Acórdão nº 1364/10.TBBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelHELENA MELO
Data da Resolução16 de Junho de 2011
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os juízes que integram a 1ª secção Cível deste Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório R. veio intentar acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Nacional de Pensões, com sede na Avenida João Crisóstomo, nº 67, em Lisboa.

Alegou, em síntese, que é divorciada e durante mais de 15 anos viveu ininterruptamente com M., igualmente divorciado, como se marido e mulher fossem, até à data da morte deste, ocorrida em Setembro de 2009. A A. e o falecido M. sempre fizeram face às despesas correntes de subsistência do seu agregado familiar.

Tem vindo a sofrer de problemas de saúde do foro neurológico e psiquiátrico, tendo-lhe sido diagnosticado princípio de amnésia há cerca de um ano e sete meses, encontrando-se desde então com baixa médica.

Exercia funções de assistente técnica ao serviço e no interesse do Instituto de Segurança Social e em virtude das constantes faltas por doença a sua retribuição mensal foi substancialmente reduzida, tendendo a sua incapacidade para o trabalho a ser definitiva.

Actualmente a sua retribuição mensal ascende ao valor líquido de euros 879,39, paga 360,00 de renda, água no montante de 30,00 euros mês e electricidade no montante de 65,00 euros/mês.

Atravessa grandes dificuldades financeiras, dependendo neste momento da caridade e auxílio de vizinhos e amigos que lhe vão emprestando dinheiro para que possa fazer face às despesas com a sua subsistência.

A sua mãe, o seu irmão e as suas duas filhas não têm possibilidades económicas para lhe prestarem alimentos. Pede, consequentemente, que o R. seja condenado a reconhecer o seu direito a beneficiar das prestações por morte concedidas pelo regime da segurança social ao membro sobrevivo da união de facto.

O R. deduziu contestação, em que, por desconhecimento, impugna os factos relativos à carência de alimentos.

Procedeu-se a julgamento, tendo a final sido proferida sentença que julgou improcedente a acção, tendo absolvido o R. do pedido.

A A. não se conformou, tendo interposto o presente recurso de apelação, no qual formulou as seguintes conclusões: 1. O Mmo. Julgador a quo fez uma incorrecta aplicação dos arts. 3.º, al. e) e art. 6.º, todos, da Lei 7/2001 de 11/05 e art. 2020.º do CC.

  1. O direito às prestações da segurança social assume uma natureza diversa do direito a alimentos, sendo autónomo e independente deste.

    Isto significa que ao companheiro sobrevivo assiste simultaneamente o direito a alimentos, nos termos do art.2020º do CC e o direito às prestações da segurança social.

  2. A letra da lei do art. 6.º n.º1 da Lei nº7/2001, ao remeter para o art. 2020.º do CC não impõe expressamente tal requisito, sendo certo que também este preceito não se refere à necessidade do alimentando, nem às possibilidades do alimentante, pois estas condições decorrem do princípio geral contido no art.2004º do CC.

  3. A previsão da norma constante do art. 2020º nº1 do CC na referência que lhe é feita pelo art.6º nº1 da Lei nº7/2001 deve ser interpretada restritivamente, reportando-se apenas e tão só aos requisitos da união de facto.

  4. A não se entender assim, então a norma em referência, interpretada no sentido da exigência da comprovação da necessidade de alimentos, seria materialmente inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, tal como resulta das disposições conjugadas dos arts.2º, 18 nº2, 36 nº1 e 63 nº1 e 3 da CRP, como se decidiu, em caso similar à dos presentes autos, no Acórdão nº88/04 do Tribunal Constitucional de 10/2/2004.

    Sem prescindir, 6. Atenta a factualidade dada como provada, andou mal o Tribunal a quo ao julgar que “não se pode considerar que a autora tem necessidade de alimentos”.

  5. A Recorrente padece de doença crónica que a impossibilita de exercer a sua actividade profissional, sendo parecer médico que, tal doença, é causa de incapacidade definitiva para o trabalho, conforme atesta o documento n.º 4 junto com a PI.

  6. A indicada doença afecta parte substancial do rendimento da Recorrente para o seu tratamento, despendido quer em consultas médicas, quer em tratamentos e medicamentos. Resulta, pois, claro das normais regras da experiência que o rendimento auferido pela Recorrente não é suficiente para fazer face aos seus encargos mensais e, sobretudo, não é de todo suficiente para arcar com as suas despesas e despesas médicas e medicamentosas que a mesma se vê obrigada a suportar.

  7. A douta sentença sob recurso ao julgar que os rendimentos pela Recorrente auferidos são susceptíveis de lhe proporcionarem os meios necessários a custear o sustento diário, desconsiderou o facto de aquela ter sob a sua dependência um neto, menor.

  8. Ainda que, a douta sentença a quo considerasse suficiente o rendimento da Recorrente para fazer face às suas necessidades básicas, deveria, em todo o caso considerar que é com aquele rendimento que o neto menor da Recorrente se educa, alimente e veste e, consequentemente, concluir pela necessidade de alimentos da Recorrente.

  9. No presente caso estão preenchidos todos os requisitos para que a Autora veja reconhecido o seu direito a beneficiar das prestações por morte concedidas pelo regime de segurança social, nos termos do artigo 8º do DL. n.º 322/90, de 18 de Outubro, do Decreto-Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro e da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio.

  10. A douta decisão impugnada não pode manter-se, pois preteriu as considerações supra citadas.

    O R. apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido em 1ª instância.

    Objecto do recurso: . o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; . nos recursos apreciam-se questões e não razões; e, . os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questões a decidir são as seguintes: . se, as alterações introduzidas ao nº 1 do artº 6º da Lei n.º 7/2001, de 11/05, pelo artº 1º da L 23/2010, de 30.08, são aplicáveis à situação dos autos; . a não se entender assim, se a norma do artº 2020º nº 1 do CC na referência que lhe é feita pelo nº 1 do artº 6º da L 7/2001 na redacção anterior à conferida pela L 23/2010, deve ser interpretada restritivamente, reportando-se apenas e tão só aos requisitos da união de facto; . caso assim não se considere, se a norma em referência, interpretada no sentido da exigência da comprovação de alimentos e da impossibilidade das pessoas enumeradas nas alíneas a) a d) do nº 1 do artº 2009º do CC os prestarem, é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, tal como resulta das disposições conjugadas dos artºs 2º, nº 2 do artº 18º, nº 1 do artº 36º e nºs 1 e 3 do artº 63º da CRP; . e, em caso negativo, se está demonstrada a necessidade de alimentos por parte da A. e a impossibilidade de os mesmos serem prestados pelas pessoas enumeradas nas alíneas a) a d) do nº 1 do artº 2009º do CC.

    II – Fundamentação II-A – Os factos Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos: 1. M. faleceu em Setembro de 2009, com 60 anos de idade e no estado civil de divorciado de M.F., sendo beneficiário do Instituto de Solidariedade e Segurança Social – al. A dos Factos Assentes (FA).

  11. A autora nasceu em 20 de Dezembro de 1953, é filha de J. e de G., encontrando-se divorciada desde 1985 – al. B dos FA.

  12. G. faleceu a 28.12.2010 - respostas aos factos 13º e 14º da Base Instrutória (BI).

  13. A autora é assistente técnica ao serviço do Instituto de Segurança Social, IP, sendo actualmente a sua retribuição mensal líquida de €879,39 e, para além de tal montante, não aufere qualquer outro rendimento – al. C dos FA e resposta ao facto 8º da BI.

  14. A autora tem duas filhas, M.J., nascida em 9 de Agosto de 1977 e solteira, e C., nascida em 14 de Junho de 1983 e solteira – al. D dos FA.

  15. M.J. tem um filho nascido em 19 de Setembro de 1998 – al. E dos FA.

  16. M.M., nascido em 2 de Fevereiro de 1962, é irmão da autora, encontra-se casado e tem dois filhos, um nascido em 18 de Janeiro de 1991 e outro em 23 de Agosto de 1995 – al. F dos FA.

  17. Desde 1995, a autora e M. passaram a viver na mesma casa, comendo à mesma mesa, dormindo na mesma cama, partilhavam os seus rendimentos e despesas, tratavam conjuntamente da lide da casa e nela recebiam os amigos comuns, o que ocorreu desde a referida data e ininterruptamente até à morte de M. – respostas aos factos 1º a 3º da BI.

  18. Em 2009, foi diagnosticado à autora deficit amnésico progressivo a interferir cada vez mais na sua vida diária, sofrendo uma desordem depressiva ansiosa profunda, que tem vindo a agravar-se com o decorrer do tempo – respostas aos factos 4º e 6º da BI.

  19. A autora paga a quantia mensal de €360, a título de renda da habitação, sendo do remanescente do seu salário que paga as despesas com medicamentos e tratamentos médicos, alimentação, vestuário, água e electricidade – respostas aos factos 9º, 10º e 11º da BI.

  20. M. não possuía, na data da sua morte, quaisquer bens móveis ou imóveis – resposta ao facto 12º da BI.

  21. M.J., filha da autora, emigrou para França, tendo o seu filho menor ficado a viver com a autora – respostas aos factos 15º, 16º e 17º da BI.

  22. ...

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