Acórdão nº 4508/08.1TBBCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Julho de 2011

Data12 Julho 2011

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães S… intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra A… Companhia de Seguros, SA -, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 50.383,95, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação.

Fundamentou a sua pretensão no facto de, em virtude de um acidente, ocorrido no dia 04.09.06, – acidente em que foi interveniente o ciclomotor 3-BCL-60-95, pertencente a F… e por ele conduzido, e que teve a sua origem no facto do BCL, que circulava, a uma velocidade não inferior a 90 km/h, encontrando-se a velocidade no local limitada a 50 km/h, pela via de Cintura Interna de Arcozelo, Barcelos, no sentido Rotunda da Bolacha/Central de Camionagem, pela via direita, da faixa de rodagem direita, atento o referido sentido, ter desviado a sua trajectória para a direita, saído da faixa de rodagem por onde seguia e invadido a berma direita, indo colher o autor, que se encontrava na berma direita da faixa de rodagem, atento o sentido Rotunda da Bolacha/Central de Camionagem, a ser autuado por um elemento da patrulha da GNR – ter sofrido ferimentos, que lhe provocaram e continuam a provocar dores, impossibilitando-o de trabalhar até 06.05.07, o que lhe acarretou um prejuízo de € 6.785,82, tendo, no entanto, já recebido, a esse título, no âmbito do acidente de trabalho, a quantia de € 4.043,16, deixando-lhe sequelas que lhe determinaram uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 10%, sendo que, segundo alega, trabalhava como motorista, auferindo a remuneração mensal de € 589,90, pelo que, tendo ficado com a sua capacidade futura de ganho reduzida, pede lhe seja arbitrada uma indemnização no montante de € 35.000, ao qual deverá ser deduzido a quantia de € 7.623,71, que, a esse título, recebeu no âmbito do acidente de trabalho, acrescendo que em virtude do embate a roupa que trazia vestida, no valor global de € 105, ficou inutilizada e gastou em honorários médicos a quantia de € 160.

A ré contestou, aceitando as circunstâncias de facto em que ocorreu o acidente e impugnando, parcialmente, a factualidade alegada quanto aos danos, argumentando que o autor, em sede de acidente de trabalho, foi já indemnizado pelos danos patrimoniais que efectivamente sofreu.

Seleccionou-se a factualidade assente e elaborou-se a base instrutória, que não foi objecto de reclamação.

Efectuado o julgamento foi proferida a seguinte decisão: “Pelo exposto, julgo a acção parcialmente e, em consequência, condeno a ré A… Companhia de Seguros SA, a pagar ao autor: - a quantia de € 25.000, a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da presente decisão até integral pagamento; - a quantia de € 2.902,66 (= 2.742,66+160), a título de danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da citação até integral pagamento; - absolvo a ré do demais peticionado pelo autor”.

Inconformada com esta decisão dela apelou a demandada A…, S.A., que, na sua alegação de recurso, concluiu: I - A sentença de que se recorre condena a R. a proceder ao pagamento ao A. da quantia de 25.000€ a titulo de danos morais, sendo 10.000€ a titulo da danos não patrimoniais propriamente ditos e considerando a R. que a avaliação do quantum indemnizatório efectuado pelo Tribunal se mostra equilibrada e adequada, nada tendo, portanto, a alegar quanto a esta matéria.

II - A sentença recorrida considera ainda que “ para além dos danos acima descritos o A. sofreu limitações funcionais no seu corpo – ( …) e que, por via delas, ficou afectado de uma incapacidade permanente geral (IPG) de 10 pontos”, classificando-se o dano biológico sofrido como dano não patrimonial, tanto mais que , no caso concreto, “… a factualidade que ficou demonstrada leva a excluir que a incapacidade permanente geral de 10 pontos de que o A. ficou afectado tenha repercussões funcionais que impliquem uma perda de capacidade de ganho – ainda que meramente previsível” III – Por esta IPG, assim considerada como dano moral, o Tribunal a quo atribui ao A., a título de dano não patrimonial, a quantia de 15.000€.

IV – Sendo o sinistro de que versam os autos simultaneamente de viação e de trabalho, no âmbito do processo em virtude do acidente de trabalho a R. pagou já ao A. o montante correspondente à IPG de que ficou a padecer, obviamente qualificando-se esta como dano patrimonial e não como dano moral.

V - Qualificando este dano como dano moral entende o Meritíssimo juiz a quo que as duas indemnizações, pese embora referentes ao mesmo dano, são cumuláveis.

VI – É com esta decisão que não pode conformar-se a R.: seja com o montante considerado a nível de IPG, que se afigura manifestamente exagerado, seja com a duplicação evidente de indemnizações, uma vez que a R. pagou ao A., a titulo de IPG, a quantia de 7.623,25€. (al. O) da matéria assente).

VII - Considera a R. que a indemnização atribuída ao A. pelos danos morais resultantes da IPG é, seja qual for o ângulo pela qual a mesma seja encarada, manifestamente exagerada.

VIII – Na senda da nova legislação referente ao dano corporal, vg, Portaria 377/2008 de 26/5 alterada pela Portaria 679/2009 de 25/6, e se é certo que se vem entendendo – entendimento que a A. não subscreve nem sufraga, note-se - que os valores de tais portarias não são vinculativos para os Tribunais, estes não deixam de ser um registo referencial dos valores de indemnização que o legislador entendeu actualmente adequados a ressarcir os lesados por acidente de viação, o que não sucedeu no presente caso, em que se faz tábua rasa de tais indicações.

IX – E, pese embora sendo o acidente anterior à entrada em vigor desta legislação, não pode a mesma deixar de ser uma referência para as sentenças e processos que se encontram a correr e que chegam ao seu término já na vigência de tais diplomas legislativos.

X – Ora, a decisão contida na sentença ora recorrida, no que à IPG diz respeito, viola claramente os princípios legislativos vigentes, sejam os contidos no art. 566 nº 2 do CC – à luz do qual a mesma tem que ser entendida – sejam os preceitos que emanam da novel legislação sobre o dano corporal já citada, e que se não pode ser aplicada como legislação, tout court, sempre pode servir de princípio orientador da decisão.

XI – Sendo esta legislação posterior ao acidente e podendo a mesma ser vista como de aplicar, unicamente, em sede extra judicial, também é certo que a mesma corresponde a uma tendência e a um registo referencial, apontando a mesma, no caso concreto, para valores que se situam entre os 707,94 e os € 807,76.

XII - Tendo em vista estas considerações, a sentença recorrida aumenta em mais de 20 vezes (!!!) a quantia que hoje caberia ao lesado em sede de direito civil, se este não tivesse sido indemnizado (que foi…) pelo acidente de trabalho.

XIII - Para proceder à cumulação das duas indemnizações, o Meritíssimo juiz do Tribunal a quo vem considerar que o dano biológico é um dano de natureza NÃO PATRIMONIAL, o que se não aceita, pois o dano biológico tem de ser considerado, como aliás sempre foi, um dano patrimonial, diferente e autónomo dos danos morais.

XIV – Este tem vindo a ser o entendimento maioritário, sendo concretamente entendimento da Relação de Guimarães, de acordo com o acórdão supra citado, e sendo, obviamente, tomando em consideração o sentido da Incapacidade – como potencial afectadora da capacidade de ganho – o entendimento mais curial e que faz mais sentido.

XV – Assim sendo, não pode o A. cumular a indemnização que recebeu do Tribunal de trabalho com aquela que vier a receber em sede civilística, pelo que ao computo que vier a ser encontrado pelo Tribunal ad quem sempre se terá que subtrair o montante recebido a titulo de indemnização pelo...

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