Acórdão nº 1130/07.3TABRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Abril de 2011

Magistrado ResponsávelMARIA JOSÉ NOGUEIRA
Data da Resolução04 de Abril de 2011
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório 1. No âmbito dos autos de instrução n.º 1130/07.3TABRG, do 4.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, na sequência do despacho de arquivamento proferido no final do inquérito, a assistente Sociedade Portuguesa de Autores requereu a abertura da instrução, pretendendo a pronúncia do arguido Manuel S..., enquanto legal representante da firma “G... – Café Bar, L.da” e responsável pela exploração do estabelecimento comercial, denominado “G...”, pela prática de um crime de usurpação, p. e p. pelos artigos 195.º e 197.º do CDADC.

  1. Realizada a instrução, o Mm. Juiz, por despacho de 17.11.2010, decidiu não pronunciar o arguido, determinando o arquivamento dos autos.

  2. Inconformada com o assim decidido, recorre a assistente, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: a) Em 27 de Janeiro de 2007, o arguido era responsável pela exploração do estabelecimento comercial “G...”; b) No dia 27 de Janeiro de 2007, o arguido procedia, no seu estabelecimento comercial, à difusão de obras intelectuais protegidas, as quais estavam a ser radiodifundidas por um canal de televisão; c) Para efeitos desta difusão, o arguido utilizava um televisor, uma caixa exterior da TV Cabo e quatro colunas externas ao aparelho receptor, estrategicamente colocadas no estabelecimento comercial; d) O arguido não dispunha de autorização dos autores das obras ou da entidade que os representa, para o exercício dessa actividade; e) Entendeu o Meritíssimo Juiz a quo absolver o arguido, sustentando que este se limitava a proceder a uma mera recepção das obras radiodifundidas; f) Interessa, por isso, precisar o conceito de mera recepção, dado que este não abarca todas as situações de difusão em público de obras radiodifundidas; g) Nos termos do Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República n.º 4/92 de 28 de Maio de 1992, a mera recepção de emissões de radiodifusão em lugares públicos não depende nem da autorização dos autores das obras literárias ou artísticas apresentadas prevista no artigo 149, n.º 2, nem lhes atribui o direito a remuneração prevista no artigo 155, ambos do CDADC; h) Do princípio de liberdade de recepção das emissões de radiodifusão que tenham por objecto obras literárias ou artísticas apenas se exclui a recepção -transmissão envolvente de nova utilização ou aproveitamento organizados designadamente através de procedimentos técnicos diversos dos que integram o próprio aparelho receptor, como, por exemplo, altifalantes ou instrumentos análogos transmissores de sinais, sons ou imagens, incluindo as situações a que se reportam os artigos 3 e 4 do Decreto – Lei n.º 42660, de 20 de Novembro de 1959. (conclusão 14.ª do citado Parecer); i) As quatro colunas não são elementos técnicos que integrem o aparelho de televisão receptor dos programas radiodifundidos; j) Ao utilizar as quatro colunas exteriores ao aparelho de televisão, o arguido serviu-se de procedimentos técnicos diversos dos que integram o próprio aparelho receptor; l) O arguido procedeu, deste modo, a uma nova utilização da obra (a recepção – transmissão); m) Por ter feito uma nova utilização da obra em local público, o arguido necessitava de obter autorização dos autores ou da sociedade que, em Portugal, os representa; n) Este entendimento é suportado por diversos arestos, de entre os quais, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 15-05-2007, no âmbito do processo 72/2007 – 5; o Acórdão da Relação de Guimarães proferido em 02-07-2007, no âmbito do processo 974/07 – 2; o) O arguido cometeu, por isso, um crime de usurpação, previsto e punido nos termos do disposto no artigo 195º do CDADC; p) O arguido sabia ou tinha a obrigação de saber que estava obrigado a obter autorização aos autores das obras radiodifundidas, para que as pudesse difundir no seu estabelecimento comercial; q) O arguido sabia ou tinha a obrigação de saber que estava obrigado a obter autorização dos autores das obras radiodifundidas, porque esta solução resulta da própria doutrina do Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República n.º 4/92 de 28 de Maio de 1992; r) O arguido sabia ou tinha obrigação de saber que estava obrigado a obter autorização dos autores das obras radiodifundidas, porque a Associação Comercial de Braga informou os seus comerciantes da doutrina expandida neste parecer, a qual deveria ser seguida pelos comerciantes; s) O arguido sabia ou tinha a obrigação se saber que estava obrigado a obter autorização dos autores das obras radiodifundidas, porque resulta do texto do contrato que o arguido celebrou com a TV Cabo que os titulares de direitos de autor poderiam impedir ou suspender o serviço prestado pela TV Cabo, caso o arguido não estivesse devidamente autorizado para a utilização das obras em local público; p) A decisão proferida violou o disposto nos artigos 68º, n.º 2 al. e), 149º, 155º e 197º todos do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos; q) A decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo deve, por isso, ser alterada, condenando-se o arguido pela prática de um crime de usurpação.

    Termos em que deve ser revogada a decisão proferida em primeira instância, pronunciando-se o arguido Manuel S... pela prática de um crime de usurpação, previsto e punido nos termos do disposto nos artigos 195º e 197º do CDADC, seguindo-se os demais termos.

  3. Na 1.ª instância, apenas, respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público, concluindo: Portanto, e considerando que: 1. Televisão é a transmissão ou retransmissão de imagens não permanentes e sons através de ondas electromagnéticas ou de qualquer outro veículo apropriado, propagada no espaço ou por cabo, destinada à recepção pelo público (artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 58/90, de 7 de Setembro).

  4. Obra radiodifundida é a que foi criada segundo as condições especiais de utilização pela radiodifusão sonora ou visual e a que foi adaptada àqueles meios de comunicação veiculadores da sua apresentação ao público (artigo 21.º CDADC).

  5. No domínio da comunicação social distingue-se entre a vertente activa ou processo de transmissão de sinais, sons ou imagens pelo organismo difusor e a vertente passiva de captação ou recepção pelo público.

  6. O direito de autor atribui aos autores das obras literárias ou artísticas faculdades de natureza pessoal e de natureza patrimonial, envolvendo as últimas o exclusivo de dispor, fruir e de as utilizar ou de autorizar a outrem a sua fruição ou utilização (artigo 9º, n.ºs 1 e 2, do CDADC).

  7. Assiste aos autores, além do mais, o exclusivo direito de fazer ou autorizar a difusão pela televisão ou pela radiofonia ou por qualquer outro processo de reprodução de sinais, sons ou imagens, bem como a sua comunicação, quando não seja realizada pelo organismo de origem, por altifalantes ou instrumentos análogos, por fios ou sem fios, nomeadamente por ondas hertzianas, fibras ópticas, cabo ou satélite (artigo 68º, n.º 2, alínea e) do CDADC).

  8. Depende de autorização do autor a radiodifusão sonora ou visual das obras literárias ou artísticas, seja directa seja por qualquer processo de retransmissão, bem como a comunicação da obra radiodifundida em lugar público por qualquer meio de difusão de sinais, sons ou imagens (artigo 149.º, n.ºs 1 e 2, do CDADC).

  9. É lugar público para efeitos da conclusão anterior aquele em que seja oferecido o acesso, implícita ou explicitamente, com ou sem remuneração, independentemente da declaração de reserva do direito de admissão (artigo 149.º, n.º 3, do CDADC).

  10. São lugares públicos para efeito do disposto no artigo 149º, n.º 3, do CDADC, além do mais, os restaurantes, hotéis, pensões, cafés, leitarias, pastelarias, bares, “pubs”, tabernas, discotecas, e outros estabelecimentos similares.

  11. O termo comunicação inserto nos artigos 149.º, n.º 2 e 155.º do CDADC significa transmissão ou recepção – transmissão de sinais, sons ou imagens.

  12. A mera recepção em lugar público de emissões de radiodifusão não integra a previsão dos artigos 149º, n.º 2, e 155.º do CDADC. A mera recepção de radiodifusão nos mencionados lugares públicos não depende nem de autorização dos autores das obras literárias ou artísticas apresentadas prevista no artigo 149º, n.º 2, nem lhes atribui o direito à remuneração prevista no artigo 155.º, ambos do CDADC.

  13. Do princípio de liberdade de recepção das emissões de radiodifusão que tenham por objecto obras literárias ou artísticas apenas se exclui a recepção – transmissão envolvente de nova utilização ou aproveitamento organizados designadamente através de procedimentos técnicos diversos dos que integram o próprio aparelho receptor, como, por exemplo, altifalantes ou instrumentos análogos transmissores de sinais, sons ou imagens, incluindo as situações a que se reportam os artigos 3.º e 4.º do Decreto – Lei n.º 42660, de 20 de Novembro de 1959.

    Por tudo quanto aqui se acaba de consignar, entendemos, que a douta decisão recorrida não violou qualquer preceito legal.

    E se assim é, não nos parece que o sentido da decisão proferida possa ser susceptível de censura.

    Assim sendo, Por tudo o exposto deve a douta “decisão de não pronuncia” recorrida ser mantida nos seus precisos termos.

    E, negando provimento ao recurso interposto pela assistente/recorrente, farão V.EXºs, Senhores Desembargadores, a...

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