Acórdão nº 137/09.0IDBRG de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelFERNANDO VENTURA
Data da Resolução13 de Junho de 2011
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório [1] Nos presentes autos, com o NUIPC 137/09.0IDBRG, do 3º Juízo Criminal de Braga, por sentença proferida em 21/12/2010, foi o arguido José A... condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelos artºs. 105, nºs 1, 4 e 5 do RGIT e 30º, nº2 do CP, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada à obrigação de o arguido comprovar no processo, nesse prazo, o pagamento ao Estado do montante de €196 606,93 (cento e noventa e seis mil, seiscentos e seis euros e noventa e três centímos). Foi igualmente condenada a arguida Jorge & F..., Unipessoal, Lda, pela prática do mesmo crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelos artºs. 105, nºs 1, 4 e 5 e do RGIT e 30º, nº2 do CP, na pena de 450 (quatrocentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), perfazendo o total de €2 700,00 (dois mil e setecentos euros).

[2] Inconformado, o arguido José A... veio interpor recurso para esta Relação, pedindo a revogação da sentença. Extraiu da motivação as seguintes conclusões: 1. O Recorrente foi condenado pela prática de um crime continuado de abuso de confiança contra Fazenda nacional, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, 2. suspensa na sua execução por igual período de tempo, condicionada ao pagamento das contribuições ao Estado no valor de 196.606,93€, no mesmo prazo.

  1. Da prova produzida em audiência, em especial do depoimento do arguido e da testemunha André V..., resultou provado que nos valores constantes da acusação não foi considerado o abatimento do IVA dedutível, 4. Situação que legal e tributariamente era exigida, 5. E que alteram, em muito, os valores de IVA a pagar pelo arguido ao Estado.

  2. Tais factos importam que tivessem sido dados como não provados os factos constantes dos pontos 6,7,8,9 e 10.

  3. Lançando-se mão do princípio in dubio pra reo, deveria ter-se absolvido o Arguido do crime de que vinha acusado, pelo que fez o Tribunal uma errada interpretação do art° 105° do RGIT.

  4. Sem prescindir, é insustentável a pena aplicada ao Recorrente na sua natureza e dimensão.

  5. Deste logo, porque, embora consciente de que tem sido outro o entendimento do Tribunal Constitucional, o Recorrente sustenta que as normas inscritas nos art°s 14º do RGIT e no art° 11º, n° 7, do RIIFNA que subordinam a suspensão da pena à condição do pagamento da prestação tributária em dívida e acréscimos legais estão feridas de inconstitucionalidade material, por ofensa dos princípios constitucionais da culpa, adequação e proporcionalidade e da proibição da prisão por dívidas, e, portanto, por violação do disposto nos art°s 13°, 18° n°2, e 27° da CRP, e Protocolo nº4 Adicional à CEDH.

  6. Inconstitucionalidade que fica, por isso, alegada.

  7. Não se conforma ainda o Recorrente com o facto de lhe ter sido aplicada uma pena de prisão ainda que suspensa.

  8. Parecendo-lhe razoável que se deveria ter lançado mão da aplicação de uma pena de multa, pois ela será suficiente para realizar de uma forma adequada as finalidades da punição, não afectando, de forma alguma as exigências da prevenção.

  9. Não pode ainda o Recorrente conformar-se com a posição de que o não recebimento do IVA liquidado, não contende com o preenchimento dos elementos típicos deste tipo legal de crime.

  10. De facto, ao alcançar-se o conceito de prestação tributária do RGIT — artigos 114°/3 e 105º/2 — verifica-se que sobre as quantias que não foram recebidas, não há obrigação de as liquidar: “... bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação de liquidar" " ... considera-se prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei o preveja" 15. O recorrente não dispõe dos meios económicos que lhe permitam satisfazer, no prazo cominado de 1 ano e 6 meses, a dívida tributária sub judice, cujo capital totaliza o montante de 196.606,93€.

  11. pois mesmo que disponha da totalidade dos seus réditos mensais – deixando de comer, vestir-se ou pagar o local onde mora – tal não é suficiente para pagar a dívida.

  12. Ora, desta forma, não pode aceitar-se que a suspensão da pena de prisão fique condicionada ao pagamento das contribuições em dívida, 18. uma vez que os elementos de facto apurados e assentes acerca da situação económica e patrimonial do Recorrente, inculcam, sem remissa, que a condição a que ficou subordinada a execução da pena de prisão que lhe foi imposta é de cumprimento impossível.

  13. Trata-se, assim, de uma condição impossível de cumprir e, portanto, duma inevitável prisão por dívidas.

  14. Assim, impunha-se que o Tribunal tivesse optado por uma pena de multa e nunca por uma pena de prisão, ainda que suspensa na sua execução.

  15. Ao decidir de modo diverso, a douta sentença em mérito, ofendeu, entre outros, o normativo que se contém no artº 51º nº2 do CP.

  16. De resto, também pela prova produzida nos autos e independentemente da supra citada questão da condição impossível, sempre o Tribunal poderia e deveria ter optado pela aplicação de uma pena de multa, 23. pois ela será suficiente para realizar de uma forma adequada as finalidades da punição, não afectando, de forma alguma, as exigências de prevenção de futuros crimes, tanto mais que, reforça-se, resultou provado que o Recorrente, não integrou no seu património o imposto devido.

  17. Assim, o douto acórdão em mérito, violou o disposto nos artigos 40º, 70º e 71º do Código Penal.

    NESTES TERMOS, revogando o douto acórdão recorrido, farão V. Exas a habitual JUSTIÇA! [3] O Ministério Público junto do Tribunal a quo, apresentou resposta, que concluiu dizendo: 1) O arguido José A... foi condenado na sentença recorrida, pela prática do crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada, p. e p. no art° 105° n°1, n°4 e n°5 do RGIT, na pena de 18 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período na condição de, durante esse período, pagar a quantia de € 196.606,93 e juros legais, ao Estado.

    2) Pretende o recorrente colocar em crise a medida da pena em que o arguido foi condenado, por entender não terem sido interpretadas correctamente as normas ínsitas nos artigos 40°, 70° e 71° todos do Código Penal.

    3) A Lei Penal, através do disposto nos art°40° 70° e 71°, fornece ao julgador, os critérios de determinação da pena, a qual é alcançada através de um processo que decorre em fases distintas: a) Determinar, por um lado, a moldura abstracta aplicada aos factos dados como provados no processo; b) Encontrar, dentro daquela moldura penal, o " quantum" concreto da pena em que o arguido deve ser condenado.

    4) O Tribunal a quo decidiu aplicar ao arguido uma pena privativa da liberdade, como impõe o art° 105° n°5 do RGIT (prevê a pena de prisão e não a pena de multa), ainda que suspensa na sua execução por entender que só esta realizaria de forma adequada as finalidades da punição e ter ficado provado que cometeu o ilícito, p. e p. no art° 105° n° 1, 4 e 5 do RGIT.

    5) Conforme dispõe o art° 13° do RGIT "na determinação da medida da pena atende-se, sempre que possível, ao prejuízo causado pelo crime" e o montante do IVA não entregue pelo arguido foi muito elevado, sendo grande o prejuízo causado ao Estado, pelo que, no caso em concreto, o Tribunal a quo não podia ter deixado de optar pela aplicação da pena de prisão.

    6) O recorrente refere que o Tribunal devia ter optado por aplicar pena de multa e não pena de prisão ainda que suspensa na execução e que a condição de pagar não devia ter operado, esquece, contudo, que o art° 14° impõe que a suspensão seja condicionada ao pagamento dos montantes em dívida e acréscimos legais.

    7) O recorrente alega que o art° 14° do RGIT está ferido de inconstitucionalidade material, quando é sabido que a jurisprudência do Tribunal Constitucional é unãnime em considerar que a condição de pagamento dos montantes em dívida como requisito legal para a suspensão da execução da pena de prisão, não colide com princípios constitucionalmente consagrados.

    8) Contrariamente à posição assumida pelo recorrente, entende-se que o Tribunal a quo fez uma interpretação correcta do art° 105° do RGIT, pois o arguido cometeu o crime de abuso de confiança fiscal, no momento em que liquidou IVA (tem que pagar independentemente de receber ou não as quantias) e efectivamente recebeu dos seus clientes o montante de €181.317,34 e não entregou à Administração Tributária a quantia de IVA liquidado de €196.606,93, integrando-a no património e afectação funcional da sociedade arguida da qual era gerente.

    9) É ao julgador que cabe emitir o seu juízo em termos livre apreciação da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, sendo que a sentença indica na motivação, quais os pontos concretos e depoimentos que revestem maior credibilidade, em consonância com o princípio da imediação e da oralidade.

    10) Da audição dos depoimentos prestados em audiência, conjugados e correlacionados com os demais elementos de prova em que se alicerçou o tribunal e com as regras da experiência comum, resulta não haver nos autos provas que imponham decisão diversa da recorrida.

    11) O crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada encontra-se preenchido nos seus elementos objectivos e subjectivos, tendo o arguido/ recorrente incorrido em autoria material na prática do referido ilícito e a decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada quanto aos factos dados como provados e que conduziram à condenação do arguido.

    12) Assim, não foi violado qualquer preceito legal, desde logo o art° 105° do RGIT e artigos 40°, art° 70° e 71° do Código Penal.

    13) Pelo que a sentença recorrida não nos merece qualquer reparo.

    Termina pela improcedência do recurso.

    [4] Nesta Relação, o Ministério Público, através do Sr Procurador-Geral adjunto, sufraga a mesma posição, para a qual remete.

    [5] Cumprido o disposto no artº...

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