Acórdão nº 3507/16.4T8BRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelFERNANDO FERNANDES FREITAS
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

  1. RELATÓRIO I.- M. C. intentou o presente procedimento tutelar cível contra A. M., requerendo se proceda à regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas aos filhos menores de ambos, D. C., nascido a - de Maio de 2003, e I. C., nascida a - de Março de 2009.

    Fundamentou alegando, em síntese, que o casal se encontra separado de facto desde Julho de 2016, não conseguindo chegar a acordo quanto aos termos do exercício das responsabilidades parentais relativas aos referidos seus filhos.

    Por decisão proferida em 08/11/2016 estabeleceu-se um regime provisório, havendo-se fixado a residência habitual dos menores com a progenitora, e o exercício conjunto das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para a vida daqueles, estabelecendo-se ainda um regime livre de visitas ao progenitor não guardião, e uma prestação alimentar a cargo deste no valor mensal de € 120,00 (cento e vinte euros).

    Na conferência de pais, não tendo sido obtido acordo definitivo, manteve-se no essencial o suprarreferido regime provisório, introduzindo-se apenas alterações quanto ao regime convivial.

    Realizada a audição técnica especializada, na continuação da conferência de pais que se lhe seguiu, ao abrigo do disposto no art.º 39.º, n.º 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (R.G.P.T.C.), e face à persistência do desacordo dos Progenitores, foi, por decisão proferida em 02/11/2017, alterado o regime provisório, introduzindo-se de novo modificações no regime convivial dos menores com o Progenitor não guardião (o Requerido).

    Os autos prosseguiram os seus termos, vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença na qual se decidiu regular as responsabilidades parentais relativas aos menores D. C. e I. C. nos seguintes termos: “

    1. Os menores residirão habitualmente com a mãe, a cuja guarda e cuidados ficam confiados, a esta cabendo as decisões relativas aos actos da vida corrente dos filhos; b) As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida dos menores serão exercidas exclusivamente pela progenitora, devendo esta, no entanto, informar o requerido das decisões que tome sobre tais questões e, em particular, sobre as atinentes à saúde, à educação e às condições de vida dos filhos; c) O pai contribuirá para o sustento dos menores com uma prestação de alimentos no valor mensal de € 170,00 (cento e setenta euros) para cada um, que entregará à mãe até ao dia 8 de cada mês através de transferência bancária, actualizando-se essas prestações todos os anos, a partir de Janeiro de 2020, em € 2,00 (dois euros) cada uma; d) O pai suportará ainda metade das despesas médicas extraordinárias (v.g. óculos, aparelhos dentários, lentes graduadas, cirurgias, internamentos hospitalares, etc.), assim como igual proporção das despesas com a aquisição de livros e material escolar, e metade das mensalidades do colégio actualmente frequentado pelos menores (X), enquanto aí estiverem inscritos; e) O progenitor poderá visitar e conviver com os menores nos moldes, com o acompanhamento e a supervisão, que forem fixados na sequência da informação já solicitada à equipa de assessoria técnica aos tribunais, ficando as vistas paterno-filiais por agora, e por um período de 2 (dois) meses, suspensas.

      ”.

      A Progenitora, discordando do regime de visitas paterno-filiais, traz o presente recurso pretendendo a sua cessação ou, pelo menos, a suspensão da convivência entre o Progenitor e os filhos por tempo indeterminado e sempre superior ao fixado pelo Tribunal de Família e Menores.

      Contra-alegou o Ministério Público pronunciando-se pela inalteração do decidido.

      O recurso foi recebido como de apelação com efeito devolutivo.

      Colhidos, que se mostram, os vistos legais, cumpre decidir.

      **II.- A Apelante formulou as seguintes conclusões: 1. Discorda a progenitora, ora apelante, do decidido na douta sentença quanto ao regime de visitas paterno/filiais, por entender que, neste domínio, existiu errada aplicação do direito aos factos, já que a matéria de facto julgada demonstrada impunha outra solução, de cessação ou, pelo menos, suspensão da convivência entre pai e filhos, por tempo indeterminado e sempre superior ao fixado pelo Tribunal.

      1. Considera também que, além dos factos provados na mesma douta sentença, outros deveriam ter sido julgados demonstrados, atenta a sua relevância para a boa decisão da causa, designadamente para a correcta compreensão das dinâmicas que envolvem estas crianças – o D. C. e a I. C. - no seu relacionamento com o progenitor e das consequências daí advenientes para elas, impugnando-se também assim o julgamento da matéria de facto efectuado na douta sentença sub judice, com fundamento na prova gravada, que, como se demonstrará, impunha e impõe decisão diversa da recorrida.

      2. Com efeito, consta não provado na sentença que “o requerido refere-se à requerente como “C.”, sempre que tem de a mencionar perante os menores, de forma a desconstruir a imagem e o papel de mãe, referindo-se aos familiares maternos como “gajos” ou “aqueles gajos” (cfr. alínea h) dos factos julgados não provados), o que, conforme resulta da fundamentação da decisão de facto, foi assim julgado por ter sido entendido que a referida matéria “apenas foi relatada pela própria requerente, em declarações de parte, elemento de prova que, na ausência de outros que suficientemente o corroborassem, não se julgou bastante para ter toda aquela factualidade como demonstrada”.

      3. Todavia, ao contrário do que consta na douta sentença, o declarado a tal propósito pela progenitora foi parcialmente corroborado pela testemunha A. M. – irmã da apelante e tia materna das crianças -, que, no depoimento que prestou, declarou que o progenitor referia-se à progenitora, junto dos filhos, como C., e não como mãe (cfr. passagem do minuto 25m10 a 25m55, do depoimento prestado na sessão de audiência de discussão e julgamento de 1 de Fevereiro de 2019, gravação áudio com início às 11:53:17 e termo pelas 12:40:48), o que – maxime quando concatenado com outros os factos julgados provados - revela uma postura de diminuição e desvalorização do papel da mãe, por parte do pai, que o mesmo não se coibiu de transmitir aos filhos, assim lhes demonstrando, deliberadamente, o seu desprezo e o seu desrespeito pela progenitora e pela importância desta na vida deles.

      4. Impugna-se, pois, nos termos previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, a decisão sobre a matéria de facto constante da alínea h) dos factos não provados, por se entender que tal matéria foi incorrectamente julgada, já que a prova testemunhal produzida, nomeadamente a passagem supra referida do depoimento da testemunha A. M., impõe decisão diferente da proferida, no sentido de ser julgado provado pelo menos o seguinte, que deverá ser incluído na matéria de facto provada: “O requerido refere-se à requerente como “C.”, sempre que tem de a mencionar perante os menores, de forma a desconstruir a imagem e o papel de mãe.”.

      5. Por outro lado, a testemunha J. A. – psicóloga e mãe de uma colega de escola da criança -, no depoimento que prestou na sessão de audiência de discussão e julgamento realizada em 10 de Julho de 2019 (com a duração de 21 minutos e 38 segundos), descreveu o estado, físico e psicológico, em que encontrou a I. C. quando, a pedido da mãe, se deslocou, nos dias 4 e 5 de Julho, à casa de acolhimento, situada em Vigo, para onde a menina foi conduzida depois de ter sido encontrada pelas autoridades policiais após cerca de dois meses de sequestro pelo pai (então detido ao abrigo de um mandado de detenção internacional), tendo dito que a I. C. estava irreconhecível, visivelmente assustada e com o cabelo cortado curto, na casa de acolhimento, dado o estado enleado em que se encontrava e que só foi possível de resolver com o corte; que a criança se recusou a falar com a mãe e que se mostrava descontrolada e agressiva, dizendo coisas como que as amigas não gostavam dela, que não acreditava que gostavam dela, ou que estivessem preocupados com ela, e que só o seu pai é que gostava de si (cfr. passagem do minuto 10m06 a 13m37); que, na mesma ocasião, a I. C. lhe havia dito que não gostava dela “porque tu és muito amiga da minha mãe” e que “agora que sei que és amiga da minha mãe não quero falar contigo” e, também, que a criança gritava e que só passadas duas horas conseguiu acalmá-la e convencê-la a regressar com ela a Braga, mas na condição de nem sequer ver a mãe e de ir para casa de uma outra colega, M. E., para onde acabou efectivamente por ir no dia 5 de Julho (cfr. passagem do minuto 13m37 a 16m16).

      6. Perguntada sobre as razões invocadas pela I. C. para não querer estar nem falar com a mãe, respondeu aquela testemunha que, tendo questionado a criança directamente sobre isso, a mesma não referiu qualquer comportamento maltratante ou, sequer, desajustado da parte da mãe, apontando, ao invés, única e exclusivamente, como justificação para tal coisas como que “se não fosse a mãe ainda estavam todos juntos” (ao mesmo tempo que usava, em espanhol, vocabulário técnico relativo à guarda de menores e à regulação das responsabilidades parentais) e que a mãe era professora universitária e dava “créditos a todos os juízes e a todos os advogados” para que as decisões lhe fossem favoráveis, dizendo ainda “que a comarca do Porto era melhor que a comarca de Braga” e que o melhor sítio para residir era Espanha, pois aí “os juízes não mentem mas que em Portugal eram todos mentirosos”, mais referindo que a mãe também era mentirosa, que era por causa da mãe que o pai estava desempregado e que o pai não tem dinheiro por causa da mãe (se não fosse por causa dela estaria rico), já que era um advogado de sucesso (cfr. passagem do minuto 17m00 a 18m00), apresentando assim, de acordo com a mesma psicóloga, um discurso de culpabilização da mãe e de vitimização do pai, ao ponto de manifestar...

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