Acórdão nº 20/09.0TBAVV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Janeiro de 2011

Magistrado ResponsávelMANUEL BARGADO
Data da Resolução06 de Janeiro de 2011
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I - RELATÓRIO E intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, para efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, contra Z – Companhia de Seguros, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe as quantias de: a) € 60.000,00 a título de danos não patrimoniais; b) € 163.720,00 a título de danos patrimoniais; c) juros à taxa legal desde a data do acidente até integral pagamento.

Para tanto, alegou, em resumo, que no dia 8 de Julho de 2008, na estrada nacional 303, km 26,5, Senharei, concelho de Arcos de Valdevez, quando conduzia pela rédea um animal de raça bovina, entre o rail e a linha de cor branca que delimita a estrada, no sentido poente/nascente, foi atropelado pelo veículo de matrícula XP..., conduzido por A, que circulava no sentido oposto ao do Autor (nascente/poente), a qual ficou encadeada pelo sol que se fazia sentir e efectuava uma condução imprudente e desatenta. O acidente, que ficou a dever-se a culpa exclusiva daquela condutora, causou lesões corporais ao Autor, que lhe provocaram prejuízos por incapacidade para o trabalho, bem como dores e sofrimentos vários.

A Ré contestou impugnando a factualidade relativa ao acidente, contrapondo que a culpa na produção do mesmo se ficou a dever exclusivamente ao Autor, que seguia negligente e desatento ao trânsito, nada tendo feito para evitar o embate, e considerou exagerados os danos por aquele peticionados.

Houve réplica, opondo-se o Autor à procedência do que entendeu serem as excepções invocadas pela Ré e concluindo como na petição inicial.

Dispensada a audiência preliminar, elaborou-se despacho saneador tabelar, com subsequente enunciação da matéria de facto tida por assente e organização da pertinente base instrutória, sem reclamação.

O autor ampliou o pedido para € 224.664,47, o que foi admitido.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, sendo a matéria de facto controvertida decidida pela forma constante do despacho de fls. 150 a 152.

Por fim, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 30.894,47 (trinta mil oitocentos e noventa e quatro euros e quarenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal aplicável às obrigações civis, desde a citação sobre € 8.394,47 e desde a presente data sobre o restante, tudo até integral pagamento.

Inconformadas com o decidido, recorreram ambas as partes para esta Relação, encerrando os recursos de apelação interpostos com as seguintes conclusões (no caso da Ré com novas conclusões na sequência do convite que lhe foi feito para sintetizar as mesmas): No recurso interposto pela Ré Seguradora: 1) O Tribunal a quo concluiu que a culpa do acidente se deveu exclusivamente à condutora do XP 2) Condenou a Recorrente no pagamento de 30.894,47 € Deu-se como provado que: 3) O acidente ocorreu na E.N. 303, num local onde a estrada se desenvolve em curva.

4) A condutora do XP imediatamente antes do acidente ficou encandeada pelo sol.

5) Devido a falta de visão embateu no Autor.

6) No momento em que eclodiu o acidente o Autor estava na hemi-faixa de rodagem destinada a circulação do XP.

7) A condutora do XP por causa do encandeamento solar não se apercebeu do Autor na faixa de rodagem; 8) Na altura do acidente a condutora do XP circulava a velocidade inferior a 50 km/h.

9) Ficou provado que a condutora do XP, no momento do acidente não estava a infringir nenhuma regra estradal.

9) Ficou provado que o Autor circulava pela hemi-faixa de rodagem destinada a circulação do XP 10) O Autor não conseguiu provar que tivesse necessidade de circular pela hemi-faixa de rodagem destinada a circulação do XP.

11) No local, e por onde circulava o Autor, existia uma berma com cerca de 85 cms de largura (ver croquis da GNR junto aos autos) separada da hemi-faixa de rodagem.

12) O Autor não conseguiu provar, como lhe competia (art. 342º e 487 nº 1 ambos do Cód. Civil), que mau grado circular acompanhado por uma vaca, o não podia fazer dentro da berma a esse efeito destinado.

13) O Autor não conseguiu elidir a presunção de culpa que sobre ele impendia, por violação objectiva do estatuído nos artºs 99 e 100 do Cód. da Estrada.

14) A douta sentença fez uma interpretação errada da matéria de facto, e violadora da Lei, porque atribui a culpa do acidente ao facto de a condutora ter ficado encandeada pelo sol e não analisou como lhe competia o comportamento objectivamente culposo do Autor.

15) Violou de forma flagrante o disposto no artº 483, 487 nº 1 e 2 do Cód. Civil.

16) Não se provou, ao contrário do que concluiu a douta sentença, nexo de causalidade entre o encandeamento pelo sol da condutora do XP e o acidente, porque para tal é necessário provar a existência de um facto ilícito por parte desta (ver neste sentido o Ac. do STJ de 10.3.98, BMJ 475-635).

17) Não era previsível nem exigível ao condutor normal que previsse que ia ser encandeado pelo sol e ainda que na sua hemi-faixa de rodagem circulasse um peão, que de todo não teve hipóteses de ver antes de entrar em curva.

18) O raciocínio desenvolvido na douta sentença é meramente teórico e hipotético sem o mínimo de correspondência com os factos apurados em julgamento.

19) O disposto no artº 24 nº1 do Cód. da Estrada, ao contrário do que se diz na douta sentença, e como ensinam a doutrina e as Instancias é entendido no sentido de não se verificarem condições anormais ou factos imprevisíveis que alterem a normal previsibilidade das coisas (ver por todos o Ac. do STJ de 8.2.79).

20) Resulta do exposto, e sempre salvo o devido respeito, que nenhuma culpa pode ser assacada, luz dos princípios legais, na ocorrência do acidente.

21) Razão porque a Ré deve ser absolvida.

22) Além disso, e sem prescindir, a douta sentença atribui valores indemnizatórios que não se louvam minimamente em critérios justiça e equidade.

23) O Autor sofreu uma desvalorização de 19% e tem necessidade de se socorrer de uma bengala /canadiana (ver relatório médico legal junto aos autos).

24) Não refere o dito exame que o Autor necessite de uma terceira pessoa para o ajudar nas suas tarefas diárias.

25) As únicas pessoas que referiram essa circunstância foram as filhas do Autor, ouvidas em julgamento e com um interesse directo no valor da indemnização, que atendendo a idade do Autor as iria directamente beneficiar.

26) De modo que nunca o seu depoimento poderia por em crise o relatório médico-legal e o seu depoimento tem que ser entendido como parcial e não isento.

27) A verba atribuída de 6.000 euros a esse título não tem justificação factual nem legal.

28) Por outro lado a verba de 22.500 euros atribuída a título de danos morais, também não se louva nos critérios de equidade, grau de culpabilidade do agente, idade do lesado, sua situação económica, a gravidade do dano, bom senso e justa medida das coisas.

29) Sem esquecer que o Autor tinha à data do acidente 76 anos de idade.

30) Entende-se pelas razões expostas que nunca a indemnização a este título poderia ultrapassar os 7.500 €.

31) Do exposto resulta que a douta sentença, sempre salvo o devido respeito, violou o disposto no artº 342 (inverteu o ónus da prova), 483 e 487 nº 1 e 2 (não respeitou a regra da prova da culpa), 494 e 496 (não respeitou os princípios aí consagrados para cálculo dos danos não patrimoniais) e artº 566 nº 3 todos do Cód. Civil.

32) A douta sentença não aplicou, como lhe competia, o disposto no artº 97 nº1 (condução de animais), 99 (locais por onde devem circular os peões) ambos do Cód. Da Estrada) 33) Fez uma aplicação errada do contido nos artºs 27 nº1, 25 al f) (a condutora não ia com excesso de velocidade) do Cód. da Est..

34) E ainda o disposto no artº 668 nº 1 al. c) pois da matéria dada como provada não se pode extrair a decisão agora posta em crise.

No recurso interposto pelo Autor: 1. O presente recurso resulta da circunstância de o Autor não se conformar com a douta sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca dos Arcos de Valdevez, na parte em que computa em 8.394,47€ a indemnização por danos patrimoniais a pagar pela Ré ao autor.

  1. Em concreto, o autor não pode aceitar a não atendibilidade dos danos patrimoniais futuros, decorrente da lesão na sua capacidade geral de trabalho e de ganho.

  2. Danos patrimoniais futuros que, nos termos da Lei, e nomeadamente da recente Portaria 377/2008, de 26 de Maio, são indemnizáveis ao lesado nas situações de incapacidade permanente absoluta, ou de incapacidade para a profissão habitual.

  3. É entendimento do autor que no caso vertente se deveria ter feito uso da equidade (artigo 566.º, n.º 3, Código Civil), para calcular o montante das perdas da exploração dos prédios agrícolas e do produto das vendas de crias do gado nos 10 anos subsequentes ao acidente.

  4. Para situações especiais, como a presente, em que existe um prolongamento da vida activa para além do limite médio de duração da vida activa, existe um instrumento legal disponível, que faz a quantificação do tempo provável de vida restante – a Portaria n.º 11/2000, de 13 de Janeiro (DR nº 10/2000, Série I-B), em vigor a partir de 01.01.2000.

  5. Tal instrumento legal deve ser aplicado ao caso concreto, tendo por base um valor de rendimento anual perdido calculado segundo juízos de equidade.

    O Autor apresentou ainda contra-alegação, pugnando pela improcedência do recurso apresentado pela Ré.

    Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

    II - ÂMBITO DO RECURSO Sendo o objecto dos recursos definido pelas conclusões dos recorrentes (arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do CPC), a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões, tendo em consideração a sua precedência lógica: - nulidade da sentença; - determinação da culpa no desencadear do acidente; - valorização dos danos patrimoniais e não patrimoniais.

    III - FUNDAMENTAÇÃO A) - OS FACTOS Na 1ª instância consideraram-se provados os seguintes factos: 1. No dia 8 de...

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