Acórdão nº 162/20.0T8MNC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Setembro de 2020
Magistrado Responsável | MARIA JOÃO MATOS |
Data da Resolução | 24 de Setembro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.
*I - RELATÓRIO 1.1.
Decisão impugnada 1.1.1. M. S.
(aqui Requerente e Recorrente), residente em …, ..., União de Freguesias de ... e ..., concelho X, propôs o presente procedimento cautelar de ratificação judicial de embargo extrajudicial de obra nova, contra o Município X (aqui Requerido e Recorrido), com sede no Largo do …, Vila de X, pedindo que: · se ratificasse judicialmente o embargo extrajudicial que promoveu, relativo a trabalhos que o Requerido (Município X) ordenou e pretendeu executar, consistentes na remoção de vasos que ele próprio colocara à entrada de propriedade sua, e cuja declaração de domínio público o mesmo igualmente reclama.
Alegou para o efeito, e em síntese, que sendo proprietário de um prédio rústico (que identificou), que confronta a sul com valeta de Estrada Municipal, o murou; e pavimentou o espaço existente entre ele e a dita estrada, tendo aí colocado há meia dúzia de meses duas floreiras de cimento.
Mais alegou que o Requerido (Município X), no dia 6 de Março de 2020, por meio de edital do seu Presidente de Câmara, o intimou a retirar os ditos dois vasos/ floreiras, sob pena de contra-ordenação, remoção coerciva, coimas e multas respectivas, o que porém, não fez, por entender que se encontram em propriedade sua.
Alegou ainda o Requerente (M. S.) que desde então o Requerido (Município X) vem reclamando como público e seu aquele espaço, invocando para o efeito o Regulamento Municipal de Construção e Edificação de X, o que não corresponde à verdade.
Por fim, alegou o Requerente (M. S.) que, pretendendo o Requerido (Município X) proceder à remoção coerciva, em 20 de Maio de 2020, dos dois vasos/floreiras, ele próprio embargou os trabalhos que aquele pretendia realizar para o efeito.
1.1.2.
Foi proferido despacho liminar de indeferimento do procedimento cautelar nominado em causa, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Antes de mais, dir-se-á que o facto da obra ou trabalho não ter, sequer, iniciado – como explicitou o requerente na sequência de convite que lhe foi endereçado pelo Tribunal – afastaria a aplicabilidade do procedimento cautelar de que lançou mão.
Na verdade, e como se pode ler no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/01/2004, processo 3200/03, relatado por Dr. Jorge Arcanjo e integralmente disponível em ww.dgsi.pt, «Neste sentido, escreve ANTÓNIO GERALDES: “Ao invés do que sucede com as situações sujeitas ao procedimento cautelar comum, em que basta o justo receio de ocorrência de lesão nos direitos do requerente, o embargo exige que as obras ou trabalhos em realização ofendam o direito. É este o resultado de uma opção legislativa que limitou os embargos ao que “se julgue ofendido no seu direito” e não àquele cujo direito esteja sob ameaça.
“Deste modo, não se justifica o embargo em situações em que a ofensa é meramente potencial, maxime, quando a obra está apenas em fase de projecto ou de licenciamento ou quando se encontram efectuados apenas trabalhos preparatórios. A ameaça de que a obra cause prejuízo pressupõe, nos termos da lei, a existência de uma ofensa efectiva ao direito de propriedade “ ( loc.cit., pág.245 ).» Ora, não tendo os trabalhos sequer iniciado, não pode o requerente sentir-se ofendido na sua propriedade (sendo a ofensa meramente potencial) e, como tal, não podia embargar, como fez.
Mas a verdade é que não o podia fazer por outras razões.
Na verdade e sendo certo que subjacente ao diferendo estará a questão da apreciação do caráter público ou privado da parcela, a verdade é que não se oferece qualquer dúvida que a atuação do Município (sem qualquer prejuízo quando ao acerto ou não da posição) está claramente a agir nas vestes públicas e lançando mão do seu ius imperii, tanto assim é que os trabalhos que pretende o requerente atacar consubstanciam a execução coerciva da ordem que o requerido dirigiu ao requerente, para retirada dos vasos de cimento/floreiras, sendo evidência de que assim é que o Edital de 28/02/2020 se reporte expressamente à alegada violação do Regulamento de Ocupação do Espaço Público, Publicidade e Propaganda do Município X.
Na verdade, a atuação do requerido, face à documentação junta pelo requerente e sem prejuízo da apreciação a fazer (e não por este Tribunal, como infra se explicitará) da bondade da posição assumida, inscreve-se no âmbito da tutela da legalidade urbanística, nos termos previstos no artigo 5º, n.º1, do DL 555/99, de 16 de Dezembro, estando as medidas possíveis elencadas nos artigos 102º e ss. do citado diploma, incluindo a ordem de demolição e reposição e/ou de cessação de utilização (artigos 106º e 109º do citado diploma).
Estando em causa atuação nas vestes públicas e também ordem de tutela de reposição da legalidade urbanística proferida e a subsequente execução coerciva, não pode o requerente, junto dos Tribunais judiciais, paralisar uma execução coerciva, quando dispõe de meios, na jurisdição administrativa, de reação e tutela dos seus interesses e direitos (veja-se por exemplo o procedimento cautelar de suspensão de execução de ato administrativo), a que se seguiria o ataque, na génese, da própria decisão, através da ação competente para a qual tão pouco seria competente este Tribunal.
É que coloca-se, efetivamente e além do mais (isto porque o artigo 399º do CPC afasta o embargo extrajudicial quando haja meios de tutela na jurisdição administrativa), um problema de competência material deste Tribunal para o presente procedimento cautelar.
(…) Ademais e repete-se, o artigo 399º do CPC sempre inviabilizaria o recurso ao embargo extrajudicial de obra nova, estando em causa norma que dota de coerência o sistema, sob pena de, fora da jurisdição competente, se paralisar execução coerciva de ato administrativo.
Face ao exposto e sem necessidade de ulteriores considerações, indefere-se a requerida ratificação judicial de embargo extrajudicial de obra nova, quer porque não estão reunidos os legais pressupostos (desde logo por não terem iniciado as obras/trabalhos), quer porque não é admissível (por estar em causa obra ou trabalho de autarquia local em execução coerciva de ordem de demolição da mesma e relativamente à qual há meios de tutela na jurisdição administrativa), quer, finalmente, por carecer este Tribunal de competência material para o efeito.
Custas pelo requerente – artigo 527º, n.º1 e 2 e 539º do CPC.
Notifique e registe.
(…)» 1.1.3.
O Requerente (M. S.) requereu então a remessa dos autos para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, lendo-se nomeadamente no seu requerimento: «(…) M. S.
, requerente nos autos, notificado da douta sentença que julga o Tribunal incompetente em razão da matéria, logo incompetência absoluta, vem requerer a V. Exª, ao abrigo do disposto no artigo 99, nº 2 do CPC, se digne ordenar a remessa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que é o Tribunal competente.
(…)» 1.1.4.
Foi proferido despacho, indeferindo a pretendida remessa dos autos para a jurisdição administrativa, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Tendo presente que o Tribunal não se limitou a julgar-se materialmente incompetente (este foi, esclareça-se, o argumento a refutar a possibilidade de transmutar o pedido formulado pelo requerente para o que, efetivamente, poderia ser o adequado), apreciou igualmente a falta de cabimento do meio processual de que lançou mão (ao que acresce a circunstância de que este meio poderá não ser o adequado meio de reacção na jurisdição administrativa), tendo presente, também, que a possibilidade a que alude o requerente (artigo 899º, n.º 2 do CPC) pressupõe que se haja chegado ao final dos articulados e a decisão foi liminarmente proferida, não tem base legal (nem verdadeiramente interesse) o requerido pelo requerente que, como tal, se indefere.
Sem custas, dada a simplicidade do incidente.
(…)»*1.2. Recursos Inconformado com estas duas e sucessivas decisões, o Requerente (M. S.) interpôs de cada uma delas recurso de apelação.
*1.2.1. Recurso do despacho de indeferimento liminar 1.2.1.1. Fundamentos No recurso de apelação interposto do despacho que indeferiu liminarmente o procedimento cautelar de ratificação judicial de embargo extrajudicial de obra nova, o Requerente (M. S.) pediu que o mesmo fosse revogado, sendo substituído por acórdão julgando o Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo de Competência Genérica de Monção, competente para julgar os autos, determinado por isso o seu prosseguimento.
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):
-
O presente Recurso é interposto da sentença que indefere o pedido de ratificação judicial de Embargo extrajudicial de trabalhos que o Autor intentou ao abrigo do disposto no artº 397º do Código de Processo Civil.
-
A sentença diz resumidamente que indefere o requerido quer porque não estão reunidos os legais pressupostos (desde logo por não terem iniciado as obras/trabalhos) quer porque não é admissível (por estarem em causa obra ou trabalho de autarquia local em...
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