Acórdão nº 4/18.7T8PNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Setembro de 2020

Data24 Setembro 2020

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães: 1.

Relatório Nos presentes autos de acção especial emergente de acidente de trabalho que M. H.

move a X- Companhia de Seguros, S.A.

e Y Unipessoal, Lda.

, foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:

  1. Condeno a R. seguradora “X, Companhia de Seguros, SA” a pagar à A: - Com o início no dia 22/12/2017, o capital de remição de uma pensão anual de €595,40 (quinhentos e noventa e cinco euros e quarenta cêntimos); - A quantia de € 961,29 (novecentos e sessenta e um euros e vinte e nove cêntimos), a título de diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária; - A quantia de € 35,00 (trinta e cinco euros) despendida em transportes nas deslocações a tribunal e ao GML; - A prestar-lhe assistência clínica e respectivo transporte dentro do condicionalismo da Lei nº 98/2009, de 04/09 e desde que, consideradas necessárias e adequadas ao restabelecimento do seu estado de saúde e à sua recuperação para a vida activa.

  2. Absolvo a R. Entidade empregadora “Y Unipessoal, Ldª” do pedido.

Custas pela R. seguradora.

Fixo à ação o valor de € 8150,61.

Oportunamente proceda ao cálculo do capital da remição, atendendo à Tabela Pensionistas de ambos os sexos da Portaria nº. 11/2000, de 13 de Janeiro - tendo por referência a data de 22 de Dezembro de 2017.» A R. seguradora, inconformada, veio interpor recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões: «I. A sentença recorrida não pode manter-se, uma vez que não efectuou uma correcta avaliação dos meios de prova, tendo incorrido em erro de julgamento da matéria de facto, nem uma correcta aplicação do direito aos factos provados, dado que a mesma viola o disposto nos artigos 18.º e 79.º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, e 281.º do Código de Trabalho.

  1. É manifesta a violação das normas de segurança por parte da entidade empregadora, na medida em que a Entidade Empregadora não alertou a sinistrada para a necessidade de realizar a tarega de limpeza com a máquina desligada, impondo concluir-se pela violação das normas de segurança e que o acidente de trabalho em causa foi consequência dessa violação.

  2. O Tribunal a quo julgou – incorrectamente – como não provado, com interesse para o presente recurso, o ponto 3 da matéria de facto não provada, onde consta que “A R. entidade empregadora não tenha informado a A. sobre a forma como deveria proceder à operação de limpeza mencionada nos nºs 7 a 10 de forma a evitar o risco de contacto com a prensa (nº 21, parte, da base instrutória)”.

  3. Da análise da prova carreada para os autos, designadamente o depoimento das testemunhas F. V. e R. Q., e, bem assim, com a prova documental existente nos autos, e em contraposição com a matéria de facto dada como provada, é manifesto que o Tribunal a quo julgou mal quando considerou não provado o ponto 3), impondo-se, necessariamente, a reapreciação da prova produzida e gravada.

  4. A trabalhadora sinistrada encontrava-se a colar topos/testeiras em sapatos, encontrando-se a desempenhar as aludidas funções de acordo com as instruções do Empregador, transmitidas através do seu superior hierárquico.

  5. Não foram dadas as instruções à sinistrada sobre como proceder à operação de limpeza descrita nos pontos 7 a 10 da matéria de facto dada como provada, nem existia qualquer indicação do risco de contacto mecânico.

  6. Ora, atento o circunstancialismo descrito e a prova produzida nos presentes autos, ter-se-á que concluir, necessariamente, de concluir que à Sinistrada não foram dadas instruções de como deveria proceder à limpeza da máquina e que a mesma não foi alertada para o risco de contacto mecânico.

  7. A Meritíssima Juiz a quo ter valorizado, como vimos, de forma diferente a prova, designadamente os depoimentos de R. Q. e F. V., e, bem assim da prova documental junta aos autos, designadamente, o documento n.º 1 junto aos autos com a Contestação da Recorrente a fls..

  8. Caso o tivesse feito, teria concluído de forma diversa, designadamente, no que concerne aos factos não provados no ponto 3.

  9. Pelo que, atento o exposto, deveria o Tribunal a quo ter dado como provado o constante do facto não provado 3), passando este a constar da matéria de facto provado, e, em consequência, deveria ter proferido decisão diversa daquela que proferiu.

  10. A questão fulcral em apreço nos presentes autos reconduz- se a dois pontos que a Recorrente entende essenciais: saber se ocorreu a violação das regras de segurança e saúde no trabalho e, em caso afirmativo, saber se essa violação foi causal do acidente em apreço.

  11. Dos elementos constantes dos autos, é indiscutível que o acidente de trabalho ocorreu no tempo de trabalho, constituindo, por isso, um acidente de trabalho.

  12. Resultou provado que a Entidade Empregadora não informou a sinistrada sobre a forma como deveria proceder à operação de limpeza mencionada nos factos provados n.ºs 7 a 10, bem como que a Entidade Empregadora não afixou na máquina os procedimentos a adoptar na limpeza da máquina.

  13. Caso tivesse sido dadas instruções à sinistrada para esta proceder a tal operação de limpeza com a máquina desligada, o acidente em causa não teria ocorrido.

  14. Para que se possa atribuir a culpa pela produção do sinistro à entidade empregadora é necessário que se verifique o cumprimento de determinados requisitos, como sejam a demonstração de culpa da entidade empregadora, imputar-lhe a inobservância das regras de segurança a título de culpa, assumindo esta a forma de dolo ou negligência, e demonstrar o nexo de causalidade.

  15. Conforme refere Carlos Alegre, in “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, 2.ª Edição, pág. 104, “a culpa do agente não existe, apenas, quando actua com dolo, mas também quando não age com o cuidado ou a diligência que as circunstâncias do trabalho exigem, e a que está obrigado e é capaz. Em direito criminal chama-se a este comportamento de negligência, a lei dos acidentes de trabalho chama-o de culpa”.

  16. No caso em apreço, consideram-se verificados os referidos requisitos, pois, a entidade empregadora não informou a trabalhadora da forma adequada como deveria proceder à operação de limpeza da máquina.

  17. Ainda que não se possa considerar esse grau de culpa como sendo doloso, não subsiste margem para qualquer dúvida que, a título de negligência, essa responsabilidade lhe é assacada, pela falta de cuidado manifesta.

  18. E existe um nexo causal entre o evento que provoca o acidente e os danos causados, estando intimamente ligado com o comportamento censurável da entidade empregadora.

  19. Sendo certo que esta, através do superior hierárquico da Sinistrada, até admitiu que, efectivamente, por lapso, não foram dadas instruções nesse sentido.

  20. O acidente em causa nos presentes autos foi consequência directa da omissão, por parte da Entidade Empregadora, de medidas de protecção adequadas e avaliação das mais elementares regras de segurança.

  21. Sendo certo que não se pode aceitar a conclusão do Tribunal a quo, na parte em que conclui que o acidente ocorreu por descuido da própria sinistrada, dado que, se a máquina estivesse desligada, como deveria estar e deveria ter sido comunicado à sinistrada, o acidente nunca teria ocorrido.

  22. A entidade empregadora violou as normas previstas no artigo 281.º do Código de Trabalho e o artigo 37.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 50/2005, que estabelecem que o empregador é obrigado a assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho, designadamente ao nível da avaliação dos riscos corridos pelo trabalhador sinistrado, como na concepção de instalações que garantam a segurança dos trabalhadores.

  23. A inexistência de uma avaliação rigorosa dos riscos profissionais relativos aquele posto de trabalho e ao equipamento em concreto e, em particular, à possibilidade de contacto dos membros superiores com as prensas, os riscos relativos à sua utilização e as situações anormais previsíveis, terão concorrido para a ocorrência do acidente de trabalho que vitimou a trabalhadora.

  24. Incumbia à Entidade Empregadora implementar as medidas necessárias a assegurar o desempenho da tarefa exercida pela trabalhadora em condições de segurança, tal como dispõem os artigos 8.º e 19.º do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro e o Regulamento Geral de Segurança e Higiene nos Estabelecimentos Industriais.

  25. É manifesto que o acidente em apreço ocorreu por única e exclusiva responsabilidade da Entidade Empregadora, ora Recorrida, que violou, sem causa justificativa, as condições de segurança cuja implementação lhe incumbia.

  26. A produção do acidente se deveu, única e exclusivamente, à culpa da...

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