Acórdão nº 526/19.2T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelFERNANDO BARROSO CABANELAS
Data da Resolução19 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório: AA, Contribuinte Fiscal Nº ..., natural da Freguesia ..., concelho ... e residente na Praça ..., Freguesia ..., ... Guimarães, na qualidade de BB de CC, veio requerer a declaração de Insolvência de “R..., S.A.”, pessoa coletiva nº ..., com sede na ..., Rua ..., freguesia ..., ... Guimarães, registada na Conservatória do Registo Comercial ..., com o capital social de 50.000,00€.

Alega para tanto, e em síntese, que o acervo da herança é constituído por um crédito, no valor de 1.366.544,33€ (um milhão e trezentos e sessenta e seis mil e quinhentos e quarenta e quatro euros e trinta e três cêntimos), sobre a Requerida, emergente de empréstimos efetuados em dinheiro, pelo falecido, àquela sociedade, na qualidade de seu acionista verifica-se a necessidade de o cabeça de casal, aqui Requerente, interpor, na sobredita qualidade, a presente ação, porquanto a Requerida dissipou parte substancial dos seus bens. Tem conhecimento que a Requerida vendeu o imóvel designado “...”, pelo preço de 850.000,00, o qual constituía o seu ativo de maior relevância, por corresponder a cerca de 90%, do total dos seus ativos. Os ativos da Requerida passaram a cingir-se: • 7950 ações no capital social da sociedade “T..., SA.”, NIPC ... com o valor nominal e total de 795.000,00€ (setecentos e noventa e cinco mil euros) e o valor contabilístico ajustado de zero euros, • O recheio que integrava o supra identificado imóvel, com o valor contabilístico atual de 10.000,00€ (dez mil euros), • O prédio urbano sito no Lugar ..., União das Freguesias ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...3, e inscrito na matriz sob o artigo ...9, correspondente a um edifício em ruínas, com o valor patrimonial tributável de 38.052,40€ (trinta e oito mil e cinquenta e dois euros e quarenta cêntimos) e contabilístico de 2.000,00€ (dois mil euros).

Mais alega que ainda que se entenda que o falecido celebrou, com a Requerida, um verdadeiro contrato de suprimento, o que só por mero dever de patrocínio se concebe, sempre se terá de atender ao disposto no artigo 243º, número 5, do CSC, do qual resulta a inaplicabilidade do regime dos suprimentos ao crédito dos sucessores mortis causa que surge como novo titular dos créditos deixados pelo de cujus, por conseguinte, não sendo a herança credora por suprimentos, encontra-se o Requerente legitimado a interpor a presente ação.

O falecido, no âmbito da sua qualidade de acionista da Devedora, emprestou-lhe o valor global de 1.366.544,33€ (um milhão e trezentos mil e sessenta e seis mil e quinhentos e quarenta e quatro euros e trinta e três cêntimos) na condição da sua restituição, nunca aquele valor, ou parte dele, foi, até à data, devolvido, em 12/10/2018, o Requerente interpelou a Requerida, concedendo-lhe um prazo de 8 (oito) dias para que esta efetuasse o pagamento do valor em divida, o que não surtiu efeito, visto que a Requerida não recebeu a dita carta, impondo ao Requerente o envio de nova carta, desta vez através de correio simples, persistindo aquela em não pagar. Ou seja, a herança mantém um crédito sobre a Requerida no montante, a título de capital, de 1.366.544,33€ (um milhão e trezentos mil e sessenta e seis mil e quinhentos e quarenta e quatro euros e trinta e três cêntimos). Ao passivo representado pelo crédito do Requerente, soma-se ainda, e pelo menos, uma dívida de cerca de 170.000,00€ (cento e setenta mil euros), à Banco 1..., donde forçoso é concluir que o passivo da Requerida supera largamente os seus ativos, recordando que aquele é, pelo menos, de 1.500.000,00€ (um milhão e quinhentos mil euros) e estes de valor não excedente a 60.000,00€ (sessenta mil euros). A Requerida encontra-se sob a alçada do artigo 35º do Código das Sociedades Comerciais, visto que, como decorre destes últimos documentos, o seu capital próprio, à data de 31/12/2017, era negativo em cerca de 400.000,00€, além disso, a Requerida não depositou as Contas relativas ao ano de 2017, no prazo legalmente estipulado para o efeito, conforme resulta de pesquisa efetuada ao portal MJ.

Conclui que a Requerida se encontra em situação de insolvência, por verificação dos factos índice previstos nos artigos 20º, número 1, alíneas b), d), e) e g) do CIRE.

Juntou documentos e procuração.

Por despacho proferido a 04/02/2019, tendo por referência a factualidade alegada quer em sede do requerimento inicial, quer do requerimento que antecedia, entendeu-se haver justificado receio de atos de má gestão, nomeadamente na perda de ativos importantes da requerida em prejuízo dos credores, tendo, nos termos do disposto no artigo 31.º do CIRE, sido nomeado Administrador Judicial Provisório, indicado por sorteio eletrónico.

No mesmo despacho foi determinada citação da Requerida.

Devidamente citada, apresentou-se a Requerida a deduzir oposição, alegando, em síntese, que no caso em apreço, o requerente está a exercitar um direito em manifesto prejuízo para o respetivo titular, em manifesto prejuízo para os herdeiros da herança indivisa de CC. Resulta óbvio do alegado pelo requerente que o crédito invocado é relativo a suprimentos, na aceção do disposto no artigo 243.º do Cód. Soc. Comerciais, sendo que o artigo 245.º n.º 2 é claro e inequívoco: “Os credores por suprimentos não podem requerer, por esses créditos, a falência da sociedade.”. Não obstante a previsão normativa do contrato de suprimento estar inserida no regime das sociedades por quotas, é pacífico que as normas do instituto em causa são aplicáveis, com as necessárias adaptações, ao financiamento das sociedades anónimas, para o que cita jurisprudência, pelo que o Requerente, na qualidade de cabeça de casal da herança alegadamente credora por suprimentos, não pode requerer, por esse crédito, a insolvência da requerida, atento o disposto no artigo 245.º n.º 2., deverá, pois, ser julgada procedente a exceção de ilegitimidade ativa do requerente, com a consequente absolvição da instância da requerida - cfr. artigos 577.°, alínea e) e 278.°, n.° 1, alínea d), todos do Cód. Proc. Civil.

Alega ainda que a comunicação que o requerente alega ter remetido à requerida – que, conforme o mesmo confessa, nunca chegou a ser recebida pela requerida, – não constituiu forma legalmente válida de interpelação desta última para restituição da quantia mutuada pelo De Cujus CC, não tendo sido estipulado prazo de reembolso, a restituição da quantia mutuada pelo De Cujus CC exige, forçosamente, a prévia instauração de ação para fixação judicial de prazo, faltando este pressuposto, jamais a requerida poderá ser declarada insolvente com base em tal crédito, sendo que nem tão pouco assiste ao requerente o direito de exigir judicialmente a condenação da requerida a restituir a mencionada quantia através da propositura de ação de processo comum, sem que previamente instaure a dita ação para fixação judicial de prazo. Também por força desta omissão se impõe a absolvição da instância da requerida. Tem vindo a entender-se em inúmeros arestos dos tribunais superiores, que o simples pedido de insolvência formulado por credor por suprimentos consagra um verdadeiro “venire contra factum proprium”, quer se trate de credor direto, ou credor pela via sucessória, no caso em apreço, há ainda que ter em conta que foi requerente que conduziu a requerida ao seu atual estado, na qualidade de administrador, ao transferir o património pertencente à mesma para uma sociedade que constituiu para o...

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