ré, ainda que de forma motivada, diz que não; a 2.ª – a mera constatação da configuração da ação nos termos acabados de expor importa, sem mais, a improcedência do pedido de condenação na obrigação de indemnização (compensação) pela quantia de €2.500,00, como adiante se dirá.” E, depois, fundamentou-se assim o decidido: “Sucede que os factos que desde já se têm por demonstrados, designadamente por documentos e acordo das partes – note-se que um contrato de seguro é um contrato que se prova pelo teor de um documento escrito, que se designa de apólice de seguro, e que deve conter todo o conteúdo acordado com as partes, nomeadamente a proposta de seguro e as condições gerais, especiais e particulares aplicáveis – são suficientes para a apreciação parcial do mérito da ação, independentemente de estarem ainda controvertidos outros alegados pelos autores (que para efeitos da presente decisão se ficcionarão demonstrados).

    Assim sendo, justifica-se nos presentes autos um julgamento parcial antecipado, pela evidente inutilidade de qualquer instrução e discussão posterior da causa quanto à matéria que desde já se pode conhecer, pois redundaria na prática de atos ilícitos, porque inúteis, o que a lei expressamente proíbe na norma levada ao artigo 130.º do Código de Processo Civil.

    Factos assentes: A. Mediante declarações escritas levadas à apólice de seguro n.º ... do ramo “Multi-Riscos”, denominado de “X Multi Riscos Habitação”, a ré assumiu perante o autor a obrigação de ressarcimento dos estragos causados ao edifício sito no Lugar do …., Ponte de Lima, entre o mais, por inundações, risco incluído na cobertura base, até ao limite, em 2013, da quantia de €194.045,04.

    1. Consta das condições gerais desta apólice de seguro, no que para o caso importa, o seguinte: a. Bens seguros: Bens móveis ou imóveis designados nas Condições Particulares.

  2. A cobertura base abrange o ressarcimento dos prejuízos em consequência direta de: (…) 3. Inundações, provocadas por: a) Tromba de água ou queda de chuvas torrenciais “precipitação atmosférica de intensidade superior a dez milímetros em dez minutos, no pluviómetro”; b) Rebentamento de adutores, colectores, drenos, dique e barragens; c) Enxurrada ou transbordamento do leito de cursos de água naturais ou artificiais. 3.1. Franquia - Fica estabelecido que em cada sinistro haverá sempre que deduzir à indemnização que couber à X Portugal liquidar, o valor de uma franquia calculada: na base de 5‰ sobre o capital total da Apólice, com o mínimo de € 100, salvo se outros limites forem expressamente estabelecidos nas Condições Particulares. Quando as garantias da Apólice forem extensivas ao edifício, a aplicação da franquia ao conteúdo e ao edifício é feita separadamente, embora o respetivo valor mínimo seja único. 3.2. São considerados como constituindo um único e mesmo sinistro os estragos ocorridos nas 48 horas que se seguem ao momento em que os bens seguros sofram os primeiros danos (…).

  3. 2. Além do disposto no número anterior, também não ficam garantidos, em caso algum, as perdas ou danos verificados em: (…) 2.2. Quanto às coberturas de Tempestades, Inundações e Danos por Água conferidas pelos n.º 2, 3 e 4 do Art.º 5.º, as perdas e danos: d) Em dispositivos de proteção (tais como persianas e marquises), muros, vedações, portões, estores exteriores, os quais ficam todavia, cobertos se forem acompanhados da destruição total ou parcial do edifício onde se encontram os bens seguros.

    1. Consta...

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