Acórdão nº 1667/19.1T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório M. P. instaurou no Tribunal de Família e Menores de Braga, ação especial para acompanhamento de maior relativamente a sua mãe, S. S.

, divorciada, nascida em ..

-10-1933, residente na Rua ...

, n.º …, Braga, requerendo, a aplicação de medidas de acompanhamento - «visitas no âmbito do dever de assistência familiar e, ao final, a decretação do acompanhamento da requerida pela autora na vida social, financeira e familiar, sobretudo nas decisões que digam respeito à sua saúde, moradia e alimentação».

Alegou, no essencial, que a beneficiária, em razão da avançada idade e de um antecedente de doença de Alzheimer necessita de cuidados frequentes com a sua saúde física, psíquica e emocional, com acompanhamento diário para os atos da vida civil; ainda que a beneficiária esteja sob os cuidados do filho C. M., alega que a mesma não tem recebido os cuidados essenciais para a sua idade e bem-estar, designadamente uma alimentação saudável, boa higiene, condições salubres de vida e atenção redobrada; requerente e o referido C. M. vivem um conflito com relação aos cuidados da beneficiária, não permitindo aquele que a requerente realize visitas regulares à mãe, o que implica a impossibilidade da requerente exercer o seu dever de assistência à mãe.

Na sequência de decisão que declarou incompetente o Tribunal de Família e Menores de Braga foi o processo remetido e distribuído ao Juízo Local Cível de Braga - Juiz 2 - onde passou a ser tramitado.

Recebida a petição, foi tentada a citação pessoal da requerida, a qual não se mostrou possível em virtude da constatada incapacidade de a mesmo a receber, após o que veio a ser citado o Ministério Público, em representação da requerida, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 21.º do Código de Processo Civil (CPC), não tendo sido oferecida contestação.

Na sequência de requerimento apresentado pela requerente foi determinado a elaboração de relatório social sobre a situação social do agregado familiar da beneficiária e desta, com vista a tomar posição quanto à necessidade de aplicação de providências cautelares e de medidas de acompanhamento provisórias, com o resultado que constam do relatório datado de 12-08-2019, junto ao processo a 16-08-2019 elaborado pela competente equipa da segurança social, posteriormente complementada com a informação social junta aos autos a 13-09-2019.

Em face do disposto no artigo 141.º, n.º 1, do Código Civil (CC), foi determinada a notificação da requerente para dizer se pretende deduzir também pedido de suprimento da autorização do beneficiária, nos termos dos n.ºs 2 e 3 daquele citado preceito, devendo alegar os factos em que assenta tal pedido.

Na sequência de tal notificação, requereu a requerente o suprimento da autorização da beneficiária, que foi deferida por decisão proferida a 29-07-2019, já transitada em julgado.

Notificada do relatório social elaborado pelos serviços de segurança social, a requerente pronunciou-se sobre o mesmo, tal como consta do requerimento apresentado em 21-08-2019 (Ref.ª 9014262).

Por despacho proferido a 20-09-2019 (Ref.ª 164930062), devidamente transitado em julgado, foi determinado, ao abrigo do disposto no artigo 891.º, n.º 2, do CPC, que a beneficiária passasse a frequentar, diariamente (aos dias de semana) um Centro de Dia a indicar pela Segurança Social, tendo a requerente do processo direito de visita em qualquer desses dias.

Procedeu-se à audição pessoal da requerida/beneficiária.

Foi determinada a realização de exame de perícia médico-legal junto do Gabinete Médico-Legal de Braga - do INML -, na especialidade de Psiquiatria Forense, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 899.º do Código de Processo Civil (CPC), tendo por objeto a fixação da espécie de afetação de que sofre a beneficiária, extensão e consequências dessa afetação, data provável do começo desta e meios de tratamento e acompanhamento aconselháveis, com os resultados que constam do relatório datado de 15-11-2019 entretanto junto ao processo (em 22-11-2019) e oportunamente notificado aos intervenientes (em 22-11-2019).

Após foi proferida sentença, a 28-02-2020, na qual se decidiu decretar as medidas de representação geral e administração total de bens, a favor da requerida/beneficiária S. S., designando para exercer o cargo de acompanhante da requerida o seu filho, C. M., mais decidindo que a beneficiária não poderá testar.

Foi, ainda, determinado que, no âmbito do acompanhamento, seja respeitada a vontade de beneficiária no estabelecimento de contactos com a sua filha M. P., ora requerente, mantendo-se a visitas da requerente a sua mãe no Centro Social de ...

por esta frequentado durante o dia, sem prejuízo do respeito das regras definidas pela instituição na atual situação epidemiológica, e sem prejuízo do agendamento de outras visitas, em horário e condições a ajustar previamente entre o acompanhante e a requerente, de acordo com a vontade e conveniência da beneficiária.

Inconformada, veio a requerente interpor recurso da decisão, pugnando no sentido da revogação da sentença, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «I. O presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de Direito da sentença proferida nos presentes autos.

  1. A Requerente peticionou inicialmente o seguinte: III.

    “Nestes termos e nos mais de direito, requer a V.Exa. que se digne ordenar a citação da Requerida, seguindo-se os ulteriores trâmites legais, fixando-se, a medida de acompanhamento urgente (visitas da A. à R. no âmbito do dever de assistência familiar), e ao final, a decretação do acompanhamento da Requerida pela Autora na vida social, financeira e familiar, sobretudo nas decisões que digam respeito à sua saúde, moradia e alimentação, procedendo-se ao final a publicidade da decisão como o é de praxe.”.

  2. Na sentença ora objeto de recurso, foi proferida decisão nos seguintes termos: “1. Decreta-se as medidas de acompanhamento de representação geral e administração total de bens, previstas no artº 145.º, nºs 1, 2, alínea b) e d) e 4 e 5 do Código Civil, relativamente à beneficiária S. S., divorciada, filha de S. L. e de M. A., residente na Rua ...

    , nº ...

    , Braga.

    2) Determina-se, de harmonia com o disposto no artº 147º do CC, que a beneficiária não pode testar.

    3) Nomeia-se para exercer as funções de acompanhante, C. M., filho da beneficiária, residente Rua ...

    , nº ...

    , Braga.

    4) Determina-se que, no âmbito do acompanhamento, seja respeitada a vontade de beneficiária no estabelecimento de contactos com a sua filha M. P., ora requerente, mantendo-se a visitas da requerente a sua mãe no Centro Social de … por esta frequentado durante o dia, sem prejuízo do respeito das regras definidas pela instituição na actual situação epidemiológica, e sem prejuízo do agendamento de outras visitas, em horário e condições a ajustar previamente entre o acompanhante e a requerente, de acordo com a vontade e conveniência da beneficiária.”.

  3. Ora, salvo o devido respeito, com tal decisão não pode a Requerente/ Recorrente conformar-se.

  4. Antes de mais, padecem os presentes autos de nulidade insanável por preterição de patrocínio forense obrigatório à Beneficiária.

  5. Como decorre do nº 1 do art.º 549º do Código de Processo Civil (doravante, CPC), o processo de acompanhamento de maiores, sendo um processo especial, regula-se subsidiariamente pelo previsto normativamente para o processo comum.

  6. Sendo obrigatório, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do art.º 40º do CPC a competente constituição de mandatário ou nomeação oficiosa de patrono.

  7. Sucede que, no âmbito dos autos sub judice, jamais a Beneficiária constituiu Advogado ou o Juiz do Tribunal a quo promoveu oficiosamente para que lhe fosse nomeado um.

  8. É facto alegado – e devidamente provado – nos autos que a Beneficiária não tinha – nem tem – capacidade para constituir Mandatário.

  9. Motivo por que, para realização do Estado de Direito e da defesa dos direitos, liberdades e garantias da Beneficiária, sempre o Tribunal a quo, no âmbito de seu poder-dever, deveria ter ordenado oficiosamente a nomeação de um Advogado para patrociná-la.

  10. O que não ocorreu.

  11. Termos por que se considera padecer de insanável nulidade processual os autos ora em recurso, por preterição de patrocínio judiciário obrigatório.

  12. O que bem se compreende atenta a importância da questão objeto da lide: a (in) capacidade da pessoa para agir livre, responsável e autonomamente.

  13. Do exposto, se conclui que a preterição do patrocínio judiciário implica a nulidade de tudo o posteriormente articulado após citação da Beneficiária, pois que se trata de um pressuposto processual cuja garantia está constitucionalmente prevista nos nºs 1 e 2 do art.º 20º da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP).

  14. Assim, por tudo o supra exposto, é de concluir que a sentença recorrida assenta na violação do disposto nos nºs 1 e 2 do art.º 20º da CRP, bem como do disposto na alínea a) do nº 1 do art.º 40º e no art.º 41º, ambos do CPC, termos por que deve ser declarada nula, pelo que se pugna pela revogação da sentença proferida.

  15. Mais pugna a Recorrente pelo reconhecimento e declaração da violação do princípio da subsidiariedade, por violação do nº 1 do art.º 143º do Código Civil (doravante, CC).

  16. Pois que jamais foi indagado junto da Beneficiária qual a sua posição quanto à escolha do seu acompanhante.

  17. Do discurso supratranscrito em alegações supra é possível concluir objetivamente que: 1) Não foi aquilatado pelo Tribunal a quo da vontade da Beneficiária; 2) Existe um forte vínculo afetivo entre a Beneficiária e a Requerente/ Recorrente; 3) Apesar de a Beneficiária viver e conviver diariamente com o filho C. M., esta não o reconhece imediata e, portanto, afetivamente como filho.

  18. Ora, a conclusão descrita no ponto 1) demonstra que, contrariamente, ao previsto no nº 1 do art.º 143º do CC, ilegal e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT