Acórdão nº 2859/15.8T8VCT.G2-A de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO MATOS
Data da Resolução24 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.

*I - RELATÓRIO 1.1. Decisão singular reclamada 1.1.1. A. M.

(aqui Recorrente e Reclamante), residente na Rua …, freguesia de …, no Porto, propôs uma acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra H. D.

(aqui Recorrido), residente na Travessa …, freguesia de … e de …, em Vila Nova de Gaia, e contra G. C.

(aqui Recorrida), residente na Rua …, freguesia de … e …, em Vila Nova de Gaia - sendo depois interveniente principal provocada a Caixa ..., C.R.L.

(aqui Recorrida), com sede na Rua …, freguesia e concelho de … -, pedindo que fosse declarado nulo, e de nenhum efeito, o título de venda de ½ de um prédio urbano, feito no dia 11 de Fevereiro de 2015, na Conservatória do Registo Predial de …, e que fosse decretado o cancelamento da inscrição de aquisição desse direito a favor da Ré (G. C.), efectuada pela apresentação número 2054, de 11 de Fevereiro de 2015.

Alegou para o efeito, em síntese, que, sendo ele próprio o único e exclusivo proprietário do dito prédio urbano, não obstante por conveniência própria o ter registado em nome do Réu (H. D.), seu filho, veio este a vender sucessivamente cada uma das suas duas metades indivisas à Ré (G. C.), que as registou depois em nome próprio, substituindo ainda as suas anteriores hipotecas por uma nova e única, para garantia de um mútuo que lhe teria sido concedido pela Caixa ..., C.R.L. (a fim de lhe financiar a aquisição da segunda metade indivisa).

Alegou ainda serem simuladas cada uma dessas vendas de metade indivisa (aqui impugnando a realizada em 11 de Fevereiro de 2015, e noutra acção impugnando a realizada em 25 de Novembro de 2014), já que: o Réu (H. D.) nada quis vender, apenas o declarando como forma de eximir o dito prédio à garantia geral dos credores de seu Pai, convicto que o imóvel depois retornaria para este; e a Ré (G. C.) nada pagou por ele (ao contrário do declarado nas escrituras de compra e venda), como nada lhe foi emprestado pela Caixa ..., C.R.L., pretendendo apenas beneficiar do engano do Réu (H. D.).

Defendeu ser a compra e venda da sua segunda metade indivisa, realizada no dia 11 de Fevereiro de 2015 (e impugnada nos autos principais) nula, por simulação e por consubstanciar ainda uma venda de coisa alheia (no caso, de bem dele próprio, por inclusivamente ter adquirido o dito prédio por usucapião).

1.1.2.

Citados o Réus, contestada e tramitada a acção dos autos principais, veio a ser julgada totalmente improcedente, por sentença proferida em 01 de Outubro de 2018 (nomeadamente, por ter ficado por demonstrar a alegada simulação, e bem assim a posse do nela Autor sobre o imóvel em causa, susceptível de permitir a sua aquisição por usucapião).

1.1.3.

O então Autor (A. M.) interpôs recurso de apelação (pedindo que se revogasse a sentença recorrida, nomeadamente por meio da alteração da matéria de facto nela considerada), o qual foi julgado totalmente improcedente, por acórdão desta Relação de Guimarães de 07 de Março de 2019, que confirmou integralmente a decisão impugnada (nomeadamente, por considerar insusceptível de alteração a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo, face ao incumprimento pelo Recorrente do ónus de impugnação previsto no art. 640.º do CPC).

O dito acórdão transitou em julgado em 16 de Abril de 2019.

1.1.4.

  1. M. interpôs, em 10 de Abril de 2020, recurso de revisão do acórdão proferido em 07 de Março de 2019, pedindo que lhe fosse dado provimento e se revogasse a sentença proferida em 1.ª Instância.

Alegou para o efeito, em síntese, poder demonstrar a falsidade de depoimento que determinou a decisão a rever (prestado por G. C., primitiva ré na acção declarativa onde foi proferida a decisão cuja revisão pretende) e poder juntar dois documentos (uma carta de 03 de Janeiro de 2018, dele próprio a Terceiro, e uma certidão judicial obtida em 19 de Junho de 2019, sobre sentença penal absolutória, proferida em 22 de Novembro de 2017), de que não pôde então fazer uso, e suficientes para modificar a decisão em sentido mais favorável para si; e apenas se ter apercebido dos ditos dois documentos quando preparava a reclamação ao relatório pericial produzido na acção de interdição - hoje, de acompanhamento - que entretanto intentou contra o seu filho H. D., primitivo réu naquela outra acção (tendo apresentado em 16 de Março de 2020 o último requerimento na acção de interdição/acompanhamento).

Defendeu, por isso, não só ter fundamento legal para a revisão impetrada, como estar em tempo, isto é, «no prazo, de cinco anos após o trânsito em julgado do douto acórdão, e de sessenta dias após ter verificado a viabilidade dos documentos que vai apresentar para a modificação do acórdão».

1.1.5.

Foi proferida decisão singular em 01 de Maio de 2020, indeferindo liminarmente o recurso de revisão, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) III - DECISÃO Pelo exposto, por ser manifestamente extemporâneo e destituído dos motivos apresentados para a revisão impetrada, indefiro liminarmente o recurso extraordinário de revisão apresentado por A. M..

(…)»*1.2. Reclamação para a Conferência 1.2.1. Fundamentos Inconformado com esta decisão, o Recorrente (A. M.) veio reclamar para a Conferência, pedindo que fosse revogada a decisão singular de indeferimento liminar, e se substituísse a mesma por outra, a admitir o recurso interposto, a fim de ser julgado.

Concluiu a sua reclamação da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis): 1.ª - O prazo do recurso extraordinário de revisão do douto acórdão é o da decisão a proferir no processo de acompanhamento, requerido como de interdição, que ainda aguarda decisão final.

  1. - O autor pode requerer o recurso ainda antes de ser proferida a sentença se esta demorar anormalmente e pedir a suspensão da instância do recurso, como se prevê no n.º 5 do artigo 697.º do Código de Processo Civil.

  2. - Porque assim é, o autor ainda agora está em tempo de recorrer, e, em abstracto, estará até 13/06/2024.

  3. - O prazo de caducidade do recurso interposto decorre até 13/6/2024 e até 60 dias depois de poder ser exercido com o limite de cinco anos.

  4. - O prazo de caducidade do recurso é único, dependente do último documento que for apresentado.

  5. - O último documento apresentado para a revisão da decisão, admite a entrada de outros com o mesmo fim, ainda que o prazo da sua junção já tenha expirado, por beneficiarem do prazo mais largo a partir do conhecimento.

  6. - Beneficiando de um prazo que ainda não começou a correr, o recurso é tempestivo.

  7. - Nada impede que sejam analisados os documentos existentes e, posteriormente, os que ainda se esperaram.

  8. - A douta decisão singular omite a alegação de venda de coisa alheia, violando o disposto no 615º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil.

  9. - Os documentos apresentados são suficientes para alterar a decisão a rever, em sentido favorável ao recorrente.

  10. - A douta decisão viola o disposto nos artigos 696º e 697º do Código de Processo Civil.

  11. - O recurso interposto deve ser provido.

*1.2.2. Resposta Apenas a primitiva Interveniente Principal Provocada (Caixa ..., C.R.L.) respondeu, pedindo que a reclamação apresentada fosse julgada improcedente.

*II - VALIDADE E REGULARIDADE DA INSTÂNCIA O tribunal é o competente em razão da matéria, da nacionalidade e da hierarquia.

O processo é o próprio, e não enferma de outras nulidades que o invalidem na sua totalidade.

As partes dispõem de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas e mostram-se devidamente patrocinadas.

Inexistem outras excepções dilatórias, nulidades parciais ou quaisquer questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

*III - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR Mercê do exposto, uma única questão foi submetida à apreciação desta Conferência de Juízes Desembargadores: · Questão Única - Foi o recurso de revisão apresentado em tempo, sendo ainda fundado (e, por isso, devendo ser revogada a decisão singular que o julgou manifestamente extemporâneo e infundado, indeferindo-o liminarmente) ? *IV - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A factualidade relevante para a decisão da reclamação apresentada para a conferência coincide com a descrição feita em «I - RELATÓRIO» da mesma (que reproduz, de forma fiel, o processamento dos autos), que aqui se dá por integralmente reproduzida.

*V - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 5.1. RECURSO DE REVISÃO 5.1.1. Natureza Lê-se no art. 696.º do CPC que a «decisão transitada em julgado (…) pode ser objecto de [recurso de] revisão».

Enquanto que com a interposição de qualquer recurso ordinário pretende-se evitar o trânsito em julgado duma decisão desfavorável, através do recurso extraordinário [assim qualificado no art. 627.º, n.º 2 do CPC] de revisão visa-se a rescisão duma sentença transitada.

Será o último remédio contra os erros que atingem uma decisão judicial, já insusceptível de impugnação por via dos recursos ordinários

(Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 8.ª edição, Abril de 2008, pág. 306).

Bem consideradas as coisas, estamos perante uma das revelações do conflito entre as exigências da justiça e a necessidade da segurança ou da certeza.

Em princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, se feche a porta a qualquer pretensão tendente a inutilizar o benefício que a decisão atribuiu à parte vencedora.

Mas pode haver circunstâncias que induzam a quebrar a rigidez do princípio. A sentença pode ter sido consequência de vícios de tal modo corrosivos, que se imponha a revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio

(Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume VI, Coimbra Editora, págs. 335 e 336, com bold apócrifo) (1).

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