Acórdão nº 43622/19.0YIPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelANTÓNIO BARROCA PENHA
Data da Resolução10 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Recorrente: Z. C. e Associados, Sociedade de Advogados, R.I.

Recorrida: Águas ..., S.A.

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: *I. RELATÓRIO Z. C. e Associados, Sociedade de Advogados, R.I.

instaurou, em 04.05.2029, contra Águas ..., S.A.

(ex-Águas X, S.A.

) requerimento de injunção, pedindo a condenação da requerida a pagar-lhe € 918,50, acrescida de juros de mora vencidos, calculados desde 1 de Julho de 2018, até à presente data, à taxa legal comercial aplicável em cada momento, o que perfaz o montante de € 54,08, bem como os juros vincendos até efetivo pagamento.

Para o efeito, veio alegar, de acordo com o mesmo requerimento, o seguinte; “A requerente é uma Sociedade de Advogados. Nessa qualidade, e através do seu sócio maioritário, Z. C., foi celebrado entre requerente e requerida um contrato de mandato judicial, tendo a procuração forense outorgada pela requerida a data de 17 de Outubro de 2013. Na decorrência de tal mandato, a requerente patrocinou a requerida no Proc. n.º 1444/14.6BEBRG, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, e em que ela era ré (originalmente designada por “Águas X, S.A.”) e autores C. G. e esposa M. E.

.

Neste processo os autores pediam a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 45.000,00 a título de danos patrimoniais e morais, acrescido da execução de trabalhos de substituição de canalizações numa extensão de 30 metros, tudo acrescido do pagamento das custas e demais encargos processuais. A ré contestou, tendo o processo seguido a sua tramitação.

Entretanto, a 20/04/2018 a requerida informou a requente de que deveria substabelecer na sua Ilustre Colega, Dr.ª C. G.

, os poderes que lhe tinham sido conferidos pela requerida naquele referido processo. Substabelecimento que a requerente logo no dia 30 de abril seguinte elaborou, subscreveu e, de seguida, o enviou.

Em 14 de maio de 2018 a requerente apresentou à requerida a sua nota de despesas e de honorários.

NOTA: Em outubro de 2011 foi aprovada por requerente e requerida (por deliberação do seu Conselho de Administração) uma fórmula de cálculo de honorários que aqui a requerente sempre seguiu à risca. Por outro lado, nos termos de um contrato de assessoria jurídica que vigorava entre as partes, os honorários a debitar corresponderiam a 50% dos honorários que fossem devidos nos termos de tal fórmula de cálculo, se não existisse a avença, condição que também foi cumprida pela requerente na fixação dos honorários em causa.

Por carta datada de 18 de janeiro de 2016, a requerida, colocou termo ao contrato de prestação de serviços de assessoria jurídica, mantendo-se em vigor diversos contratos de mandato judicial, entre eles o relativo ao processo supra identificado.

Mesmo assim, apesar de ter terminado a avença a requente, na nota de honorários em causa, calculou e peticionou os honorários que lhe eram devidos num valor correspondente a 50% dos honorários que seriam devidos e sempre com respeito por tal fórmula de cálculo aprovada pela requerida em outubro de 2011.

Assim, na referida nota de despesas e de honorários, a requerente fixou os honorários pelo patrocínio de tal ação em € 3.000,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor. Como a requente tinha recebido em 29/09/2014 a quantia de € 2.000,00 a título de provisão para honorários, existe um saldo a seu favor no montante de € 1.000,00, mais uma vez acrescido de IVA à taxa legal em vigor. Relativamente às despesas, foi entregue pela requerida à requerente, na mesma data de 29/09/2014, a quantia de € 1.000,00. Como a importância gasta com taxas de justiça ascendeu à quantia de € 688,50, resulta, a este título, um saldo a favor da requerida no valor de € 311,50. Desta forma, deve a requerida à requerente a quantia de € 918,50 (€1.000,00 x 23% de IVA = €1.230,00 - €311,50).

A 11/06/2018 a requerente emitiu e remeteu para a requerida a fatura n.º F2 2/262, no valor de € 1.230,00 (honorários), vencida no dia 30/06/2018 e a nota de crédito n.º C2 2/29, no valor de € 311,50 (remanescente da provisão para despesas).

Apesar de interpelada, mais do que uma vez, a requerida não pagou nem paga as importâncias pedidas. (…).

” Regularmente notificada, a requerida veio deduzir oposição, excecionando a incompetência em razão da matéria do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, atribuindo essa mesma competência aos Tribunais Administrativos, designadamente porque estão em discussão honorários devidos no âmbito de um mandato forense, que se insere num contrato de prestação de serviços, o qual possui natureza administrativa.

Invocou ainda as exceções de litispendência e de prescrição e impugnou a existência do alegado crédito da requerente, tendo concluindo pela procedência das exceções invocadas e pela improcedência do procedimento de injunção em causa.

Uma vez remetido à distribuição, o requerimento de injunção foi distribuído, como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, ao Juízo Local Cível de Braga (Juiz 2).

A requerente respondeu à matéria de oposição apresentada pela requerida, tendo concluído pela improcedência das exceções invocadas.

Na sequência, em 13.04.2020, foi proferida decisão que, conhecendo da referida exceção dilatória de incompetência em razão matéria, decidiu: “Por todo o exposto, é materialmente incompetente para conhecer da presente ação este Juízo Local Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Braga e, assim sendo, declaro a incompetência, em razão da matéria, deste Tribunal, e consequentemente, absolvo a Ré da instância (arts. 96º, al. a), 97º, n.º 1, 98º e 99º,n.º 1, do Código de Processo Civil).

” Inconformada com o assim decidido, veio a requerente Z. C. e Associados, Sociedade de Advogados, R.I.

interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes CONCLUSÕES 1.

“OS ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PODEM CELEBRAR CONTRATOS ADMINISTRATIVOS,SUJEITOS A UM REGIME SUBSTANTIVO DE DIREITO ADMINISTRATIVO, OU CONTRATOS SUBMETIDOS A UM REGIME DE DIREITO PRIVADO.

” (ART.º 200.º, 1, DO CPA) 2.

SOB A EPÍGRAFE “PROCEDIMENTOS PRÉ-CONTRATUAIS”, DISPÕE O ARTIGO 201.º, 1, DO CPA, QUE “A FORMAÇÃO DOS CONTRATOS CUJO OBJETO ABRANJA PRESTAÇÕES QUE ESTEJAM OU SEJAM SUSCETÍVEIS DE ESTAR SUBMETIDOS À CONCORRÊNCIA DE MERCADO ENCONTRA-SE SUJEITA AO REGIME ESTABELECIDO NO CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS OU EM LEI ESPECIAL.

” (DESTACADO NOSSO) 3.

SOB A EPÍGRAFE “REGIME SUBSTANTIVO”, DISPÕE O ARTIGO 202.º, 2, DAQUELE MESMO CÓDIGO: “NO ÂMBITO DOS CONTRATOS SUJEITOS A UM REGIME DE DIREITO PRIVADO SÃO APLICÁVEIS AOS ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA AS DISPOSIÇÕES DESTE CÓDIGO QUE CONCRETIZAM PRECEITOS CONSTITUCIONAIS E OS PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA.

” 4.

O CONTRATO DE MANDATO JUDICIAL É UM CONTRATO DE DIREITO PRIVADO SUJEITO AO REGIME SUBSTANTIVO DE DIREITO PRIVADO; 5.

COMPETENTE PARA DIRIMIR LITÍGIOS EMERGENTES DE CONTRATOS SUJEITOS A REGIME DE DIREITO PRIVADO, COMO É O CASO DO CONTRATO DE MANDATO, É A JURISDIÇÃO COMUM; 6.

O DISPOSTO NO ARTIGO 280.º, 1, DO CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS, IDENTIFICA OS CONTRATOS A QUE SE APLICA O REGIME SUBSTANTIVO PRE-VISTO NA SUA PARTE III, DA QUAL ESTÁ EXCLUÍDO, POR NÃO ENCAIXAR NELA, O CONTRATO DE MANDATO FORENSE; 7.

O QUE SE CONCLUI NAS ALÍNEAS ANTERIORES SÓ SOFRE A EXCEÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 280.º,3,DO CCP, 8.

AÍ SE ESTABELECENDO, REPORTANDO-SE A CONTRATOS QUE, EMBORA SUBMETIDOS NA SUA FORMAÇÃO AO REGIME ESTABELECIDO NESTE CÓDIGO, NÃO SÃO CONTRATOS ADMINISTRATIVOS QUE NÃO OBSTANTE NÃO SE INTEGRAREM NO ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA PARTE IIIDO CCP,SÓ LHES É APLICÁVEL TAL REGIME, AÍ, ESTABELECIDO QUANTO À INVALIDADE (ARTIGOS 283.º A 285.º), LIMITES À MODIFI-CAÇÃO DO CONTRATO (ARTIGO 313.º COM REMISSÃO PARA O ARTIGO 312.º) À CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL E À SUBCONTRATAÇÃO (ARTIGOS 316.º A 324.º); 9.

COMO SE VÊ DO ESTABELECIDO NA REFERIDA PARTE III DO CCP – DISCIPLINA DO REGIME SUBSTANTIVO DOS CONTRATOS – NUNCA SE APLICA À EXECUÇÃO DOS CONTRATOS DE DIREITO PRIVADO, SALVO NO QUE TANGE À VALIDADE DA CONTRATAÇÃO E ÀS MODIFICAÇÕES OBJETIVAS E SUBJETIVAS DO MESMO; 10.

O CASO DOS AUTOS NÃO CONTEMPLA QUALQUER DAQUELAS QUESTÕES, ANTES O LITÍGIO SE ENQUADRA NA FALTA DE PAGAMENTO, PELA RECORRIDA, DOS HONORÁRIOS PETICIONADOS PELA RECORRENTE; 11.

DAÍ QUE, REPETE-SE, A JURISDIÇÃO COMPETENTE PARA DIRIMIR TAL LITÍGIO SEJA A JURISDIÇÃO COMUM E NÃO A JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA; 12.

ALIÁS, ATENTO O COMANDO CONSTITUCIONAL, VERTIDO NO ARTIGO 212.º, 3, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, “COMPETE AOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS O JULGAMENTO DA SAÇÕES E RECURSOS CONTENCIOSOS QUE TENHAM POR OBJETO DIRIMIR OS LITÍGIOS EMERGENTES DAS RELAÇÕES JURÍDICAS ADMINISTRATIVAS”; 13.

O QUE SIGNIFICA QUE A COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA SE AFERE PELA NATUREZA ADMINISTRATIVA DAS RELAÇÕES JURÍDICAS EM LITÍGIO; 14.

E A NATUREZA ADMINISTRATIVA DAS RELAÇÕES JURÍDICAS, QUANDO RESULTANTES DE CONTRATO, NÃO DEPENDE NEM RESULTA DO FORMALISMO OU DO PROCEDIMENTO PRÉ-CONTRATUAL QUE O PRECEDEU, MAS DOS SEUS INTRÍNSECOS FATORES DE ADMINISTRATIVIDADE; 15.

SÓ QUESTÕES RELACIONADAS COM A FORMAÇÃO DO CONTRATO, NEGOCIAÇÕES OU FORMALISMOS, PODEM SER SINDICADAS PELA JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA NO CASO DE CONTRATOS DE DIREITO PRIVADO; 16.

AS QUESTÕES QUE SE SUSCITEM QUANTO AO REGIME SUBSTANTIVO DOS CONTRATOS PRIVADOS ESTÃO EXCLUÍDOS DA SINDICÂNCIA DA JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA VERTIDA NA PARTE IIIDO CCP; 17.

O CONTRATO DE MANDATO FORENSE É UM ESPECÍFICO CONTRATO DE DIREITO PRIVADO, QUER PELAS SUAS CARACTERÍSTICAS (IMPOSSIBILIDADE DE SE FIXAR O PRAZO, O PREÇO E MESMO O OBJETO) QUER PELA NATUREZA DA RELAÇÃO ENTRE CLIENTE E ADVOGADO QUE RADICA NA CONFIANÇA MÚTUA PESSOAL; 18.

OUTROSSIM, E POR ISSO MESMO, NÃO É POSSÍVEL, POR EXEMPLO, A ELABORAÇÃO DE ESPECIFICAÇÕES CONTRATUAIS SUFICIENTEMENTE PRECISAS QUE PERMITAM DEFINIR QUALITATIVAMENTE ATRIBUTOS DE PROPOSTAS NECESSÁRIOS À FIXAÇÃO DE UM CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO; 19.

ATÉ O DIREITO EUROPEU QUE ENDEUSA A “CONCORRÊNCIA”, ASSIM O ENTENDE. O ARTIGO 10.º, D), I), DA DIRETIVA...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT