Acórdão nº 2330/22.1T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelJOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Data da Resolução19 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte: I- RELATÓRIO AA, residente no Bairro ..., ... ..., na qualidade de administrador de sociedade civil constituída com o seu sócio (entretanto falecido) BB, instaurou procedimento cautelar não especificado para defesa da posse, contra H..., Unipessoal, Ld.ª, com sede no Largo ..., ... ..., pedindo que, mediante dispensa do contraditório da requerida, se decrete a restituição do estabelecimento comercial objeto do contrato de cessão de exploração.

Mais requereu que, nos termos do n.º 1, do artigo 369.º, do CPC, seja dispensado da propositura da ação principal.

Para tanto alegou, em síntese, ter celebrado com o falecido BB um contrato tendo em vista o exercício de uma atividade comum e a repartição dos lucros que dela resultassem.

No âmbito desse acordo celebraram com a requerida, a 29 de julho de 2021, um contrato mediante o qual esta lhes cedeu, pelo período de 5 anos, com início a 1 de novembro de 2021, a exploração de um estabelecimento comercial denominado “B... e W...”, sito na Rua ..., ..., ..., mediante a obrigação daqueles de lhe pagar uma prestação mensal de €1.100,00, acrescida de IVA nos primeiros 12 meses de execução do contrato e de €1.300,00 nos meses seguintes.

Com o falecimento do sócio BB, a .../.../2022, o Requerente e os herdeiros deste decidiram encerrar temporariamente o estabelecimento, o qual se mantém, desde então, encerrado, pelo facto de ainda não terem chegado a um acordo, tendo deixado de ser pagas as “rendas” à Requerida.

Contudo, o Requerente e os herdeiros do falecido BB não denunciaram ou de qualquer outra forma puseram termo ao contrato, nem nunca a Requerida tomou qualquer tipo de atitude junto do Requerente tendente a colocar termo àquele.

Em data que não sabe precisar, mas que situa em meados de setembro de 2022, as fechaduras do estabelecimento foram substituídas, ficando o Requerente impossibilitado de aceder àquele, estando então convencido que a autoria desse ato era dos pais do falecido BB, dado o diferendo existente entre estes e o Requerente.

No final de outubro de 2022, o Requerente tomou conhecimento que o representante da Requerida, CC, tinha arrendado/cedido o estabelecimento em causa a DD e encetou imediatamente contactos com aquela para apurar o que se passava.

Depois de várias tentativas falhadas, enviou-lhe uma carta dando-lhe nota que não poderia ceder/arrendar ou celebrar qualquer outro tipo de negócio jurídico relativamente ao estabelecimento, bem como à fração onde o mesmo se encontra instalado.

Em 03 de novembro de 2022, o Requerente tomou conhecimento que estavam a decorrer obras no estabelecimento.

Nesse mesmo dia, pelas 16:15 horas, o Requerente deslocou-se ao local, na presença de mandatário e de duas testemunhas, para proceder ao embargo extrajudicial de obra nova, mas deparou-se com as portas encerradas.

Contudo, observou que se encontravam a decorrer obras no interior do estabelecimento e os bens que o integram, como mesas e cadeiras, aparentavam já não se encontrarem no local.

As obras que estão a decorrer estão a ser realizadas pela Requerida, ou por alguém com o seu conhecimento e autorização, que se julga ser DD, o qual constituiu em 03 de novembro de 2022, a sociedade L..., que tem sede na morada do estabelecimento em causa.

Ao contrário do que pensava o Requerente, terá sido a Requerida que procedeu à substituição das fechaduras do estabelecimento e terá dado as chaves a um terceiro, que procede à execução de obras.

Em 07 de novembro de 2022, o Requerente instaurou procedimento cautelar de embargo de obra nova, que corre termos pelo Juízo Local Cível ..., Juiz ..., processo n.º 2300/22.....

Por despacho de 9 de novembro de 2022, não foi dispensada a audição dos aí requeridos, sendo provável que o efeito útil dessa providência não se venha a verificar, conquanto as obras hão-de estar a chegar ao seu termo.

Em 8 de novembro de 2022 o Requerente enviou uma carta a DD e à L..., Lda., dando-lhes nota que o estabelecimento é propriedade do Requerente e que não podem levar a cabo quaisquer obras no mesmo.

Em 9 de novembro de 2022, tendo a companheira do Requerente verificado que estavam pessoas no interior do estabelecimento, chamou a PSP ao local, que procedeu à identificação dos presentes.

De acordo com a informação prestada aos senhores agentes, a pessoa que leva a cabo as obras alegou ter celebrado com a Requerida um contrato de arrendamento a 1 de novembro de 2022, com início de vigência a 1 de dezembro de 2022.

Apesar de todas as diligências nesse sentido, a Requerida não procede à entrega do estabelecimento ao Requerente e continua com a execução das obras e a impedir, bem como os terceiros a quem terá arrendado/cedido o estabelecimento, que este aceda ao seu estabelecimento e que faça uso do mesmo.

Segundo o Requerente conseguiu apurar, DD e a empresa da qual é sócio preparam-se para abrir um novo estabelecimento comercial (restaurante), denominado “...”, na fração onde se encontra instalado o estabelecimento comercial (e do qual faz parte), no dia 1 de dezembro de 2022.

De modo que o recurso ao presente procedimento é a única forma de colocar cobro ao esbulho perpetrado pelo Requerido e de o Requerente conseguir que lhe seja restituída a posse do estabelecimento.

Por despacho proferido a 11 de novembro de 2022, a 1ª Instância julgou procedente a exceção dilatória da litispendência e, em consequência, indeferiu liminarmente o requerimento inicial, constando esse despacho do seguinte teor: “AA intentou contra H..., Unipessoal, Ld.ª dois procedimentos cautelares, designadamente a presente ação e o P.º n.º 2300/22.... – este pendente do Juízo Local Cível ... – Juiz ....

É o próprio requerente que, no articulado oferecido, refere: “23º Considerando que o Requerente não conseguiu, nem consegue, entrar no estabelecimento, desconhece-se quais as concretas obras que foram feitas e qual a sua extensão.

  1. Contudo, pelo que se conseguiu ver da porta, é notório que as mesmas ainda não acabaram.

  2. Motivo pelo qual o Requerente deu entrada, a 7 de novembro de 2022, de procedimento cautelar de embargo de obra nova, que veio a ser distribuído pelo Juízo Local Cível ..., Juiz ..., processo n.º 2300/22.....

  3. Contudo, considerando que por douto despacho prolatado a 9 de novembro de 2022, não foi dispensada a audição dos requeridos, é provável que o seu efeito útil não se venha a verificar, conquanto as obras hão de estar a chegar ao seu termo.” Desde logo se refira que o modo de pleitear do requerente é, dizendo pouco, temerário, ficando a interrogação se intentará tantos procedimentos cautelares quantos não merecerem despachos que não satisfaçam as suas pretensões – ao invés de reagir aos mesmos nos termos facultados pelo processo civil.

Compulsados eletronicamente ambos os autos – já que pendentes no mesmo Juízo Local Cível, constata-se que a presente ação foi intentada em 10.11.2022 e a que se encontra pendente no Juiz ... em 08.11.2022, tendo aquela merecido despacho a ordenar a citação prévia dos requeridos – a ora requerente e ainda mais duas partes: a sociedade comercial L..., Lda. e DD.

Dispõe o art.º 580.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Conceitos de litispendência e caso julgado” que: “1 - As excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à exceção do caso julgado.

2 - Tanto a exceção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.” Por seu turno, preceitua o art.º 581.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Requisitos da litispendência e do caso julgado” que: “1 - Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.

3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.

4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.” Por último, dispõe o art.º 582.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Em que ação deve ser deduzida a litispendência”: “1 - A litispendência deve ser deduzida na ação proposta em segundo lugar.

2 - Considera-se proposta em segundo lugar a ação para a qual o réu foi citado posteriormente.” À luz dos normativos citados não pode deixar de se concluir, por um lado, que, efetivamente, existe identidade em ambas as ações: - de sujeitos – relativamente à ora requerida, que figura nessa qualidade em ambos os procedimentos, - de pedido – numa e noutra causa pretende o requerente, de forma urgente, obter decisão judicial que impeça a progressão das obras alegadamente em curso no imóvel/estabelecimento cuja exploração invoca ser cessionário, - de causa de pedir – incumprimento do contrato de cessação de exploração do estabelecimento comercial identificado nos autos no qual figura como cessionário.

Com efeito, apesar de ter lançado mão do expediente de, em cada uma das ações intentadas, peticionar o decretamento de uma providência diferente (aqui a restituição da posse, ali o embargo de obra nova) – pedido ao qual, de resto, o Tribunal não se encontra vinculado, cfr art.ºs 376.º n.º 3 e 37.º n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil –, na verdade em ambas o requerente invoca o mesmo recorte de realidade e a finalidade dos procedimentos é a mesma.

Pelo que...

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