Acórdão nº 3335/21.5T8GMR-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelSANDRA MELO
Data da Resolução19 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Autora e Recorrida: -- A... LDª Réus e Recorrentes: -- AA e BB Apelação (em ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum) I- Relatório A Autora pediu a condenação dos Réus no pagamento, a seu favor, da quantia de 15.295,00€, acrescida de juros moratórios vencidos desde 18.06.2018, até efetivo e integral pagamento. Alegou, para tanto e em síntese, que acordou com os Réus que executaria determinados trabalhos, tendo realizado parte destes e ainda outros trabalhos não englobados no acordo previamente gizado entre as partes, a pedido dos Réus. Os Réus denunciaram verbalmente o contrato celebrado entre as partes, ordenando-lhe que removesse do local da obra as máquinas e o material que ali se encontravam, o que a Autora satisfez. Defende que tem direito ao pagamento da quantia de 4.836,75€, correspondente a 30% do valor da obra que faltava executar, valor esse correspondente à sua margem de lucro.

Os Réus contestaram, afirmando que não celebraram contrato com a Autora, mas com CC, e este não só não concluiu os trabalhos como executou alguns deles com defeito e abandonou a obra, deixando o espaço em grande sujidade.

Após audiência final, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente por parcialmente provada e, condenou os Réus no pagamento à Autora da quantia 9.219,60 € (nove mil, duzentos e dezanove euros e sessenta cêntimos), acrescida de juros moratórios contados à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento, absolvendo-os do mais peticionado.

É desta decisão que os Réus apelam, com as seguintes conclusões: “I. Os Recorrentes discordam da douta decisão proferida pelo tribunal a quo, que julgou parcialmente procedente a ação intentada pela sociedade unipessoal A..., LDA. II. A Meritíssima Juiz a quo entendeu que à A. assiste o ressarcimento da quantia de €6.123,50, acrescida de um valor indemnizatório devido pelos serviços contratados e não realizados, contabilizado em €3.096,10. III. No modesto entendimento dos Recorrentes, e com valor crucial nos presentes autos, devem ser havidos como assentes determinados factos, extraídos dos depoimentos em audiência de julgamento e, bem assim, dos demais documentos juntos aos autos.

IV. Destarte, deve ser dada como provada a factualidade que segue: a) desconhecimento, por parte dos RR., da identidade da A. ou de qualquer elemento a si inerente; b) serviços de carpintaria solicitados e acordados com CC, carpinteiro de profissão; c) acordo protagonizado pelos RR. e CC (empreiteiro) e sua esposa (DD) para a troca de serviços de carpintaria e arquitetura; d) Intimação contínua e insistente dos RR. para com o empreiteiro CC para o cumprimento do prazo previamente acordado, contrariamente ao facto dado como não provado na al. f); e) Interpelação admonitória dos RR. para o cumprimento da obrigação cabida ao empreiteiro; f) exigência do empreiteiro CC aos RR. para o pagamento da quantia de €5.000,00 em vista da retoma dos trabalhos em obra, após ausência prolongada.

V. À data das primeiras conversações para a realização da troca de serviços de carpintaria e arquitetura, entre as pessoas intervenientes, em meados de março de 2017, a A..., LDA., ainda não existia, havendo sido criada, somente, em 10.05.2017.

VI. Resultou dos depoimentos prestados, inclusive, de CC, que todos os assuntos de carpintaria eram granjeados pelo mesmo. VII. Apenas a testemunha EE, irmão de CC, demonstrou, timidamente, conhecer a empresa dos autos. VIII. Os Recorrentes ignoravam a existência da Autora – apenas constituída já em sede de trabalhos a decorrer - não contratou com esta, logo a Autora é parte ilegítima na lide; VIII. A resolução do contrato, operada em 14.06.2018, é dirigida a CC, enviada para o e-mail que pertence à sócio-gerente da empresa, como era costume. IX. Não é de aceitar-se a comunicação operada pelos RR. como inserta no instituto previsto no artigo 1229º do CC, porquanto a A. desapareceu da obra durante várias semanas consecutivas, e por diversas vezes, com interrupção total dos trabalhos, logrando ainda exigir dinheiro dos RR., depois de um período de ausência de cerca de quatro meses, o que não se concebe. X. Considerando o porte de lisura e integridade que deve imperar em qualquer negócio, não se pode legitimar as ausências e o desrespeito perpetrados durante o longo hiato temporal decorrido, sendo de embutir a conduta no conceito de “abandono da obra” e, consequentemente, o incumprimento do contrato por banda da pretensa A. X. A R. mulher solicitou ao carpinteiro que fosse atribuído um prazo máximo, e breve, dentro do qual a obra deveria estar concluída, interpelando-o profusas vezes, incluindo na data de 04 de maio de 2018, concedendo-lhe “o fim de semana” e “até segunda dia 07 de maio”, para uma resposta concreta.

XI.. Resulta evidente que os RR. interpelaram admonitoriamente a alegada A., incentivando-a ao cumprimento, sob pena de não se ver cumprida a sua prestação. A eficácia da interpelação admonitória não está sujeita a qualquer forma legal.

XII. Nos termos da norma ínsita no artigo 808º, nº 1, 2ª parte do CC, “se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.” XIII. A troca de serviços entre as partes era perfeitamente benéfica para ambas, beneficiando todos os intervenientes, motivo pelo qual os RR. conservavam todo o interesse na execução do contrato, mantendo-se cordiais, condescendentes e flexíveis, pese embora os vários expedientes dilatórios utilizados pela A. XIV. Deve ser admitida a resolução do contrato com justa causa, uma vez que a atuação da Recorrida se insere num quadro de comportamentos contínuos e insistentes que sempre tornaram improvável a realização do contrato num prazo razoável, ou no decurso de uma interpelação admonitória que, do mesmo modo, não logrou produzir um efeito duradouro.

XV. A pretensa Autora incumpriu de modo grave e irreversível os seus deveres para com os RR., designadamente os diversos prazos acordados, atentas as fartas comunicações juntas aos autos, pelo que não lhes restou outra solução senão o término do contrato. XVI. A alegada A. – que se não reconhece - incorreu em incumprimento flagrante, repetitivo e generalizado, que forçou os RR. a terminar, por fim, a execução do acordo celebrado. XVII. Nos termos da norma ínsita no artigo 428º, nº1 do CC, o dono de obra pode recusar-se ao pagamento da obra enquanto esta não se achar concluída. XVIII. Contudo, ressalva-se dos depoimentos ouvidos dos RR. e do próprio CC, que este exigiu o pagamento da quantia de €5.000,00 para a continuação dos trabalhos, embora os RR. houvessem já adiantado a quantia de €7.500,00 e não obstante o desaparecimento/ausência prolongada do carpinteiro da obra. XIX. Segundo aresto do STJ de 17.11.2015, “Em face do comportamento sistematicamente dilatório da ré e das circunstâncias concomitantes do mesmo, em comparação com a tolerância e correção manifestadas pela autora com os atrasos da ré, entendemos que estamos perante um caso em que é de admitir a resolução do contrato por justa causa, por quebra de confiança, independentemente de interpelação admonitória. (sublinhado nosso).

XX. A Autora violou o princípio da boa fé, nos termos do nº 2 do artigo 762º do Código Civil. XXI. Os RR. perderam toda a confiança depositada no prestador do trabalho de carpintaria.

XXII. Deve ser declarado o incumprimento definitivo do contrato pela alegada A., e a sequente resolução com justa causa por parte dos RR. XXIII. A 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães julgou parcialmente procedente o recurso de apelação do pedido reconvencional, na parte que tem como causa de pedir o contrato de empreitada e reconvinda a A.

XXIV. Devem ser apreciados todos os pedidos formulados em Reconvenção, à exceção do valor dos honorários dos serviços de arquitetura prestados, estando os restantes interligados ao contrato de empreitada e à A./Reconvinda.

XXV. Os pedidos formulados em reconvenção nos presentes autos são independentes dos pedidos da A., conectados pelo mesmo facto jurídico, que é o contrato de empreitada.

XXVI. Havendo sido admitida a Reconvenção na parte conexa ao contrato de empreitada e à A./reconvinda, devem os Recorrentes ser ressarcidos dos prejuízos ocasionados pelo incumprimento do contrato imputável à Recorrida”.

II- Objeto do recurso O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).

Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

As questões devem ser conhecidas por ordem lógica, começando-se pelas que determinem a decisão a dar às demais.

São questões a conhecer neste acórdão: 1—apreciar a impugnação da matéria de facto; 2. —verificar se se pode considerar que ocorreu a resolução do contrato com justa causa (e suas consequências nos pedidos apresentados pelos Autores) III - Fundamentação de Facto A sentença vem com a seguinte matéria de facto provada: a) Em data não concretamente apurada mas posterior a Agosto de 2017 A. e RR. acordaram que a primeira prestaria aos segundos, na Rua ..., ..., Guimarães, os trabalhos de carpintaria melhor descritos nos pontos 1 a 7, 9 a 13, 15 a 17, 21 a 26, 30, 31, 33 a 43, 45 a 48, e 51 a 53 do doc. n.º ... junto com a petição inicial, a fls. 8v a 12, cujo teor aqui se dá por reproduzido, pelo preço de €26.791,50; b) Dos trabalhos enunciados em a), a A. executou aqueles descritos nos pontos 4, 7, 11 (com exceção do corrimão), 13, 17, 23, 26, 30, 33 (com exceção das duas...

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